Eduard Christoff Philippe Gérard Renaldi: Coragem não é a ausência de medo, é no entanto a
percepção de que algo é mais importante que o medo. Os corajosos podem não viver para sempre, mas os cautelosos não vivem nada.
(O diário da princesa)
A campainha tocou. Levantei da cama assustada, ainda com o vestido na mão e fui abrir a porta. Olhei pelo olho
mágico e vi que era o Alberto.
Abri a porta, ele me deu um beijinho e foi falando, andando para a cozinha: “Deixei minha chave aqui, já que eu
achei que fosse voltar com o papai e a mamãe, mas eles estavam demorando tanto que eu desisti! Estão lá até
agora tirando fotos de todos os ângulos da Juju! Coitada dessa menina, neta mais velha sofre...”.
Eu o segui, para acompanhar o que ele estava dizendo.
“Tem alguma comida aí?”, ele falou enquanto abria a geladeira. “Estou morrendo de fome, lá só tinha algodão-
doce!”
Eu disse que tinha pizza, que eu só tinha comido metade, aí ele pegou o resto no forno e, sem nem se dar ao
trabalho de esquentar, começou a comer como se nunca tivesse visto comida na vida. Ele sentou na copa, pediu pra
eu pegar um suco e me perguntou o que eu estava fazendo com aquele vestido na mão.
Fiquei meio sem graça, falei que estava só arrumando as minhas coisas, peguei depressa o suco e comecei a
andar em direção ao corredor, pra voltar pro meu quarto.
Eu não tinha dado nem três passos quando ele perguntou se eu não queria saber como tinha sido a festinha da
minha sobrinha. Claro que eu queria saber, mas eu estava tão desorientada que até tinha esquecido de perguntar.
Voltei pra copa, fiz que sim com a cabeça e sentei perto dele.
Ele começou a falar de boca cheia: “Muita gente velha. Muita criança. Muito grito. Muito choro. Aquelas
professoras incompetentes não conseguem domar os alunos e tinha menino correndo pra tudo quanto é lado... era
a minha visão do inferno, pra te falar a verdade!”.
Eu comecei a rir do jeito dele falar e ele continuou: “E ainda por cima, seu irmão mais velho desligado comprou
um CD da Sandy que a Juju já tinha! A coitadinha começou a chorar, falou que o Papai Noel não gostava dela, que
ela tinha sido boazinha o ano inteiro... fiquei morrendo de pena. Por sorte a mamãe teve presença de espírito e
falou na mesma hora que Papai Noel devia ter confundido, que aquele CD devia ser de uma coleguinha dela e que
era pra ela devolver porque ela ia procurar de casa em casa pra descobrir quem era a menina que estava com o
verdadeiro CD dela!”.
Perguntei pro Alberto se a mamãe tinha ficado brava por eu não ter aparecido. Ele falou que achava que ela nem
tinha reparado, que não tinha comentado nada sobre isso. Eu devo ter feito uma expressão aliviada, porque ele, na
mesma hora, mandou que eu relaxasse e, com cara de ironia, perguntou se eu tinha estudado muito...
“Estudei, sim. Por que essa cara, Alberto?”, eu perguntei bem séria, pra não dar margem a dúvidas.
“Bom...”, ele respondeu me analisando de cima a baixo. “Você está com maquiagem no olho até agora! E está
com a cara toda inchada, de quem acabou de acordar!”
Ele falou isso e voltou a olhar pra pizza que estava comendo, acho que pra não me deixar mais sem graça ainda. Mas um segundo depois, olhou de novo pra mim: “Ah, e está com esse vestido aí na mão... eu esperaria que você
atendesse a porta segurando uma régua ou um compasso, algum objeto mais... matemático!”.
Eu fiquei sem saber onde enfiar a cara.
“Se fosse você, Fani”, ele continuou a falar, “eu tomaria um banho, lavaria esse rosto, espalharia uns livros de
Matemática pelo seu quarto, porque o pior de tomar recuperação é a pressão que os pais colocam na gente se
percebem que a gente ficou um segundo sem estudar! Vai lá que se eles chegarem nesse meio tempo eu cubro pra
você, falo que cheguei aqui e te encontrei com uma cara exausta por causa de tanto estudo e que mandei você ir
tomar um banho para revitalizar e conseguir estudar um pouco mais depois!”
Ele não precisou falar duas vezes. Resolvi tomar um banho de espuma, já que eu realmente estava precisando
relaxar, e sentei na frente do espelho, enquanto esperava a banheira encher. Fiquei olhando o meu reflexo um tempinho, apoiei meus cotovelos na bancada da pia e deixei minha imagem se fundir com minhas lembranças tão
nítidas da noite anterior.
Eu avistei o Leo no bar, com um copo de cerveja na mão. De cara, vi que aquilo não era bom sinal, porque o Leo
não gosta de beber nada alcoólico, nas raras vezes em que bebe, são aqueles coqueteizinhos de festa de 15 anos.
Ele diz que gosta de coisas doces, que cerveja tem um gosto muito ruim. Concordo inteiramente com ele.
De onde eu estava vindo, não dava pra ele me ver. Fui chegando devagarzinho, pensando o que ia falar, e então
notei que ele estava conversando com o tal Rafael, pivô da discussão dele com a Vanessa. Fiquei morrendo de
medo deles brigarem e fui chegando mais perto, para tentar escutar a conversa.
“O que eu estou dizendo, meu caro, é pra você ficar longe da Vanessinha, falou?”. O Rafael ia falando,
equilibrando dois copos de cerveja em uma mão só e com a outra apontava o dedo pro Leo. “Eu não tenho a menor
ideia do motivo dela ter te dado atenção bem na hora em que a gente estava se divertindo tanto, mas, pelo que eu
percebi, ela estava meio contrariada! Eu prometi pro pai dessa menina que cuidaria dela, e é isso o que eu vou
fazer! Não vou permitir que nenhum pirralho a deixe aborrecida, tá ligado?”
Como o Leo levantou a voz para tentar se fazer ouvir, ele encarou isso como uma afronta e na mesma hora
colocou as cervejas no balcão e deu um empurrão no peito do Leo, provocando.
O Leo não gosta de brigas, mas não tem sangue de barata! Colocou a cerveja dele no balcão também e nesse
momento as pessoas que estavam no bar abriram uma roda em volta deles gritando: “Olha a briga! É briga!”.
Eu fiquei completamente desesperada, porque se aquele cara batesse no Leo ia acabar com ele! Não que o Leo
não seja forte, na verdade ele é até fortinho, apesar de estar meio fora de forma, mas o Rafael parecia que sabia
exatamente o que estava fazendo, como se fosse acostumado a socar todo mundo que passasse pela frente!
Fiz a primeira coisa que me veio à cabeça.
“Oi, meu amor, eu estava te esperando! Vamos pra um lugar mais calmo que eu estou morrendo de saudade!”
Falei isso e saí puxando o Leo, que ficou meio surpreso, não sei se por me ver ou por eu tê-lo chamado de “meu
amor”. Apesar do meu esforço, ele não tirou os pés do lugar. O Rafael me olhou e perguntou: “Esse cara é seu
namorado?”.
Eu estava tão louca pra tirar o Leo dali que falei: “É sim, por quê? Algum problema?”, com uma cara de brava.
“Problema nenhum, moça”, ele disse, segurando o meu queixo. “Mas vê se toma conta bem direitinho desse seu
namoradinho, viu...”
O Leo ficou mais nervoso ainda, se soltou da minha mão e só não voou no Rafael porque uns meninos da nossa
sala o seguraram.
O Rafael deu uma risada de superioridade, pegou as cervejas de novo e saiu do bar. Quando ele sumiu da nossa
vista, os meninos soltaram o Leo, que olhou pra mim com uma expressão muito revoltada: “Por que você fez isso,
Fani? Cara folgado! Chega na festa da nossa sala como se fosse o dono do mundo, resolve me encarar, mexe com
você, e vocês ainda me seguram!”.
Os meninos falaram que era pro Leo me agradecer muito, porque não ia sobrar nenhum dente na boca dele se
eu não tivesse aparecido na hora exata. Em seguida, eles olharam pra mim e começaram a me encher o saco:
“Então vocês estão namorando, é? Que bonitinho... Mas você está demais, hein, Leozão? Primeiro a gata da
Vanessa, aí mal termina com ela e já arruma outra, sem nem precisar mascar! Você tem que ensinar pra gente
como é que faz...”.
Eu fiquei completamente vermelha. O Leo ficou sério, falou pra eles me deixarem em paz e, virando pra mim,
falou pra gente sair dali.

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Fazendo meu Filme
RomansaFazendo meu filme nos apresenta o fascinante universo de uma menina cheia de expectativas, que vive a dúvida entre continuar sua rotina, com seus amigos, familiares, estudos e seu inesperado novo amor, ou se aventurar em um outro país e mergulhar nu...