capitulo 52

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Baby: Eu? Eu tenho medo de tudo. Tenho medo do que vi, do que fiz, de quem sou. Mais que tudo,
tenho medo de sair deste quarto e nunca mais, na minha vida inteira, sentir o que sinto quando
estou com você.
(Dirty Dancing)
O dia chegou. Acordei sem ter dormido praticamente nada. Era fechar os olhos que eu abria de novo, sem
conseguir pegar no sono. Fiquei horas olhando para os lados, decorando cada detalhe do meu quarto e pensando
em como ia ser difícil ficar um ano longe dele. Meus livros classificados por gêneros na estante mais alta, meus
CDs por ordem alfabética nas prateleiras de baixo, o aquário da Josefina, que seria mudado para o banheiro para
que ninguém se esquecesse de dar comida pra ela, minha televisão e principalmente meus DVDs tão queridos...
como eu iria sentir falta deles!
Na hora de fazer a mala, minha vontade foi de colocar todos lá dentro, mas meu pai falou que, além de não ter
espaço, o oficial da imigração poderia achar que eu estava levando para vender e acabar apreendendo todos.
Arrepiei só de pensar na possibilidade. Coloquei na mala então só os cinco que eu não consigo ficar sem assistir
por muito tempo.
1. A surpresa do Leo
2. O diário da princesa
3. 10 coisas que odeio em você
4. De repente 30
5. O Expresso Polar Minhas malas realmente estavam lotadas. Além de todas as roupas de frio, que ocuparam metade do espaço,
tive que colocar algumas de verão, já que eu tinha que ir preparada para o ano inteiro, e eu também estava
levando presentes típicos do Brasil para a família com quem eu iria ficar, para os coordenadores de intercâmbio de
lá, para futuros amigos que eu viesse a ter...
As meninas tinham passado o dia anterior inteiro me ajudando. Elas me fizeram ligar para o Leo para agradecer
o DVD e ele confirmou que sairia de madrugada do Rio e chegaria a tempo de ir ao aeroporto. Eu estava morrendo
de medo de acontecer algum imprevisto que o impedisse de chegar na hora, tipo o trânsito estar engarrafado na
estrada, o pneu furar no caminho, a família dele inteira perder a hora... mas acabei entregando pra Deus; se eu
continuasse pensando naquilo ia acabar ficando louca.
Eu tinha acabado de tomar banho e vestido a roupa com que iria viajar, ainda estava com o cabelo molhado e
resolvendo os preparativos finais, quando a campainha tocou.
Nem estranhei, desde cedo a campainha estava tocando, alguns vizinhos estavam passando pra se despedir de
mim, minha cunhada chegou com os meninos, um pouco depois veio o Inácio... então eu nem parei o que estava
fazendo, que era colocar em cima do armário uma caixa pesada, lacrada, onde eu tinha guardado todos os DVDs
que eu não estava levando, para não ter a possibilidade de alguém pegar no meu quarto e espalhá-los pela casa, ou
pior, levá-los para outras casas.
Estava tão concentrada que quase morri de susto quando ouvi uma voz atrás de mim.
“Precisa de uma ajudinha aí?”
O Leo!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
A caixa quase caiu na minha cabeça. Ele foi rápido, me ajudou a reerguê-la e juntos colocamos em cima do
armário.
“Não acredito!”, eu falei com um sorriso de orelha a orelha. “Deu tudo certo, você chegou a tempo!”. Meu
coração estava disparado de felicidade, implorando que ele me abraçasse, me beijasse, me pedisse para não
viajar...
Mas ele ficou só me olhando meio sério e, em seguida, abaixou o olhar para o chão.
“Fani, me deixa falar logo antes que eu perca a coragem”, ele disse nitidamente envergonhado, enquanto
segurava uma sacolinha com toda força. “Eu vim aqui à sua casa mais cedo, pra te dizer que eu não vou poder ir ao
aeroporto.”
Eu olhei pra ele sem entender nada, afinal ele estava lá, o carro não tinha dado pane, o tempo estava bonito, não
tinha nada de errado a não ser o fato de que eu iria viajar e ficar um ano sem me encontrar com ele, e ele estava
ali me falando que não ia poder ir?
“Mas por quê? Como assim???”, eu perguntei.
“Assim... meu pai quer que eu vá trabalhar com ele hoje à tarde de qualquer jeito. Ele falou que, já que nós
ficamos muitos dias fora, a empresa deve estar um caos e que ele vai precisar muito da minha ajuda.” Enquanto
ele ia falando, eu percebi que ele estava nervoso, não parava de rodar a alça da sacola. “Você sabe que eu não
trabalhei durante todo o período da recuperação, então ele quer que eu compense.”
Eu nem consegui dizer nada. Meus olhos começaram a encher de água antes que eu pudesse impedir e eu nem
fiz questão de esconder.
“Eu vim direto pra cá, nem passei em casa”, ele continuou, “porque eu queria passar o máximo de tempo
possível com você.”
Eu comecei a chorar, ele me abraçou e eu percebi que ele estava emocionado também. Um pouquinho depois,
ele se afastou.
“Olha, isso eu trouxe pra você levar, pra você não se esquecer de mim”, ele falou me entregando a sacolinha e
forçando um sorriso. Eu só balancei a cabeça negativamente, pensando em como me esquecer dele seria
impossível.
Abri a sacola. Tinha três coisas lá dentro. Primeiro, tirei uma rosa. Uma só. Rosa-chá. Rosas-chá são minhas
flores preferidas, mas eu acho que nunca tinha mencionado isso pra ele... será que ele adivinhou?
Em seguida, tirei um CD. Olhei a capa e vi que era mais uma coletânea dele, e nesse momento lembrei que já
que ele tinha vindo direto pra minha casa, não tinha como ter escutado meu CD! Fiquei pensando o que iria
acontecer quando ele ouvisse e eu estivesse nos ares... não era isso que eu tinha planejado. Será que ele teria
vontade de ir atrás de mim ou daria graças a Deus por eu não estar mais por perto?
Por último, tirei um envelope.
Fiz menção de abrir, mas ele segurou a minha mão e falou: “É uma carta, não leia na minha frente que eu tenho
vergonha. Me promete que você vai ler só no avião? E também que só vai escutar o CD quando chegar na
Inglaterra?”.
Eu prometi, apesar de toda a curiosidade.
A gente ficou um pouquinho sem falar nada, só olhando um pro outro, minhas lágrimas escorrendo sem o menor
sinal de que iam parar. Minha mãe chegou na porta, viu que o Leo estava lá, fez que ia passar direto, mas ele viu e
a cumprimentou, um pouco sem jeito. Ela então entrou no meu quarto também.
“É, Leo”, ela falou me abraçando. “Como é que a gente vai fazer pra ficar sem essa moça?”
Ele deu um sorriso triste, parecia que estava fazendo o maior esforço para não chorar também. Minha mãe
então começou a colocar umas identificações nas minhas malas e, em seguida, o meu pai chegou.
“Oi, Leo!”, ele disse meio admirado. “Vai pro aeroporto com a gente?”
Ele explicou que não ia poder e eu tive vontade de pedir pro meu pai obrigá-lo a ir, ou ligar pro pai dele e
implorar para que o Leo não precisasse trabalhar, ou ainda que jogasse uma bomba naquela empresa!
“Que pena... acho que o pessoal do aeroporto vai até se assustar com a quantidade de gente que vai aparecer lá
hoje, vão achar que a Fani é alguma artista famosa!”, meu pai falou meio rindo, enquanto atrapalhava um pouco o
meu cabelo.
No mesmo instante, o telefone tocou. Era a minha professora particular de Física querendo se despedir de mim.
Em seguida tocou de novo e dessa vez era a minha tia perguntando a que horas exatamente ela deveria estar no
aeroporto. A minha sobrinha entrou no meu quarto e começou a fuçar a minha mala, minha mãe começou a gritar
o Inácio para que a tirasse dali...
Eu olhei para o Leo no meio daquela bagunça toda e ele falou: “Fani, eu acho que eu já vou... você tem muita
coisa pra fazer ainda, não quero atrapalhar”.
Minha mãe olhou pra ele e balançou a cabeça afirmativamente, como se ele tivesse dito a coisa mais sensata do
mundo, mas eu falei que não, que era pra ele ficar mais, que ele tinha falado que poderia ficar até a hora de
trabalhar e que eu não tinha mais nada pra fazer, mas nessa hora o telefone tocou de novo e meu irmão gritou para
que eu atendesse, que era a Gabi. Ao mesmo tempo, a empregada entrou no meu quarto perguntando pra minha
mãe a que horas tinha que colocar o almoço na mesa, ao que ela respondeu – olhando para o Leo – que tudo ia
depender do tempo que eu levasse para terminar de me arrumar...
Então, assim que eu desliguei o telefone, o Leo falou que realmente ia embora e me pediu que o levasse até a
porta. Eu olhei pra minha mãe com um olhar que queria dizer: “Está vendo o que você fez?”, mas ela fingiu que
nem viu e continuou a mexer nas minhas malas.
Fui andando pela casa com o Leo, sem dizer nada, mas morrendo de vontade de falar tudo, de contar cada
detalhe desde o começo, de como eu descobri que ele era a paixão da minha vida, e também como esse mundo é
injusto porque exatamente agora eu teria que viajar, e também que o destino fez tudo errado colocando esse fim de
ano bem no meio dos meus planos, fazendo que ele fosse para o Rio de Janeiro e impedindo que escutasse o CD no
qual ele supostamente descobriria todos os meus sentimentos...
Mas, ao contrário, eu não falei nada quando chegamos à porta. Simplesmente abri, mas ele não saiu. Ficamos os
dois olhando para o chão, sem dizer uma palavra. Quando ele ia começar a falar alguma coisa, o Alberto chegou
todo feliz, com uma máquina fotográfica na mão.
“Hello, Leo!”, ele disse enquanto tirava a capinha da máquina. “Abraça a Fani aí, eu sou o encarregado de tirar
as fotos no aeroporto, mas já estou começando a registrar de uma vez!”
Normalmente eu teria brincado que ninguém tinha “encarregado”, que o motivo por ele ter se apossado da
máquina era simplesmente devido à vontade de tirar retratos de todos os ângulos da Natália... Mas o que eu menos
queria naquele momento era brincar.
O Leo olhou para o Alberto e depois pra mim, começou a passar o braço pelos meus ombros, eu vi que ele estava
sem graça, então eu mesma passei meu próprio braço pela cintura dele para andar mais rápido, afinal eu queria
aquela foto de qualquer jeito!
O Alberto falou: “Olha o passarinho!”, e eu forcei um sorriso. Ele bateu a fotografia, disse que tinha ficado legal
e saiu da sala, nos deixando sozinhos de novo. Eu me afastei um pouquinho, apesar da vontade de continuar
naquela pose da foto, abraçadinha com ele.
“Fani, eu vou mesmo então”, ele falou baixinho. “Desculpe, eu realmente queria ter ficado mais tempo ao seu
lado, mas sua mãe tem razão, você precisa se arrumar.”
Eu não disse nada, nem limpei as lágrimas que caíam copiosamente. Só neguei com a cabeça e olhei para o
chão, tentando de alguma forma arrumar coragem pra me declarar. Então ele veio e me deu um abraço. Não um
abraço forçado como o do retrato, mas um de verdade. Cada centímetro do meu corpo estava colado no dele.
Nós ficamos uns três minutos assim, sem nos mexer, só curtindo aquele sentimento dolorido. Meu coração,
assim como na vez em que nós dançamos, batia tão forte que parecia que a casa inteira ia escutar, mas dessa vez
eram batimentos tristes.
Eu comecei a tremer, ele sentiu, me abraçou mais forte ainda, e aí afastou o rosto um pouquinho pra me olhar, e
eu resolvi que daquela vez não ia afastar o olhar, não importava se com isso ele lesse nos meus olhos o quanto eu
estava apaixonada por ele.
Ficamos nos encarando um pouquinho e aí ele tirou uma mão das minhas costas e afastou uma mechinha de
cabelo que estava em cima de um dos meus olhos. Daí, ele foi se aproximando de novo, bem devagarzinho, olhando
fixamente para os meus lábios...
“Ele vai me beijar, ele vai me beijar, ele vai me beijar!”, era só o que eu conseguia pensar naquele instante. Meu
coração, que já tinha ultrapassado o limite de velocidade, de repente paralisou, junto com a minha respiração.
Mas, exatamente nessa hora, ouvimos passos, e a empregada apareceu de novo perguntando sobre o almoço e
um segundo depois o meu pai começou a trazer as minhas malas com o Alberto atrás fotografando tudo...
Então ele realmente me beijou, mas não na boca. Na bochecha. Um beijo demorado, cheio de carinho, mas que
para mim não era mais o suficiente.
Ele se afastou e foi em direção ao elevador.
“Se cuide, viu, Fanizinha?”, ele falou com um sorriso triste. “E me manda um e-mail assim que puder! Quero
saber todos os detalhes!”
Eu prometi que ia escrever todos os dias. Ele me deu mais um último olhar silencioso, entrou no elevador, e eu
fechei a porta.
Na minha cabeça só vinha um pensamento. A porta tinha sido fechada, trancando todos os meus sonhos. E
quando eu abrisse de novo, não teria mais nada do lado de fora. Só o vazio.

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