capitulo 50

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Harry: Eu amo quando você sente frio mesmo que faça 22 graus lá fora. Amo que você leve uma hora
e meia pra pedir um sanduíche. Amo essa sua ruguinha na testa quando você olha pra mim como se
eu fosse doido. Eu amo sentir o seu perfume nas minhas roupas depois de passar o dia com você. E
eu amo que você seja a última pessoa com quem quero falar antes de dormir. E não é porque estou
solitário, nem porque é Réveillon. Vim aqui esta noite porque, quando você percebe que quer passar o
resto da sua vida com alguém, você quer que o resto da sua vida comece o mais cedo possível.
(Harry & Sally – Feitos um para o outro)

O final do ano acabou sendo melhor do que eu imaginava. Primeiro, pelo telefonema. Depois daquele dia
realmente eu relaxei, não tinha nada que eu pudesse fazer a não ser esperar... minha única preocupação era que a
Dona Maria Carmem tinha dito que eles iam voltar no dia 6... bem no dia da minha viagem! Será que o Leo estava
lembrando?
Tentei não pensar muito nisso e concentrar-me nas festas. Ganhei de Natal vários DVDs que eu queria. Da
minha mãe ganhei O diário da princesa 2 e Um lugar chamado Notting Hill; meu pai me deu Ray, Menina de ouro e
Leoni ao vivo; a Juju (na verdade o meu irmão Inácio) me deu Irmão urso; da Gabi eu ganhei Filhos do paraíso (só
faltei bater nela, claro que eu não vou conseguir desvincular nunca este filme do Marquinho) e da Natália, Meninas
malvadas.
O Alberto me deu uma caixa de bombom da Kopenhagen, diz ele que era para eu comer enquanto via os
quinhentos filmes que eu tinha ganhado... Além disso, as minhas tias me deram várias roupas de frio para a viagem
e as minhas duas avós combinaram e juntas me presentearam com um conjunto de malas cor-de-rosa! Adorei tudo.
Ainda bem que minha mãe tinha providenciado presentes para eu dar pra todo mundo, senão eu ia ter morrido de
vergonha.
Mas foi o Réveillon que realmente surpreendeu. Eu e a Natália combinamos de ir ao show do Skank, que ia ser
no clube. Foi a primeira vez que o meu pai deixou que eu passasse o Réveillon em uma festa dessas, já que ele
acha que nessas ocasiões todo mundo bebe, passa mal, briga... que tudo oferece perigo! Mas acho que, pela
proximidade da minha viagem e por eu ter passado de ano depois de tanto esforço, ele acabou ficando meio
comovido. Ou talvez tenha sido só porque o meu irmão resolveu ir também e assim ele não teria que dar uma de
chofer em plena passagem de ano, já que o Alberto faria esse papel.
A gente passou pra buscar a Natália e o Sr. Gil estava esperando junto com ela na porta. A Natália só faltou
morrer de vergonha quando ele olhou para o Alberto de cima a baixo e perguntou se ele tinha carteira de
motorista. Só que o Alberto, quando quer, sabe conquistar as pessoas. Ele cumprimentou o Sr. Gil todo
respeitosamente, mostrou a carteira, disse que a Natália estaria segura com ele e que ele faria questão de trazê-la
de volta às duas da manhã (o que, na minha opinião, é meio cedo, afinal o Réveillon praticamente começa à meia-
noite!). E como quem não quer nada, falou também que não poderia tomar nem uma taça de champanhe para
brindar o Ano-Novo, pois teria que começar um estágio no pronto-socorro no dia seguinte.
O Sr. Gil ficou todo interessado, perguntou em que ano da faculdade ele estava (o Alberto está no segundo e
bem longe de fazer estágio ainda...) e disse que o sonho dele era que a Natália cursasse Medicina também...
Quando conseguimos sair de lá, fomos rápido para o clube. Não tinha trânsito nenhum, já que todo mundo foge
da cidade no Réveillon. Estávamos os três até que bem animados, o Alberto colocou o CD do próprio Skank no
carro para a gente ir entrando no clima e eu só lamentei pelo fato da Gabi também não estar lá. Ela passa quase
todos os feriados na casa da avó, em Tiradentes, e claro que em plena passagem de ano ela não conseguiria
escapar. Na verdade, ela não me pareceu muito triste desta vez, talvez pelo fato do Cláudio morar em São João del-
Rei, que é lá do lado...
Chegamos à portaria, o Alberto acabou dando o carro pro manobrista, já que não tinha lugar nenhum por perto
pra estacionar, e entramos na festa.
“O que eu não faço por vocês...”, ele falou sorrindo, enquanto pegava a carteira para pagar umas bebidas. Ele
entregou duas batidinhas de morango para a gente e olhou o relógio. “Vamos marcar quinze pras duas na portaria,
sem atraso, senão largo as duas donzelas aqui!”
Nós sorrimos pra ele e fomos fazer um reconhecimento do território. Perto de onde seria o show, avistamos
várias pessoas que conhecíamos de vista e resolvemos ficar por ali.
A Natália não parava de olhar para os lados, tentando encontrar o Mateus. Eu, como não tinha ninguém para
procurar, fiquei ajudando. Foi quando, no meio da multidão, vi a turma de amigos com quem o Leo anda fora do
colégio.
Eu nunca me dei muito bem com esses meninos. Na verdade, antes mesmo de saber que eram amigos do Leo, eu
já conhecia vários deles do meu colégio antigo. Pode ser implicância minha, mas acho que eles são muito
convencidos. Ao contrário do Leo – que é amigo de todo mundo – eles não se misturam, ficam só no grupinho deles.
Sugeri para a Natália que a gente fosse para o outro lado, mas nesse momento ela avistou o Mateus exatamente
na frente de onde os meninos estavam. Ela começou a me puxar para perto deles, sem ter dado a mínima atenção
para a minha sugestão. Antes tivemos que dar uma passadinha básica pelo banheiro para que ela checasse o
cabelo no espelho, mas ela estava com tanto medo do Mateus sumir que nem demorou dessa vez.
Chegando ao local, ela se posicionou por perto, assim como quem não quer nada, e começou a conversar comigo
um assunto maluco que ela inventou na hora, apenas para parecer que ela estava passando ali por acaso. O Mateus
nem notou a gente, continuou superentretido falando bem de pertinho com uma menina de olhos verdes e cabelos
ruivos.
Mas os amigos do Leo nos viram de cara. Um deles – que eu lembrava se chamar Haroldo – começou a mexer no
cabelo da Natália. Um outro – não tenho a menor ideia do nome dele, o apelido é Buldogue – veio e passou o braço
pelos ombros dela, e, por mais que ela tentasse tirar, o menino não desgrudava.
Nesse momento, o Mateus olhou para trás e viu a gente. Eu pensei que ele fosse fazer alguma coisa, empurrar o
Buldogue ou, sei lá, pelo menos cumprimentar a Natália, mas ele só olhou com uma expressão vazia, falou alguma
coisa no ouvido da ruiva – ao que ela respondeu com um grande sorriso – e foi andando com as mãos na cintura
dela, para o lado oposto, sem nem olhar para trás.
Eu olhei para a Natália e ela parecia que tinha recebido uma bofetada na cara. O rosto estava congelado
olhando para o Mateus andando com a menina, mas nos olhos dela eu vi o brilhozinho de uma futura lágrima e
percebi que ela ia começar a chorar a qualquer momento.
O tal do Buldogue, alheio a esse acontecimento, continuava fazendo gracinha e, de repente, começou a beijar o
rosto dela. A Natália tentou empurrá-lo com força, os outros meninos em volta ficavam só rindo sem fazer nada,
veio me vindo uma raiva e eu, então, resolvi tomar uma providência. Peguei o outro braço dele – o que não estava
nos ombros da Natália – e torci até ele desgrudar dela! Ele me olhou como se eu fosse doida e veio pra cima de
mim.
“Que isso, menina, ficou maluca?”, ele falou me empurrando. “Vai me encarar? Eu não tenho pena de mulher,
não, viu?”
Eu tentei conversar, falei que ele não tinha direito de sair agarrando ninguém como ele tinha feito com a
Natália, mas ele começou a discutir comigo, e eu já estava achando que, se não saísse correndo dali, ia acabar
mesmo levando um soco, quando um outro da turma olhou pra mim.
“Ih, não mexe com essa menina, não, que ela é namorada do Leo”, ele falou rindo e cutucando os outros.
“Quando voltar de viagem, ele vai apelar se souber que você fez alguma coisa pra ela!”
Daí o Buldogue falou: “Ah, essa é a tal?”, com a maior cara de desprezo, caiu na gargalhada, olhou para os
amigos e trocou com eles aqueles tapinhas irritantes que meninos dão na mão uns dos outros, e eles foram em
direção ao bar, ainda rindo.
Eu e a Natália ficamos paradas lá um tempinho, esperando eles saírem da nossa vista, e então fomos de novo
para o banheiro.
Foi só entrar lá que ela caiu no choro. Eu fiquei tentando consolar, falando que o Mateus não a merecia, tentei
lembrar as palavras da cartomante, mas não adiantou nada. Ela ficou uns 15 minutos em prantos. Só me restou
ficar lá do lado, passando a mão no cabelo dela e oferecendo lencinhos de papel, sem saber o que fazer com a
minha própria decepção pelo fato do amigo do Leo ter insinuado que eu era namorada dele em tom de deboche. O
que ele quis dizer com aquilo?
Olhei para o relógio e vi que já eram dez pra meia-noite. Dali a pouco teria a contagem regressiva, os fogos de
artifício e em seguida o show. Fiquei imaginando que o Leo deveria estar em plena praia de Copacabana naquele
momento e como eu gostaria de estar lá com ele...
Assim que saímos do banheiro avistamos o Alberto vindo todo alegre em nossa direção, cantando “Adeus ano
velho, feliz ano novo...”, e nos forçamos a sorrir de volta pra ele. Ele chegou, nos abraçou, falou que ia passar a
virada do lado da gente e que queria beijo das duas à meia-noite em ponto, para ele ter sorte dobrada no amor
durante o novo ano. Ele estava tão animado que contagiou a gente um pouquinho.
Quando era quase meia-noite, meu celular tocou. Imaginei que seria meu pai, para desejar uma boa entrada de
ano, mas não apareceu número nenhum no identificador de chamadas. Atendi meio desconfiada, mas
imediatamente abri o maior sorriso ao ouvir aquela voz mais fofinha do mundo.
“Fani, queria ser o primeiro a te desejar feliz ano novo!”, o Leo falou meio gritando, por causa da barulhada no
lugar onde ele estava.
Eu perguntei onde era este lugar, mas ele nem ouviu, continuou a falar com a voz meio enrolada e eu percebi
que ele já devia ter tomado alguma coisa: “Queria estar aí do seu lado, pra te dar um beijão de Réveillon!”.
Nesse momento eu ri e perguntei o que ele tinha bebido.
Dessa vez, uma outra voz de menino – carioca desta vez – falou “alô”, eu notei que o Leo estava brigando pela
posse do celular, mas o outro menino estava vencendo.
“Fani, paixão da vida do Leo, u-hu! Vem tomar champanhe com a gente aqui na praia, êêêêê...”
Depois eu só ouvi uns gritos abafados, e aí o Leo voltou para a linha.
“Fani, você está aí ainda?”, ele perguntou tão alto que eu até distanciei o celular do ouvido.
Respondi que estava sim, involuntariamente em um volume tão alto quanto o dele.
Nesse momento, começou a contagem regressiva.
10... 9... 8... 7...
Eu não consegui escutar mais nada porque o barulho tanto do meu lado quanto do dele estava ensurdecedor.
6... 5... 4...
Fiquei gritando: “Leo? Leo? Está me ouvindo?”
3... 2... 1... 0!!!!
Os fogos começaram, abaixei o celular para olhar o visor e vi que a ligação tinha caído, talvez pelo
congestionamento de linhas. Esperei um pouco, rezando para ele tocar de novo, mas meus olhos foram atraídos
para as luzes no céu.
Comecei a pensar que aquele telefonema – apesar da interrupção – tinha sido a melhor surpresa do Réveillon.
Eu, que estava toda preocupada com o que os amigos dele tinham falado, nem liguei mais para isso, afinal eles
podiam rir de mim e achar o que quisessem, o que importava era que o Leo estava pensando e tinha ligado pra
mim e não para eles para desejar um feliz ano novo, e ainda tinha dito que queria me dar um beijão. Um beijão!
Dei três pulinhos com o pé direito, fiz um pedido silencioso para as estrelas, deixei que um sorriso brotasse no
meu rosto e apertei o meu celular com força, agradecendo a Deus por viver em uma época tão moderna. Imagine
só se os celulares não existissem ainda?
Foi então que virei pro lado, para abraçar o meu irmão e a Natália, e levei o primeiro susto do ano. Os dois
estavam agarrados, em um beijo tão intenso que eu fiquei até meio sem graça. Não dava pra ver onde começava
um e terminava o outro...
Pelo visto, não era só eu que estava começando o ano com o pé direito... e exatamente nesse momento o Skank
subiu ao palco.
“Vou deixar a vida me levar pra onde ela quiser...”
Acho que a vida nesse novo ano realmente vai levar todos nós para lugares completamente inesperados...

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