capitulo 10

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Clementine: Você me conhece, eu sou impulsiva.Joel: É isso que eu amo em você.
(Brilho eterno de uma mente sem lembranças)

Ainda bem que eu tenho essa prova de intercâmbio hoje. Ontem à noite, quando eu pedi para a minha mãe
assinar a tal nota da diretora, fiquei morrendo de medo de levar um castigo terrível (tipo ser proibida de ir ao
cinema), mas tudo o que ela disse foi: “Claro que você está com falta de atenção, afinal, amanhã vai ter que fazer
uma prova mais importante para o seu futuro do que qualquer provinha que esse colégio possa te aplicar”. E
assinando, continuou: “Você já resolveu com que roupa vai? Nada de jeans, viu, minha filha? A nossa imagem é
muito importante nessas ocasiões. Acho que o ideal seria um tailleur, que por sinal você não tem. O problema é
que o único horário em que eu poderia ir com você comprar seria de manhã...”.
Ficou um pouco pensativa, leu o bilhete da diretora de novo e disse: “Sabe de uma coisa? Acho melhor você não
ir à escola amanhã. É bom que você dorme mais um pouco, fica com a aparência descansada e lá pras 10 horas a
gente vai ao shopping e resolve esse problema da roupa”.
Ela me devolveu o papel e saiu cantarolando. De repente, voltou-se para mim, apontou para a minha mão e
falou: “Ah! Mostre isso para o seu pai. Ele é que vai ter que ir se encontrar com a sua diretora na sexta-feira, eu
tenho consulta com a minha dermatologista nesse mesmo horário”.
Minha mãe me surpreende. Se fosse em algum outro dia, tenho certeza de que ela gritaria, reclamaria das
minhas companhias, perguntaria se eu estou precisando de uma psicóloga, me colocaria de castigo e faria questão
de ir pessoalmente falar com a diretora. Acho que ela está realmente se importando com essa coisa de
intercâmbio. Pelo que eu estou entendendo, parece que uns filhos de umas amigas dela passaram na entrevista do
ano passado e ela não quer ficar por baixo. Ou seja, eu que experimente não passar nesse negócio que o tal castigo
virá dobrado! Minha mãe odeia não ser a melhor em qualquer coisa que seja, e isso me inclui. Por isso, ela faz
questão que eu, pelo menos, pareça uma filha perfeita.
Cheguei bem de mansinho perto do meu pai, que estava concentradíssimo assistindo ao Jornal Nacional. Fingi
que eu estava também interessada nas notícias e então, na hora do comercial, quando finalmente ele pareceu
notar a minha presença, eu dei um sorrisinho meio amarelo.
“Aconteceu alguma coisa, minha filha?”, ele falou com uma cara meio preocupada. “Você não é de rir à toa
assim...”
Aí eu fiquei com vergonha. Não com medo de que ele brigasse ou coisa parecida... eu fiquei com vergonha
mesmo. Vergonha de ter que mostrar um bilhete desses devido a um acontecimento do qual eu não tive a mínima
culpa e também de submetê-lo ao inconveniente de ter que ir ao meu colégio ouvir a diretora dizer o contrário. Eu
abaixei os olhos e entreguei o papel. Antes que ele lesse, eu disse: “Pai, eu não estava desatenta. Eu fiquei foi
nervosa e escrevi um palavrão no caderno, sem querer, na frente da professora”.
Ele fez uma cara assustada quando eu falei do palavrão e leu a nota da diretora. Aí, ele tirou os óculos, abaixou
a televisão e, com a maior calma do mundo, pediu para eu contar aquele caso direito.
Eu falei tudo, desde o dia anterior quando eu não fiquei sabendo sobre a reunião da sala por estar no banheiro
(claro que eu não ia contar que tinha saído mais cedo pra ver o meu professor!); e depois sobre os bilhetes que o
pessoal me mandou durante a aula, falei da revolta com que eu fiquei por descobrir que a menina mais fresca da
sala é também uma interesseira por querer se aproximar de mim apenas para conseguir o prédio da minha melhor
amiga emprestado; e também do susto que eu levei por perceber que pode ser que eu não conheça direito essa
minha melhor amiga, pois até então eu achava que ela se orgulhasse de não fazer parte do bando e gostasse de ser
original; ah, e eu também falei que o meu suposto melhor amigo (que inclusive eu cheguei a considerar que
estivesse gostando de mim) parece ter uma quedinha pela tal menina fresca-interesseira que começou toda essa
confusão.
O meu pai continuou com aquela mesma expressão calma de quando eu comecei a minha explicação, balançou a
cabeça afirmativamente, deu um sorrisinho e disse: “Fani, eu admiro muito você. Eu, no seu lugar, teria não só dito
o palavrão, mas também jogado a carteira pra cima, saído pisando duro e batido a porta da sala!”.
Eu olhei pra ele admirada e ele riu.
“Bom, pelo menos eu teria tido muita vontade de fazer isso”, ele disse me abraçando.
A gente ficou assim um tempo, ele falou que podia deixar que ele iria à tal reunião e falaria uma coisa qualquer
pra “livrar a minha barra” com a diretora. Aí assinou o bilhete, me devolveu com uma piscadinha e voltou a assistir
ao jornal.
Eu levantei e já ia saindo da sala quando ele me chamou.
“Fani”, ele falou com cara de quem estava se segurando para não rir, “a propósito... qual palavrão você
escreveu?”

Fazendo meu FilmeOnde histórias criam vida. Descubra agora