capítulo 34

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Peter Pan: Você não entende, Sininho? Você significa mais pra mim do que qualquer outra coisa
neste mundo!
(Peter Pan)
Tem dias que a gente dorme tão profundamente que acorda meio sem noção de tempo e lugar. Eu abri os olhos,
olhei para o teto, me situei e fiquei ali, abraçada com meus travesseiros, pensando que horas deveriam ser.
Imaginei que provavelmente seriam umas 7 da manhã, porque a claridade que passava pela minha janela não
estava muito forte. Virei para o lado para olhar o rádio-relógio e quase caí da cama! Cinco da tarde?!
Se fossem férias normais, não teria problema nenhum. Mas a primeira coisa de que eu me lembrei quando
acordei foi a maldita recuperação e que eu tinha que ter passado o dia inteiro estudando.
O apartamento estava completamente silencioso. Fui ao banheiro e em seguida à cozinha, pra comer alguma
coisa e tentar achar alguma pista de onde estaria a minha família. Sábado geralmente é bem barulhento, já que o
meu irmão Inácio sempre vem com as crianças, e o meu irmão Alberto, que volta da faculdade para passar a
maioria dos fins de semana aqui, adora ligar todos os rádios e as televisões da casa ao mesmo tempo.
Chegando à cozinha, encontrei um ingresso e dois recados pregados na porta da geladeira.

Fani, aí está o ingresso da festinha de Natal da escolinha da Juju. A festa vai das duas às seis da tarde. Pegue um
táxi que a gente acerta quando você chegar. Fiquei sabendo da recuperação, se você preferir ficar estudando, sem
problemas, tenho certeza de que a Juju não vai se importar, contanto que você dê um presente de Natal bem legal
pra ela!
Inácio

Filha, eu e seu pai estamos indo para a casa do seu irmão para ajudar a
fantasiar a Juliana para a festinha. Estou levando sua antiga roupinha
de Mamãe Noel, acho que já vai servir nela. Vamos almoçar lá e por
isso liberei a empregada. Peça uma pizza para você (o dinheiro está no
lugar de sempre). O Inácio está deixando o seu ingresso da festa, nos
encontramos lá.
Beijos!
Mamãe

Por isso eu tinha dormido tanto! Sem barulho de família e empregada, devo ter recuperado o sono de todos os
anos em que eu fui acordada sem ter descansado o suficiente! Mas não foi só por isso. Ontem eu fui dormir bem
tarde mesmo...
Fiquei meio triste por ter perdido a festinha da Juju. Ela estava falando disso desde outubro! Contava que o
Papai Noel ia passar na escola dela antes de todos os lugares e que ia dar pra ela uma Barbie, uma bicicleta e o CD
da dupla Sandy & Junior! Realmente eu queria ter visto a carinha dela ganhando todos esses presentes... aliás,
espero que meu irmão tenha providenciado tudo isso pra ela!
Liguei para o telepizza e pedi uma média de frango com catupiry. Enquanto esperava, coloquei a mesa, sentei e
comecei a lembrar da noite anterior.
Eu saí de casa às 18h30, para a reunião de orientação do SWEP. Minha mãe foi comigo. A reunião foi bem
interessante, mas eu estava tão ansiosa para a festa que estava doida para acabar logo.
Eles explicaram o que esperam da gente, falaram do uniforme que precisamos usar, contaram casos que
aconteceram com ex-intercambistas e marcaram a data da viagem. Seis de janeiro. Daqui a menos de um mês e meio. Acho que ainda não caí na real que em pouco tempo tudo isso aqui vai ficar tão distante.
Depois da reunião, minha mãe me deixou na casa da Gabi, para eu terminar de me arrumar lá e ir com ela para
a festa. O pai dela ia levar a gente e íamos voltar com o da Natália, que deixou que ela ficasse na festa até duas
horas da manhã por ela ter passado de ano.
Nós chegamos lá às 22 horas. A festa já estava lotada. A primeira pessoa que vimos foi o Cláudio, que veio todo
sorridente em nossa direção. Ele chegou, me cumprimentou, olhou para a Gabi e sorriu. Ela sorriu de volta, mas
antes ficou completamente vermelha! Dá pra acreditar nisso? A Gabi envergonhada? Aí ele deu um puxão nela e
deu um beijo direto na boca, sem nem falar nada! Caramba, acho que a coisa está mais séria do que eu pensava!
Eu saí andando pra tentar achar a Natália que já devia estar lá desde o comecinho. Ela queria ser a primeira a
chegar para não ter perigo do Mateus dar só uma passadinha na festa e ela perder.
Todo mundo da sala estava lá. É tão engraçado ver de roupa chique as pessoas que a gente vê todo dia de
uniforme... todo mundo fica muito diferente, com cara de banho!
Fui andando meio sem graça, cumprimentando o pessoal com acenos. Alguns me paravam, elogiavam meu
vestido ou cabelo, perguntavam se eu tinha passado de ano, diziam algum incentivo quando eu respondia que tinha
tomado recuperação, e eu continuava o meu caminho, cada vez mais desesperada pra achar a Natália depressa.
Foi ela que me encontrou. Eu estava olhando para a pista de dança, tentando enxergar as pessoas no meio de
todas aquelas luzes piscando, quando ela apareceu.
“Fani, como você demorou!! Você perdeu o barraco!”, ela falou isso e saiu me puxando para um lugar menos
barulhento.
Eu perguntei que barraco era aquele, e ela, dramática que nem ela só, começou a contar bem devagar, detalhe
por detalhe, que ela tinha sido a segunda a chegar na festa, que antes dela só mesmo o Lucas, que ela estava de
prontidão na porta desde o princípio, mas que até agora nada do Mateus... eu comecei a perder a paciência e
interrompi a história dela.
“E o barraco, Natália? Quer me matar de curiosidade?”
Ela riu, com uma expressão de quem estava guardando o melhor para o final.
“Então... eu estava lá na porta e aí a Vanessa chegou bufando! Sozinha! Veio de táxi, eu vi tudo. Quando ela se
encontrou com as amigas dela, eu fiquei por perto pra escutar o que ela ia falar. Ela disse que não aguentava mais
o Leonardo, que ele era muito criança, que estava tudo combinado para ela vir pra festa com ele – que tinha dito
que ia pegar o carro do pai – e aí, em cima da hora, ele ligou pra ela e desmarcou, falou que não ia mais à festa
porque não estava com pique, já que tinha tomado recuperação. Aí a Vanessa falou que ela sabia muito bem que
devia ser o pai dele é que o tinha proibido de vir e que namorar pirralho dava nisso!”
Ela falou tudo tão rápido que eu nem consegui organizar a quantidade de informações. O Leo? Recuperação?
Mas eu achei que ele já tivesse passado em tudo… Então quer dizer que o Leo não vinha… de repente, me deu uma
vontade de voltar pra casa, comecei a achar aquela festa muito chata, eu realmente deveria ter ficado em casa
estudando!
“Mas o pior você ainda não sabe...”, a Natália continuou o relato, interrompendo meus pensamentos. “A Vanessa
também falou que era muito bom isso ter acontecido porque ela ainda tinha um convite da festa e que depois que o
Leo fez – segundo ela – a ‘palhaçada’, ela usou para convidar um fulano de tal aí, filho de um amigo do pai dela,
que tem 18 anos e já está na faculdade. Só que parece que o tal cara falou que ela deveria tê-lo convidado antes,
porque aí ele teria inclusive buscado ela em casa, só que, como ela avisou muito tarde, ele já tinha planejado de se
encontrar com um pessoal, mas que, com certeza, ele passaria na festa mais tarde para dar um beijinho nela.”
“Que absurdo! Mas e o Leo nessa história? Ela marca de se encontrar com outro assim, sem nem dar satisfação
pra ele, só porque ele não quis vir à festa?”, eu perguntei completamente tomando as dores do Leo, mas lá no
fundo um pouco feliz e esperançosa pela possibilidade dele descobrir o verdadeiro caráter da Vanessa.
A Natália falou que escutou a Vanessa dizer também que mais valia um pássaro na mão do que dois voando, que
ela só ia terminar com o Leo depois que tivesse certeza de que o outro cara estava mesmo na dela.
Eu fiquei muito revoltada. Peguei meu celular e comecei a procurar um número de telefone. A Natália começou
a dar um monte de pulinhos, perguntando o que eu ia fazer, toda animada querendo ver o circo pegar fogo. Eu
mostrei pra ela o nome do Leo e apertei a tecla “send”.
Ele atendeu com uma vozinha meio desanimada. Ainda bem que meu celular tem viva voz, porque aí pude
colocar pra Natália ouvir, sem ter que ficar repetindo tudo depois que nem papagaio.

Leo: Alô.
Fani: Leo, sou eu, a Fani.
Leo: Ah, oi. Que barulhada, hein?
Fani: Er... você tá ocupado?
Leo: Não, tava vendo televisão.
Fani: Você não vai vir à festa?
Leo: Ah, Fani, não tô animado, não…
Fani: Mas você é tão animado sempre... por que exatamente hoje você não vem?
Leo: “Exatamente” como assim? O que tem de especial nessa festa?
Fani: Bom… na verdade, nada… mas é que eu… bom, eu também não ia vir, mas minha mãe me lembrou que essa vai ser minha
última festa do colégio, porque eu vou fazer intercâmbio e depois já vou voltar formada e tal…
Leo: Humm.
Fani: Então eu resolvi vir, porque eu pensei que todo mundo que eu gosto fosse estar aqui…
Leo: Todo mundo que você gosta?
Fani: Hum, bom, é. Assim… a Gabi, a Natália, a Priscila, o Rodrigo, a Júlia, você...
Leo: Mas todas essas pessoas com certeza estão aí, menos eu. Tenho certeza de que você não vai nem sentir a minha falta...

Nesse momento eu fiquei meio sem falar nada e a Natália começou a pular na minha frente, fazendo umas mímicas, mandando que eu dissesse alguma coisa.

Fani: É… acho que o resto do pessoal vem, sim…
A Natália começou a bater a mão na testa.
Leo: Tá animado, aí? Barulhento eu já ouvi que está.
Fani: Bom, eu acabei de chegar, mas acho que tá sim…
Leo: Eu tomei recuperação.
Fani: Eu fiquei sabendo. Eu tomei também.
Leo: Tomou? Mas me falaram que todo mundo tinha passado em Física!
Fani: Não foi em Física. Foi em Matemática.
Leo: Ei, eu também!
Fani: Jura?
Leo: Foi, sim! Acho que essa professora ficou revoltada e saiu dando recuperação pra todo mundo, só pode ser!
Fani: Bom, até agora só sei da gente. As meninas passaram em tudo…
Leo: Sua mãe brigou com você?
Fani: Não. Ela falou que era pra eu aproveitar bem hoje à noite e começar a estudar amanhã.

Ele não falou nada. Ficamos um tempo calados, e aí meu celular começou a apitar.

Fani: Leo, a bateria do meu celular tá acabando. Tenho que desligar.
Leo: Tá bom, então.
Fani: Você não vem mesmo?
Leo: Você faz muita questão?

Eu fiquei muda e nesse exato minuto minha bateria acabou. A ligação caiu sem que ele soubesse a verdade. Sim,
eu fazia muita questão. Sem ele lá, aquela festa não ia ter a menor graça. Nem toda aquela produção ia valer a
pena. Mas ele nunca ia saber disso...

Fazendo meu FilmeOnde histórias criam vida. Descubra agora