J. M. Barrie: Basta você encontrar um vislumbre de felicidade nesse mundo, que tem sempre
alguém que quer destruir isso.
(Em busca da Terra do Nunca)Acordei com um bom humor invejável, apesar da segunda-feira. Normalmente, o meu pai me leva ao colégio,
mas hoje eu resolvi ir de ônibus, já que queria chegar bem cedo para tentar ver o Marquinho entrando. A conversa
da noite passada não me saía da cabeça, e eu precisava olhar pra ele, só para abastecer o meu coração um
pouquinho.
Foi chegar na porta, que o meu encantamento sumiu. O Leo estava parado em frente ao carrinho de balas e, de
repente, eu me lembrei de tudo aquilo que a Gabi tinha me contado. E se ela estivesse certa e o Leo realmente me
visse com outros olhos? Mas ele vivia falando de outras meninas comigo, e no começo do ano ele tinha até uma
namorada...
Eu me aproximei devagar e ele abriu o maior sorriso quando me viu. É engraçado como uma simples suposição
faz a gente olhar diferente para uma pessoa. Normalmente, eu correria para ele, daria um beijinho no rosto,
perguntaria sobre o final de semana... mas eu estava totalmente na defensiva. Precisava averiguar aquela história
e, se fosse verdade, não podia deixar que ele pensasse que tinha alguma chance, afinal, o meu coração estava
completamente ocupado.
Eu fiquei lá do lado dele, meio sem jeito, esperando que ele terminasse de pagar o halls que estava comprando.
Ele me ofereceu um e perguntou se tinha dado formiga na minha cama, já que eu quase todo dia chegava atrasada.
Eu não podia dizer pra ele que a tal formiga tinha nome, então simplesmente disse que tive insônia de novo.
“Não é insônia”, ele falou. “Insônia faz as pessoas não dormirem ou acordarem no meio da noite. O que faz com
que a gente acorde muito cedo é ataque de ansiedade. Você está ansiosa, Fani?”
Eu gostaria que o Leo não fosse tão inteligente! Fiquei toda sem graça, o que ele deve ter achado bem estranho,
já que normalmente não tem ninguém com quem eu fique mais à vontade do que com o Leo.
Aí ele meio que ficou me chamando pra gente subir pra sala, só que eu tinha chegado mais cedo exatamente
para ficar lá fora e ver os professores entrarem. Então eu disse pra ele ir subindo porque eu tinha que passar na
secretaria.
Os minutos foram passando e nada do Marquinho. Todos os professores chegaram, o sinal bateu, e eu lá,
parecendo uma daquelas alunas pervertidas, que os pais deixam na porta do colégio crentes de que elas vão
assistir às aulas e elas simplesmente não entram, ficam do lado de fora fumando e falando bobagem.
Eu comecei a ficar tensa, já estava quase perdendo aquela vontade louca de ver o Marquinho e resolvi então
esperar só mais três minutos, contados no relógio. Estava faltando apenas um minuto, quando ouvi o meu nome.
“Estefânia, o que você está fazendo aqui fora até agora?”
Era a diretora! Eu fiquei roxa de vergonha. Por mais que eu chegue sempre atrasada, eu entro rapidinho, não
fico lá fora fazendo hora. Fiquei gaguejando, tentando inventar uma desculpa, quando uma voz por trás dela me
fez respirar aliviada.
“Fani, sua louca! Podia ter me esperado lá dentro! Aqui está o seu celular!”
Até suspirei! A Gabi tem o dom de sempre aparecer na hora certa.
“Oi, Dona Clarice!”, ela falou virando para a diretora. “Eu marquei com a Fani aqui fora antes da aula, mas me
atrasei um pouquinho...”
Eu sorri pra ela, nem me lembrando da raiva que ela tinha me feito passar no dia anterior, e nós entramos
rapidinho no colégio.
“Agora dá pra me explicar o que você estava fazendo lá fora?”, ela quis saber assim que chegamos à sala. “Você
já pensou o que teria acontecido se eu não chegasse naquele momento? Você sabe que a Dona Clarice liga para os
pais de quem mata aula e faz com que eles busquem os filhos na sala dela? Você imagina a cara da sua mãe tendo
que te buscar na sala da diretora? Afinal, você estava matando aula por quê??”
Eu nem tive tempo de responder pra ela que eu não tinha a mínima intenção de matar aula. A professora chegou
bem pertinho e perguntou se a gente queria terminar a conversa na diretoria.
Quando o sinal tocou, eu resolvi agarrá-la pelo braço e dar uma fugidinha até o banheiro para que pudéssemos
conversar direito. Expliquei rapidamente (só temos cinco minutos entre uma aula e outra) o caso do telefonema da
noite passada e como isso gerou em mim um desejo alucinante de ver o “Mr. M” (na presença de outras pessoas
nós o chamávamos assim, pra não gerar desconfiança). Ela disse que eu era muito boba de ficar esperando a
entrada dele, que eu devia ter marcado era a saída, porque todo mundo sai ao mesmo tempo.
E foi o que eu fiz. Na hora do recreio, a Gabi foi comigo olhar o quadro geral de horários. Descobrimos que o
Marquinho daria o último horário para o 1
o ano B. Então, eu pedi para a professora de Inglês me deixar sair cinco
minutinhos mais cedo (dei a desculpa de que tinha médico) e fui até o andar do 1
o ano. Eu ia ficar fazendo uma
hora por lá e, quando batesse o sinal, iria fingir que estava procurando algum aluno até o Marquinho aparecer e eu
suprir a minha vontade de vê-lo.
Mas, para minha grande decepção, ao chegar na frente da sala, constatei que a porta estava aberta e que não
havia uma alma viva lá dentro. Cheguei em casa frustradíssima.
Eu nem tinha almoçado ainda quando a Gabi me ligou para saber se o nosso plano tinha sido bem-sucedido.
Contei o péssimo resultado e ela disse que, na hora em que eu ligasse para ele hoje, ficaria sabendo o que teria
acontecido com ele ou com a aula do 1
o ano.
Coitada da Gabi, ela é tão ingênua. Até parece que eu vou ligar para o Marquinho. É óbvio que eu não vou. Por
três motivos básicos:
1. Pra não perder a graça. Ele disse que é curioso, não é? Então vai ficar mais ainda.
2. Porque o efeito do champanhe passou completamente e hoje eu estou mais covarde do que um rato.
3. Porque eu tenho a tal reunião de intercâmbio na quarta e a minha mãe cismou que eu tenho que ir cortar o cabelo para
passar uma boa impressão. Como eu também tenho spinning e aula particular de Física, só daria tempo para ligar bem tarde.
E aí o pessoal da casa dele poderia atender (ele disse naquele dia que estava sozinho em casa... com quem será que ele
mora?).
Eu tinha acabado de colocar o telefone no gancho e ele tocou de novo. Era o Leo. Ele queria saber por que eu e
a Gabi estávamos tão misteriosas hoje e que história tinha sido aquela de eu entrar atrasada no primeiro horário e
sair mais cedo no último. Tomei fôlego e comecei a minha historinha ensaiada.
“Entrei tarde porque tive que ir à secretaria pedir autorização para sair mais cedo”, eu disse meio gaguejando,
já que eu odeio ter que mentir para o Leo. “Para conseguir isso, eu disse que tinha que ir ao médico.”
Como o Leo sabia perfeitamente que não tinha médico nenhum, tive que inventar mais um pouquinho: “O real
motivo de eu ter saído antes foi porque a minha mãe queria que eu cortasse o cabelo hoje de qualquer jeito, e
meio-dia foi o único horário que eu arrumei...”.
Olha só a teia em que eu tive que me enrolar só para não dizer a verdade pra ele. Bom, pelo menos essa foi uma
mentira verossímil, já que eu realmente vou cortar o cabelo hoje. O problema foi que ele me perguntou como ficou
o meu cabelo, e eu – que nem tinha pensado no corte ainda – fiquei toda: “Ah... você sabe! Ficou mais ou menos!
Como sempre”. E ele respondeu: “Bom, espero que você não tenha cortado muito curto. Seu cabelo é lindo do jeito
que ele é”.
Sabe, eu começo a achar que a Gabi pode estar certa. Quem, em sã consciência, pode achar o meu cabelo
bonito? O meu cabelo é liso, mas muito liso mesmo, daqueles escorridos que não deixam parar nem passador, nem
faixa, nem gominha, nem tiara, nem nada! Se quero fazer um rabo de cavalo tenho que tacar gel para fixar um
pouco, mas daí a um segundo tudo desmancha. E vem o Leo me dizer que isso é bonito? Caramba, realmente ele
deve estar apaixonado.
Será que, se eu cortar o cabelo bem curtinho, ele se desencanta de mim?

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Fazendo meu Filme
RomansaFazendo meu filme nos apresenta o fascinante universo de uma menina cheia de expectativas, que vive a dúvida entre continuar sua rotina, com seus amigos, familiares, estudos e seu inesperado novo amor, ou se aventurar em um outro país e mergulhar nu...