Frances: Coisas inacreditavelmente boas podem acontecer, mesmo no finalzinho do jogo. É uma
grande surpresa.
(Sob o sol da Toscana)O ano começou em ritmo realmente acelerado. Com a proximidade da viagem, meus dias ficaram todos
preenchidos com os preparativos.
Fui a vários médicos apenas para não correr o risco de ter algum problema oculto que resolvesse se manifestar
quando eu estivesse viajando. Além disso, saí com minha mãe um milhão de vezes para comprarmos roupas de frio,
já que eu iria chegar lá em pleno inverno. Como se não bastasse, tive mais uma orientação do programa de
intercâmbio para receber as instruções finais.
Eu, que pensei que fosse ter tempo para curtir meus últimos dias ao lado das meninas, fiquei mais atarefada do
que durante o ano letivo.
O Leo, depois do telefonema do Réveillon, não se manifestou mais. Mandei um e-mail para todos os meus amigos
(ele inclusive) avisando que no dia 6 de janeiro estavam todos intimados a comparecer ao aeroporto internacional
às cinco da tarde para se despedir de mim, e fiquei rezando para que ele checasse o e-mail, mas ele não respondeu
nada.
Dois dias antes de eu viajar, a Gabi me chamou para jantar na casa dela, para a gente começar a nossa
despedida. Apesar de eu não estar com muita vontade – pois tudo estava me fazendo chorar, e esse jantar
certamente também faria – concordei em ir.
Vesti uma roupa qualquer, já que a gente ia ficar só lá mesmo, jantando e possivelmente vendo um DVD depois,
fiz um rabo de cavalo e peguei a bolsa. Pedi para o meu pai me levar, já que ele também estava saindo, mas
estranhamente ele falou que estava atrasado, que era pra eu ir de táxi.
Cheguei ao prédio dela pensando que provavelmente aquela seria a última vez em que eu estaria ali antes de
viajar.
Saí do elevador e a Gabi já estava me esperando na porta. Ela foi me vendo e falou: “Corre aqui, tenho que te
mostrar o filme que está passando!”, e foi me puxando pra sala de visitas. Só que nós chegamos lá e estava tudo
escuro, eu já ia perguntar se ela não tinha confundido as salas, se na verdade ela não pretendia me levar até a sala
de televisão, quando de repente a luz acendeu e um monte de gente gritou: “Surpresa!!!”.
Eu tomei o maior susto, fiquei meio desorientada no começo, olhando para todos os lados e enfim reparei que a
tal surpresa era pra mim! Na minha frente estavam mais de 30 pessoas com chapeuzinhos, língua de sogra e
jogando confetes na minha cabeça, cantando: “Não, não vá embora... vou morrer de saudade...”.
Comecei a rir e chorar ao mesmo tempo! Todo mundo veio me abraçar e eu comecei a distinguir os rostos. A
Natália, a Priscila, o Rodrigo, o Alan, minhas primas, meus tios, minhas avós, meus irmãos, minha cunhada, minha
sobrinha, meus sobrinhos gêmeos e a babá deles, minhas colegas do Inglês, da academia e do meu antigo colégio,
os pais da Gabi e até o meu pai (nesse momento entendi o motivo pelo qual ele me negou a carona), que não sabia
se consolava a mim ou a minha mãe, que estava chorando mais do que eu.
Levei uns dez minutos para me recuperar do susto e, no meio daquela surpresa toda, não tive como deixar de
procurar o Leo, na esperança de que o tivessem escondido entre aquelas pessoas, guardando o melhor pro final...
mas não, ele não tinha ido mesmo.
Quando eu já tinha abraçado todo mundo, a Gabi veio pro meu lado e falou: “Fani, realmente eu tenho que te
mostrar um filme...”.
Em seguida enlaçou o braço dela no meu e saiu me levando para dentro da casa. A Natália veio correndo atrás
da gente pedindo para esperar porque ela queria ver também, enlaçou o braço dela do meu outro lado e nós três
fomos assim, enlaçadas, até a sala de televisão.
Chegando lá, vi que a TV e o DVD estavam ligados e que tinha uma imagem embaçada, congelada na tela.
A Gabi pediu que eu me sentasse, pegou o controle, apertou “play” e a imagem focalizou o Cristo Redentor. A
câmera foi distanciando, e de repente meu coração deu um salto mortal dentro do meu peito. O Leo apareceu
acenando com aquele sorriso lindo de covinha e fazendo sinal para a câmera chegar mais perto.
Quando só tinha um close dele na tela, ele começou a falar.
“A-há, dona Fani! Achou que eu não fosse participar da sua festa surpresa, né? Te enganei! Olha eu aqui!”. Ele
passou a mão no cabelo e em seguida ficou um pouco menos risonho. “Agora, sério. Eu queria te falar que eu
queria muito estar aí comemorando com você, fiz de tudo pra arrumar um voo – pergunta pra Gabi! – mas estava
tudo lotado.”
Eu olhei pra Gabi que só fez que sim com a cabeça e apontou para a televisão, para que eu não perdesse nada.
“Então a gente resolveu gravar esse DVD porque eu tinha que participar de alguma forma! E, além disso, você
vai poder levá-lo pra Inglaterra para poder assistir sempre que estiver morrendo de saudade de mim!”
Ele deu uma risadinha, se forçou a ficar sério de novo e continuou.
“Brincadeirinha, viu? Acho que, se tem alguém que vai morrer de saudade, essa pessoa sou eu”. Ele olhou para
o chão meio sem graça e voltou a olhar para a câmera. “Mas é por pouco tempo, um ano passa rapidinho, e daqui a
pouco você já vai estar aqui curtindo com a gente de novo!”
Eu dei um suspiro, a Natália apertou minha mão e a Gabi aumentou o volume mais um pouquinho.
“Olha só, vou voltar no dia 6, de manhã. Não ouse embarcar antes de eu chegar! Senão eu pego um avião e vou
atrás de você, viu?”
Ele riu na tela e eu ri assistindo, desejando muito que ele fizesse isso mesmo.
“Curte bastante a sua festa aí, come bastante pão de queijo porque no exterior não tem dessas coisas, não!”
Ele riu mais um pouco, olhou pra cima, deu um suspiro e se virou novamente para a câmera, sorrindo, mas com
um olhar um pouco triste.
“Um beijo, Fani, te adoro, viu?”
E depois disso a câmera foi distanciando, voltou para o Cristo Redentor, até que a imagem embaçou e
escureceu.
Eu fiquei estarrecida olhando para a tela preta, até que a Natália levantou e falou: “É... o negócio é a gente
comer pão de queijo, né...”.
Eu virei pra Gabi e exigi que ela me explicasse direitinho a história daquele vídeo, quem tinha tido a ideia, como
tinha sido gravado e chegado ali na casa dela, tudo!
Ela falou que ela e a Natália haviam resolvido fazer aquela festa surpresa, e que então ela tinha mandado um e-
mail pra ele quando estava lá em Tiradentes, assim como para todas aquelas pessoas que eu tinha visto na sala,
convocando para minha festa surpresa de despedida no dia 4 e pedindo para confirmar a presença. O Leo
respondeu falando que não ia ter jeito, porque ele só voltaria mesmo no dia 6.
Ela então mandou outro e-mail, perguntando se dois dias a mais no Rio de Janeiro eram mais importantes do
que eu, ao que ele respondeu que por ele não teria nem viajado, mas que a mãe dele fazia questão absoluta de
Natal e Réveillon no Rio de Janeiro, que era a única época do ano em que toda a família se reunia na casa da avó
dele.
A Gabi mandou outro e-mail (puxa, esse povo nunca ouviu falar em WhatsApp?) comunicando a ele que no dia 4
de janeiro tanto o Natal quanto o Réveillon já teriam passado e que ele já estaria liberado. Ele, por sua vez, disse
que os pais dele tinham combinado a volta para o dia 6, sexta-feira, de manhã, só porque ele tinha exigido, pois por
eles a volta seria no domingo, dia 8.
A Gabi, então, apelou. Perguntou se ele consideraria voltar de avião dois dias antes se ela conseguisse
convencer a mãe dele. Em vez de mandar um e-mail resposta, o Leo ligou para ela no mesmo instante e colocou a
mãe dele na linha. A Gabi então falou para ela sobre a festa de despedida, e que o Leo era o meu melhor amigo,
que eu estava muito triste porque só ia me encontrar com ele no dia de viajar…
Ela falou que no começo a dona Maria Carmem ficou meio resistente, mas que acabou concordando, se o Leo
prometesse regar todas as plantas da casa que, segundo ela, deviam estar com a língua pra fora de tanta sede.
Daí o Leo na mesma hora entrou no site de todas as companhias aéreas pra tentar marcar o voo, mas estava
tudo lotado. Foi então que eles começaram a pensar o que podiam fazer para que o Leo participasse. A princípio,
combinaram que ele telefonasse na hora da festa, para, pelo menos, conversar comigo, mas os dois acharam essa
ideia meio sem graça. Então o Leo sugeriu de gravar um CD com a voz dele no meio das músicas, o que a Gabi
achou – com toda razão do mundo – que eu iria adorar. Só que naquele exato momento ela teve um estalo, lembrou
da minha paixão por filmes e falou que a melhor surpresa seria se ele desse um jeito de fazer um vídeo. Ele disse
que isso era muito fácil porque o primo dele tinha uma filmadora digital e que faria para ele. Depois era só passar
pra DVD e mandar por Sedex pra ela.
E foi assim que eu ganhei uma surpresa (a melhor que eu poderia imaginar, com exceção apenas se o Leo saísse
da televisão) dentro da minha própria festa surpresa!
Assim que a Gabi terminou o relato, eu peguei o controle remoto e coloquei pra passar o DVD de novo. As
meninas deram um suspiro, falaram que era pra eu aproveitar a festa porque depois poderia ver aquilo quantas
vezes eu quisesse, mas eu disse que era só mais uma vezinha… naquele exato momento, a Priscila deu uma
batidinha na porta, disse que a minha mãe tinha pedido pra ela vir ver se estava tudo bem e que todo mundo
estava sentindo a minha falta na sala.
“Ei!”, ela falou olhando pra tela de repente. “É o Leo!”
Eu fiquei toda vermelha sem querer, parei o filme completamente sem graça, e aí ela falou: “Ah, o Leo… tô
sabendo, viu…”, e riu para a Gabi e a Natália, que fizeram cara de desentendidas, mas – francamente – elas são
péssimas atrizes!
Eu fiquei toda: “Não, Priscila, é que ele queria participar também, aí me mandou esse DVD, já que está lá no
Rio…”.
Aí ela fez uma expressão de quem estava se divertindo muito com aquela situação e disse: “Ué, eu não estou
falando nada…”, e saiu.
Eu olhei completamente desesperada para as meninas, mas a Gabi falou: “Ih, Fani, o que é que tem a Priscila
saber? Ela é sua amiga! E além do mais você vai viajar daqui a dois dias!”.
Eu disse pra ela que a Priscila podia contar pro Rodrigo que, por sua vez, poderia contar pro Leo. Aí ela falou
que se isso acontecesse seria pouco e bom, já que o plano do CD pelo visto iria furar, com o Leo chegando tão em
cima da hora e tal…
Eu ainda não tinha pensado nisso. Fiquei um pouco triste, mas depois pensei que talvez fosse até bom que ele
não ouvisse o CD enquanto eu estivesse por perto, porque, se ele não gostasse, pelo menos eu iria ficar sabendo
disso só do outro lado do mundo.
“Vamos, Fani, sua festa está te esperando!”, a Natália falou, tirando o chapeuzinho da cabeça dela e colocando
na minha. Eu sorri e dei um abraço nela, a Gabi veio e entrou no abraço também e eu então agradeci as duas por
toda aquela surpresa.
Fomos andando de volta para a sala, mas no meio do caminho eu me lembrei de uma coisa. Falei: “Espera!”,
corri na sala e busquei o meu DVD. Voltei abraçando-o, toda sorridente.
“Quantas estrelinhas você dá pra esse filme, Fani?”, a Gabi perguntou achando graça.
“Estrelinhas?”, eu perguntei. “Esse filme tem o astro da minha vida no papel principal e você acha que eu vou
classificar com simples estrelinhas? Esse filme merece a Lua, o Sol, a Via-Láctea inteira!”
Com certeza, de agora em diante, aquele filme seria o número 1 da minha lista. Para sempre.
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Fazendo meu Filme
RomanceFazendo meu filme nos apresenta o fascinante universo de uma menina cheia de expectativas, que vive a dúvida entre continuar sua rotina, com seus amigos, familiares, estudos e seu inesperado novo amor, ou se aventurar em um outro país e mergulhar nu...