capitulo 22

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Homem de Lata: Agora eu sei que tenho um coração, porque ele está partido.
(O mágico de Oz)

Acho que só quem já passou por isso sabe o que é ter o coração arrancado do peito. A sensação é exatamente
essa, como se estivesse faltando um órgão vital dentro de mim. Como se eu estivesse sangrando por dentro.
Depois daquele momento de decepção, a Gabi agiu rápido. Pegou as nossas planilhas, entregou para o professor
e me enfiou dentro do primeiro táxi que passou. Foi a conta. As lágrimas começaram a rolar e a cada minuto
parecia que aumentavam mais, a ponto do motorista perguntar se a gente queria que ele nos levasse para algum
hospital. A Gabi agradeceu e só pediu para ele tirar a gente dali da frente do colégio o mais rápido possível. Ele
obedeceu sem perguntar mais nada e só quando a gente já estava a uns dois quarteirões de distância voltou a
perguntar para onde a gente queria ir. Eu continuava chorando, e a Gabi então pediu pra ele nos deixar no BH
Shopping, já que ela sabia que naquele estado eu não ia querer ir pra casa nem pra lugar nenhum por perto.
Nós fomos direto pro banheiro, eu lavei meu rosto, mas as lágrimas simplesmente não paravam. Ficamos lá
dentro um tempo, a Gabi tentando me consolar, dizendo que tinha sido melhor assim, que agora eu ia fazer
intercâmbio sem amarras aqui e também que, da próxima vez, era para eu me apaixonar por alguém da minha
idade, sem perigo de ser casado. Falou mal do Marquinho, que ele era um “galinha”, que devia fazer isso com
qualquer aluna que se interessasse por ele, que ela viu que ele estava me dando bola e que, sendo ele casado, isso
só provava o quanto ele era mau-caráter e não merecia as minhas lágrimas.
A gente saiu do banheiro, eu munida com metros de papel higiênico, e fomos sentar perto da sorveteria, porque,
segundo a Gabi, sorvete tem um componente que inibe as glândulas que fabricam lágrimas... não acreditei, mas
pelo menos consegui achar um pouco de graça no esforço que ela estava fazendo para me animar.
Ela foi comprar os sorvetes, eu fiquei sentada guardando a mesa (naquele horário, às duas da tarde, o shopping
estava começando a encher) e comecei a olhar na direção do cinema, tentando ver se tinha estreado algum filme
novo que eu não estivesse sabendo. Bati o olho na fila da bilheteria e de repente avistei as últimas pessoas que eu
queria ver naquele momento: o Leo e a Vanessa.
Eu ainda tentei disfarçar, olhei pro outro lado rápido, coloquei a mão na cara, mas foi tarde demais, eles já
tinham me visto. Ou, pelo menos, ele tinha, já que veio vindo na minha direção enquanto ela continuou na fila.
Ele chegou, abaixou pra me cumprimentar com beijinhos e de repente recuou, franziu as sobrancelhas e
perguntou todo preocupado: “O que houve? Por que você está chorando, Fani? Aconteceu alguma coisa?”.
Eu não estava mais chorando, mas não sei o que acontece comigo que sempre que alguém fala que eu estou
fazendo ou sentindo alguma coisa – mesmo que eu não esteja – aquela coisa vem. Por exemplo, se alguém fala que
eu estou vermelha de vergonha, eu fico vermelha. Se me falam que minha orelha está coçando, daí a um segundo
ela começa a coçar. Não me pergunte o porquê, eu também não sei.
E então foi a conta de falar que eu não estava chorando que as lágrimas recomeçaram. Ele sentou à mesa
comigo, ficou passando a mão no meu cabelo, tirando a franja do meu rosto e dizendo: “Ô, minha linda, assim eu
fico triste também, me fala o que aconteceu que eu vou lá e resolvo pra você...”.
Mas isso só me fez chorar ainda mais, e aí, nesse momento, chegaram a Gabi e a Vanessa, cada uma vindo de
um lado.
A Gabi colocou um sundae gigante na minha frente e ficou falando que, se isso não acabasse com o meu choro,
quem iria chorar era ela... eu enxuguei as novas lágrimas com o resto do papel higiênico, o Leo continuou a me
olhar meio sério, para certificar se eu estava parando mesmo, aí eu olhei pra cima e vi que a Vanessa estava atrás
dele com uma cara meio fechada, e a única coisa que ela falou foi: “Nossa, eu ia chorar é depois de comer um
sorvete desse tamanho, vocês sabem quantas calorias tem nisso aí?”.
O Leo levantou rápido, perguntou se ela já tinha comprado os ingressos e se podia fazer o favor de esperar por
ele na fila de entrada. Ela revirou os olhos, me lançou um olhar de desprezo, deu um beijo no rosto dele, virou as
costas e foi andando em direção ao cinema, sem falar mais nada.
O Leo deu um suspiro, sentou de novo do meu lado, ficou me olhando bem de pertinho e aí falou: “Posso provar
pra ver se esse sundae está gostoso mesmo?”.
Eu dei uma colherada pra ele. Ele provou, falou “hummmm”, virou pra Gabi e disse: “Você estava certa, com um
sorvete desses qualquer motivo pra choro desaparece!”, e aí levantou, beijou a minha cabeça, falou pra eu ficar
bem e que ele ia me ligar mais tarde. Deu tchau pra Gabi e foi andando pro cinema.
Eu fiquei olhando ele indo, vi que se encontrou com a Vanessa no saguão e eles começaram a discutir alguma
coisa, mas aí entraram na sala e não deu pra ver mais nada.
Depois de terminar o sorvete e já com o choro realmente controlado, demos umas voltas pelo shopping, mais
para dar um tempo até que o meu rosto desinchasse. A Gabi foi comigo até em casa, perguntou se eu queria ver
um DVD ou alguma coisa assim, eu falei pra ela que estava tudo bem, que eu precisava só de tomar um banho e
colocar meus pensamentos em ordem. Ela então me deu um grande abraço, falou que, qualquer coisa, qualquer
hora que eu precisasse, era pra ligar pra ela, até de madrugada.
Depois do banho, fiquei pulando de canal em canal da televisão até anoitecer e, quando eu estava quase
dormindo, o Leo me ligou. Perguntou se eu tinha melhorado e se eu queria conversar sobre o assunto que tinha me
deixado daquele jeito. Eu falei que não. Ele não insistiu, só falou que em qualquer problema eu podia contar com
ele, que mesmo que ele estivesse meio distante – e nessa hora ele deu uma pausa – continuava gostando de mim do
mesmo jeitinho, que não queria que eu o deixasse de fora da minha vida.
Nos despedimos, eu desliguei, apaguei a luz do abajur e, sem perceber, comecei a chorar de novo, bem baixinho,
até cair no sono e, enfim, esquecer a dor.

Fazendo meu FilmeOnde histórias criam vida. Descubra agora