capitulo 17

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Sr. Incrível: Por que você está aqui? Como é possível que você me ponha ainda mais pra baixo? O
que mais você pode tirar de mim?
(Os incríveis)

Eu não ia ligar para ele. Não ia mesmo. Ia continuar com aquela minha tática de aparecer e sumir para ele ficar
cada vez mais curioso. Só que eu cheguei em casa ontem tão chateada que eu precisava de uma compensação. Fui
para a aula particular de Física e minha professora até perguntou se eu estava doente, de tão calada que eu
estava. Na academia não foi diferente. Concluí só minha série básica de musculação e nem entrei na aula de
spinning porque eu queria chegar em casa mais cedo.
Tomei um banho a jato enquanto esperava dar seis e meia da tarde, que é a hora da aula de Francês da minha
mãe e quando o meu pai ainda não chegou do trabalho, para não correr o risco de alguém pegar na extensão e
falar meu nome por algum motivo.
Só que dessa vez o Marquinho não me pareceu tão disponível quanto das outras. Eu sabia que devia ter dado
pelo menos uns dois dias entre um telefonema e outro para ele não se cansar! Mas foi ele mesmo que tinha pedido
para eu ligar...
O que aconteceu foi o seguinte, uma moça atendeu, a mesma da vez em que ele estava viajando, e ficou me
perguntando “quem queria falar com ele” e “o que eu era dele”. Eu respondi “uma amiga” às duas perguntas, e aí
ela o chamou, com uma voz bem grosseira, se quer saber minha opinião!
Aí ele atendeu. Normalmente, ele fica todo meloso, me chama de “menina misteriosa”, mas dessa vez ele não fez
nada disso. Falou “alô” e eu falei “alô” de volta. Aí ele perguntou quem era, eu falei “eu”. Ele ficou mudo um tempo
e então disse: “Ah, é você”, sem a menor empolgação.
Eu fiquei meio sem jeito e não falei nada, aí ele perguntou sem paciência: “O que você quer?”.
Eu respirei fundo e me forcei a dizer: “Er... você pediu pra eu te ligar hoje pra gente continuar o jogo...”.
Ele nem esperou eu terminar a frase e disse: “Escuta, eu estou muito ocupado, não tenho tempo pra isso agora”.
E desligou na minha cara, sem falar tchau nem nada!
Eu fiquei completamente atordoada. Com vergonha total de ter me sujeitado a uma situação dessas! Isso que dá
escutar os outros! Tudo culpa da Gabi, que fica colocando pilha pra eu ligar pra ele, conversar com ele, conhecê-lo
melhor depressa! Que raiva! Eu não estou com pressa! Eu tenho todo o tempo do mundo! Agora também vou
telefonar pra ele só na outra encarnação!
Peguei meus livros para terminar meu dever de Matemática, e a campainha tocou. Achei estranho, já que o
porteiro não tinha anunciado ninguém. Isso só acontece quando é alguém muito conhecido, mas quem poderia ser?
E lá fui eu, de roupão e toalha na cabeça atender. Olhei pelo olho mágico e até me assustei!
Era o Leo.
Abri a porta, tentando ao mesmo tempo tirar a toalha dos cabelos e fechar o roupão um pouco mais e ficamos os
dois, olhando um para o outro sem dizer nada. Até que ele perguntou se podia entrar, eu dei passagem pra ele –
ainda sem dizer uma palavra – e aí pedi licença para trocar de roupa, mas ele disse que não precisava, que não ia
demorar.
Eu fiquei meio sem graça com aquela situação, meio preocupada dos meus pais chegarem e me encontrarem ali
no meio da sala de roupão com um menino (tá, o menino era o Leo, mas ainda assim era um menino!), mas aí ele
começou a falar: “Fani, eu vim aqui pra te falar umas coisas, antes que você escute pela boca de outras pessoas...”.
“Hum”, eu disse, esperando ele continuar.
E ele continuou: “Porque eu não sei o que aconteceu, mas de repente tudo ficou diferente entre a gente...”.
Ao dizer isso, ele meio que deu uma risadinha, não sei se pela rima não intencional ou por aquela situação
constrangedora mesmo. Eu continuei sem falar nada, mas sentei no braço do sofá, esperando o que mais ele ia
dizer.
“Em um dia você era a minha melhor amiga, e no outro passou a nem olhar para a minha cara...”
Nessa hora eu mudei de expressão, ia começar a protestar, a dizer que era ele quem tinha se afastado, mas ele
fez sinal para eu esperar que ele terminasse.
“Não sei quem é o culpado, nem por que isso aconteceu, mas o fato é que esse nosso distanciamento me fez
aproximar de outra pessoa, e eu realmente tenho gostado disso... não da nossa distância, claro, mas da
aproximação, da outra pessoa...”
Ele ficou esperando pra ver se eu ia falar alguma coisa, mas eu já estava sem palavras de novo.
“Você sabe de quem eu estou falando, né?”, ele perguntou, me forçando a participar do diálogo.
Eu só fiz um sinal afirmativo com a cabeça e ele resolveu terminar de uma vez: “Então é isso que eu vim te dizer.
Eu estou com a Vanessa. Eu saí com ela nesse fim de semana e queria que você ouvisse isso de mim. Porque
independente disso, eu tenho sentido a sua falta. E eu queria te contar, antes que qualquer outra pessoa contasse.
E antes de contar pra qualquer outra pessoa. Porque eu quero que você continue sendo minha amiga”.
O que eu poderia dizer? Que não, que ele tinha que escolher entre mim e ela? Que não tinha a menor graça ser
amiga dele sendo ele agora namorado (ok, ele não usou essa palavra, mas falou que estava com ela) daquela
antipática? Que eu achava que ela estava só o usando e que ele ia se sair muito machucado no final das contas?
Que eu queria que as coisas voltassem a ser como eram antes dela entrar na história?
Eu não disse nada disso. Fiquei olhando para o chão, muito chocada pra dizer alguma coisa. Primeiro o
Marquinho, e agora o Leo.
Como eu não disse nada, ele começou a se direcionar para a saída, eu levantei, destranquei a porta, ele me deu
um beijinho no rosto e, quando estava saindo, virou, me deu um abraço, e nós ficamos um pouco assim, até que ele
falou: “Ô, Fani... eu não queria que você ficasse assim”.
Eu, que estava à beira de um ataque de lágrimas, me recompus, olhei pra ele muito séria e perguntei: “Assim
como? Só estou meio chocada como a vida dá voltas. Mas cada um faz o que quer. E agora eu realmente tenho que
trocar de roupa, minha mãe deve estar chegando e não vai gostar de me ver assim parada aqui na porta!”.
Ele fez que sim com a cabeça, deu um sorriso meio triste e, sem esperar pelo elevador, começou a descer as
escadas.
Eu esperei que ele desaparecesse, fechei a porta, me sentei no chão da sala mesmo e fiquei com a cabeça entre
as pernas, querendo de volta o mundinho seguro e conhecido que eu tinha até duas semanas atrás.
Quando eu comecei a sentir frio – afinal estava só de roupão e cabelo molhado –, levantei e fui para o meu
quarto. Terminei de secar o cabelo, coloquei o pijama, dei um beijo na Josefina, apaguei todas as luzes e quando a
minha mãe chegou, já me encontrou dormindo. Graças a Deus, ela não me acordou pra perguntar se eu estava
doente. Mas quando acordei hoje cedo, encontrei esse recado em cima do meu criado-mudo:

Fani, filhinha, fiquei preocupada por chegar ontem e te encontrar
dormindo tão cedo. Não quis te acordar, acho que você precisa mesmo
dormir muito para estar revitalizada para as provas finais. Só para te
lembrar, quarta-feira sai o resultado da prova de seleção do programa de
intercâmbio. Estou muito otimista!
Um beijo e boa aula!
Mamãe

Fazendo meu FilmeOnde histórias criam vida. Descubra agora