capítulo 47

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Kathleen Kelly: Eu ligo meu computador. Espero impacientemente a conexão. Estou online e minha
respiração fica presa até eu ouvir três palavras: Mensagem para você. Não ouço nada, nenhum som nas
ruas de Nova York. Só o bater do meu coração. Recebi uma mensagem. De você.
(Mensagem pra você)

Claro que eu nunca enviei aquela resposta. Ao contrário, escrevi um e-mail supereducadinho copiado do modelo
que eu achei no manual do programa de intercâmbio, recheado de “I”.
Ai, ai, ai.... acho que nunca falei tanto de mim mesma na vida.
De: Fani <fanifani@gmail.com>
Para: Tracy <tmarshallstar@hotmail.com>
Enviada: Sábado, 17:02
Assunto: From Brazil
Dear Tracy,
I was very glad to receive your letter.
I am so excited to meet you and your family.
I am 16, but I will be 17 in march.
I love animals, I’m sure I’ll like Brownie!
I have a turtle, her name is Josefina.
I like sports. I go to gym classes three times a week.
I am sending a picture of me, so you can see what I look like.
Thank you for writing me.
Hope to hear from you again.
Fani
*
Apesar da minha vontade de realmente jogar tudo para o alto, eu sei que não posso fazer isso. Primeiro, porque
meus pais já investiram muito, pagaram o programa de intercâmbio, as passagens, seguro de saúde, uniforme,
cartõezinhos...
Definitivamente era tarde demais pra desistir.
Resolvi então me forçar a entrar no clima. No domingo, participei do segundo encontro de orientação do
programa de intercâmbio, dessa vez só para os jovens, nenhum pai deveria estar presente.
O lugar que a organização escolheu foi um sítio, provavelmente para descontrair e provocar integração entre os
futuros intercambistas. Deveríamos nos encontrar na sede do SWEP e um ônibus especial nos levaria e nos traria
de volta.
Conheci os outros estudantes que iriam viajar no mesmo dia que eu, embora cada um fosse para um lugar
diferente do mundo. Além dos quatro que fizeram prova comigo e passaram, tinha mais uns 20 de outras cidades.
Todos estavam tão animados que até conseguiram me contagiar um pouquinho. Alguns ex-intercambistas foram
para relatar passagens engraçadas e complicadas que viveram e, no final, até que dei boas risadas.
Por algumas horas consegui realmente me desligar e viver só o momento. Saí do encontro mais leve, realmente
querendo fazer essa viagem, mas foi chegar em casa que toda a minha agonia voltou.
Apesar de saber que a dona Maria Carmem só ia pro Rio na segunda-feira, eu tinha esperança de que o Leo
pudesse ter telefonado pra casa e que ela tivesse contado do CD, e que ele, então, resolvesse me mandar um e-mail
para agradecer antecipadamente...
Entrei no apartamento e fui correndo ligar o computador. No caminho passei pelo meu pai, que estava na sala
assistindo à televisão.
“Ei, onde você está indo com essa pressa?”, ele perguntou, me fazendo diminuir o ritmo. “Vem aqui me contar
como foi o encontro!”
Eu dei marcha ré no maior desânimo do mundo, sentei no sofá ao lado dele e comecei a explicar tudo, sem a
menor paciência, afinal tinha acabado de relatar a mesma coisa para a minha mãe no carro.
“Primeiro, a gente chegou e ficou um tempão só conversando. Aí os organizadores pediram para a gente sentar
e foram chamando um a um para ir lá na frente se apresentar, dizer para onde estava indo e falar um pouco da
expectativa e dos preparativos para a viagem.”
“O que você falou?”, meu pai perguntou, com uma expressão de curiosidade.
“Ai, pai!” Eu estava louca pra acabar aquele relato logo. “Fani. Inglaterra. Estou ansiosa. Foi só isso o que eu
falei! O que mais eu poderia ter dito?”
E, realmente, era como eu estava me sentindo. Ansiosa. Apenas isso. Ao contrário da minha host-family, eu não
estava contando os minutos para chegar lá.
“Bom, não sei... pensei que talvez você estivesse um pouco mais curiosa para conhecer outro país, viver outra
cultura, fazer novos amigos...”, meu pai disse, me olhando de um jeito meio preocupado. “Sabe, Fani, eu queria te
dizer que pra mim não está sendo fácil saber que dentro de um mês eu vou ficar um ano sem a minha filha... mas
que eu sei que isso vai ser uma experiência fantástica para a sua vida.”
Ele ficou esperando pra ver se eu ia falar alguma coisa, mas eu não consegui pensar em nada para dizer naquele
momento. E o que eu poderia falar? Que a experiência fantástica que eu gostaria de ter poderia estar naquele
momento dentro de um e-mail que ele estava me impedindo de receber?
“Só gostaria que você se empolgasse mais”, ele continuou a falar, já que eu não me manifestei. “Porque ficar
longe do conforto da própria casa já é difícil para quem resolve fazer isso com muita vontade. Viajar sem estar
interessado pode transformar o que seria a melhor época da sua vida em um pesadelo...”
E, falando isso, ele se virou novamente para a televisão e aumentou um pouco o volume.
Fiquei imóvel por uns segundos, tentando assimilar o que ele tinha falado, mas, assim que eu percebi que estava
liberada, levantei e corri para o meu quarto.
Incrível como um computador pode ser tão lento. Acho que daria para eu ler uma revistinha da Mônica inteira
no tempo que o meu leva para iniciar! Finalmente meus e-mails começaram a chegar. Seis. Um deles tinha que ser
do Leo, precisava ser do Leo! Passei os olhos pela lista: DE ASSUNTO RECEBIDA

Era ele!!!!!!!!!
Cliquei pra abrir o e-mail com tanta força que o botão do mouse quase afundou.

De: Leonardo <soueuoleo@gmail.com>
Para: Vários <undisclose recipient>
Enviada: Domingo – 16:12
Assunto: Feliz Natal!
Desejo a todos os meus amigos um Natal cheio de paz e um ano novo repleto de realizações. Que Papai Noel venha
bem gordo e bêbado!
Beijos (só pras meninas) e abraços.
Leo

Li três vezes. Isso era tudo o que eu merecia de Natal. Um e-mail coletivo.
Desliguei o computador, fui até a cozinha e voltei com uma lata de leite condensado. Liguei a minha televisão,
coloquei o DVD do Diário da princesa e deitei debaixo do edredom, para assistir e entender de uma vez por todas
que a vida nunca ia ser perfeita como um filme.

* Querida Tracy, eu fiquei muito feliz por receber a sua carta. Eu estou muito empolgada para conhecer você e sua família. Eu
tenho 16 anos, mas eu vou fazer 17 em março. Eu amo animais, tenho certeza de que vou gostar do Brownie! Eu tenho uma
tartaruga, o nome dela é Josefina. Eu gosto de esportes. Eu faço aulas de ginástica três vezes por semana. Estou te mandando
uma foto minha para que você veja como eu sou. Obrigada por me escrever. Espero receber notícias suas novamente. Fani.

Fazendo meu FilmeOnde histórias criam vida. Descubra agora