capitulo 48

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Kat: Eu odeio o fato de você sempre ter razão. Eu odeio quando você mente. Eu odeio quando você
me faz rir. Mais ainda quando me faz chorar. Eu odeio quando você não está por perto. E por você não
ter me ligado. Mas mais que tudo, odeio como eu não te odeio. Nem um pouco, nem por um segundo,
nem por nada.
(Dez coisas que eu odeio em você)

Os dias foram passando sem que eu recebesse – além daquele e-mail ridículo – nenhuma notícia do Leo. Fiquei a
segunda e a terça inteirinhas plantada na frente do computador, checando de um em um minuto.
Além disso, a cada vez que o telefone tocava, meu coração batia em compasso de escola de samba, mas, apesar
de proibir todas as pessoas da casa de atenderem, de deixar tocar três vezes (pra não dar na cara que eu estava ali
do lado por conta) e de falar por incontáveis vezes o meu “alô” mais sexy, tudo foi em vão. A únicas chamadas para
mim foram da Gabi e da Natália, me chamando para fazer compras de Natal.
Desde que eu admiti pra mim mesma que eu sou apaixonada por aquele incompetente (por que é que ele não
pode perceber logo que eu gosto dele sem eu precisar falar?!), parece que tudo o que eu faço é chorar.
Silenciosamente. Sozinha. De preferência na hora do banho, pra ninguém enxergar as minhas lágrimas.
Então, depois de deixar o choro lavar a minha dor, resolvi que eu não podia me entregar à tristeza e precisava
ser um pouquinho racional. Cheguei à conclusão de que, com certeza, o Leo já tinha recebido o CD e que apenas
duas coisas podiam ter acontecido:
1. Ele ter ouvido, ter sacado a minha mensagem (porque francamente ele não é bobo, nem cego, nem surdo, e aquele CD está
entregando o ouro totalmente) e ter ficado com MEDO de mim, por não sentir a mesma coisa do que eu. Por isso resolveu que
o melhor seria fugir até que eu sumisse do país.
2. O Rio estar tão interessante (cheio de cariocas louras, magras e bronzeadas) que, quando a mãe dele entregou o CD, ele deve
ter largado em um canto qualquer e esquecido lá, acumulando poeira e teia de aranha.
Completamente desiludida, mas disposta a, pelo menos, tentar entrar no clima de Natal, resolvi ir com as
meninas para o BH Shopping, afinal eu precisava comprar algum presente, o Natal seria em três dias e eu ainda
não tinha providenciado nada.
Depois de andar horas e horas naquele shopping lotado de final de dezembro, implorei para a gente fazer um
intervalo e tomar um lanche em algum lugar. A Natália sugeriu o café da livraria megastore, pois, enquanto isso,
ela poderia procurar o livro que queria comprar para o pai dela.
A gente estava lá havia um tempo comendo um sanduíche (eu), folheando uns livros (Natália) e paquerando o
vendedor (Gabi), quando vimos dois rostos conhecidos entrando na livraria. O Rodrigo e a Priscila.
A gente não tinha se visto desde o dia da festa, então adoramos encontrar os dois. Enquanto o Rodrigo foi
procurar um livro, a Priscila sentou do meu lado e pediu uma Coca.
“E aí, Fani, ansiosa pelo resultado da recuperação?”, ela me perguntou enquanto devolvia o cardápio para o
garçom. “Sai hoje, né?”
Eu fiquei gelada. Com essa minha fixação “leonardística”, sem conseguir pensar em mais nada, esqueci
completamente que eu tinha que olhar se tinha passado ou não!
“Que dia é hoje?”, eu perguntei, tentando encontrar minha agenda dentro da bolsa. “Quarta-feira?”
A Priscila começou a rir. “Nossa, estou vendo o tamanho da sua ansiedade! Até esqueceu o dia do resultado! O
Leo, ao contrário de você, já ligou pro Rodrigo três vezes pra saber se ele já tinha passado no colégio pra olhar pra
ele.”
“Leo?”, eu quase gritei. “O Leo ligou pro Rodrigo?”
A Priscila, que não estava por dentro do desenrolar dos acontecimentos e muito menos da mudança dos meus
sentimentos, me olhou como se eu estivesse com algum problema.
“Ué, eles são amigos, esqueceu?”, ela falou meio sem entender a minha dúvida. “Como o Rô mora perto do
colégio, o Leo pediu pra ele dar um pulinho lá e checar pra ele.”
Nessa hora, eu chamei a Gabi e expliquei que a gente tinha que ir voando pro colégio porque eu tinha que olhar
a minha nota. A Natália ficou meio indignada, ainda tinha que comprar uns 17 presentes, mas a Priscila falou que
ela podia ficar com eles no shopping, que o pai dela ia buscar só mais tarde.
“Fani, já que você está indo pro colégio”, o Rodrigo falou, “aproveita e olha se o Leo passou. Ele ficou de me
ligar de novo às seis da tarde, aí eu peço pra ele ligar pra você”.
Perfeito. Ele ia ter que falar comigo por bem ou por mal.
Chegamos ao colégio em dez minutos. Implorei para o motorista de táxi ir depressa, mas depois até me
arrependi. Ele passou voando por todos os sinais amarelos e até furou uns dois vermelhos... acho que ele pensou
que fosse receber uma boa gorjeta por causa disso, mas o que ganhou foi uma bronca da Gabi, que acabou batendo
a cabeça no vidro em uma curva.
Entrei na secretaria crente de que iria estar lotada, mas não tinha ninguém. Cumprimentei a funcionária e dei
meu nome, para que ela pegasse o meu boletim.
Acho que só quem já tomou recuperação sabe o stress que a gente passa enquanto espera o resultado final.
Eu estava lá, enquanto a moça procurava a minha nota, quando a própria diretora Clarice apareceu.
“Oi, Estefânia! Oi, Gabriela!” Ela cumprimentou a gente, surpreendentemente com um sorriso no rosto. “Vieram
pegar os resultados?”
Eu, quase passando mal de nervoso, só confirmei com a cabeça, mas a Gabi falou por nós duas.
“A Fani veio buscar a nota dela e a do Leo”, ela explicou. “Eu passei direto.”
“Vocês trouxeram a procuração do Leonardo?”, ela perguntou, fechando um pouco a cara. “Só podemos
entregar os boletins pessoalmente. Ao contrário, só se a pessoa tiver mandado uma procuração.”
Ela foi saindo com uma expressão inflexível e, subitamente, voltou-se para nós de novo: “Ainda mais do
Leonardo Santiago… gostaria de entregar o resultado nas mãos da mãe dele, para contar a ela o que ele insinuou
sobre a professora de Matemática no dia em que soube que tinha tomado recuperação…”, e falando isso, voltou
para a própria sala, avisando à funcionária que não era para abrir exceções sobre nenhum pretexto.
Me deu vontade de começar a choradeira toda de novo. Pensei que meus planos, mais uma vez, iam dar errado,
já que, sem o resultado do Leo, eu teria que ligar para o Rodrigo pra saber se ele tinha a tal procuração. Ele, com
certeza, não teria e, quando o Leo ligasse, ia acabar falando que não tinha conseguido pegar o boletim por esse
motivo. Com isso, claro, o Leo não teria a menor necessidade de telefonar pra mim, já que eu não teria nota
nenhuma para passar pra ele!
Acho que desespero faz a gente ter mais iniciativa. Na mesma hora, peguei o celular e liguei pra casa do Leo. O
irmão mais velho dele atendeu.
“Luiz Cláudio, aqui é a Fani, amiga do Leo”, eu falei sem nem respirar, “você podia me dar o telefone da sua tia
do Rio? Eu preciso falar com o Leo urgente, estou aqui no colégio, mas como o Leo nunca viaja com o celular...”
Ele nem esperou que eu terminasse. Com certeza achou que o Leo tivesse tomado bomba, porque falou o
número sem argumentar nada.
Eu pedi para a funcionária da secretaria esperar um pouquinho enquanto ligava o número, completamente
trêmula. A Gabi, do meu lado, perguntou se queria que ela conversasse por mim, mas a vontade de falar com ele
era maior do que o meu nervosismo.
Uma mulher atendeu com sotaque de carioca. Eu pedi para falar com o Leonardo, mas ela disse que ele ainda
não tinha voltado da praia. Me deu o maior ciúmes de imaginar como a praia deveria estar ótima para ele estar lá
até cinco da tarde, mas não deixei que isso me desconcentrasse. Perguntei se eu podia então falar com a dona
Maria Carmem. Ela disse para eu esperar um minuto e colocou uma musiquinha irritante para tocar.
Eu já estava em tempo de gritar, pensando em quanto ficaria aquele telefonema interurbano, quando ela
atendeu.
“Dona Maria Carmem, aqui é a Fani”, eu falei morrendo de vergonha, pensando que ela deveria estar achando
que eu estava ligando pra perguntar se ela tinha entregado o CD. Na verdade, eu gostaria muito de saber isso, mas
não era o mais importante naquele momento. “Estou aqui no colégio para pegar o resultado do Leo, mas eles não
entregam sem procuração... a senhora podia conversar com a diretora Clarice, para ver se ela autoriza?”
A dona Maria Carmem tem motivo para me adorar, fala sério! Que menina usaria o próprio celular para
conversar com a mãe de um menino sobre um assunto escolar?
Ela me agradeceu imensamente, pediu que eu passasse o telefone para a diretora para que elas pudessem
conversar.
Eu comecei a ficar aflita imaginando o tempo que aquela conversa duraria e a bronca que eu ia levar do meu pai
quando a conta chegasse.
A funcionária levou o meu celular e, em dois minutos, estava de volta com ele e um boletim. Eu estava
imaginando o que a dona Maria Carmem teria dito para persuadir a diretora tão rápido, quando percebi que o
boletim não era o do Leo, e sim o meu. Com essa confusão, eu tinha até esquecido da minha própria nota.
“Estefânia, assine aqui”, ela falou enquanto punha na minha frente uma folha cheia de assinaturas. “A diretora
Clarice pediu pra você esperar um pouquinho porque a mãe do Leonardo está passando uma procuração via fax
para que você possa levar o resultado dele também”. E, falando isso, me entregou o boletim.
Toda a ansiedade voltou. Eu enfiei o boletim dentro da bolsa e disse que só ia abrir em casa, mas a Gabi tomou
de mim e disse que eu podia até gostar de ficar curiosa, mas que ela odiava! Abriu o envelope e tirou o meu
resultado lá de dentro, sem a menor cerimônia.
“Ih, Fani…” ela falou com uma expressão triste, “acho que não vamos ser colegas no ano que vem...”
Meu coração parou e eu realmente achei que fosse vomitar naquele momento. Tomei a folha da mão dela, mas,
antes que eu conseguisse encontrar minha nota no meio daquelas letras, ela continuou a falar: “... porque afinal
você vai fazer o terceiro ano na Inglaterra! Você passou, sua boba, com 73!”.
Eu dei um suspiro de alívio e um abraço forte nela, e um segundo depois a diretora saiu da sala com outro
boletim na mão.
“Estefânia, a mãe do Leonardo me enviou um fax, pode levar o resultado dele agora”, ela disse, enquanto me
entregava a mesma folha de assinaturas que eu tinha acabado de assinar. “Ela falou que te ligará em meia hora
para que você passe a nota do Leonardo”. E, dizendo isso, me deu o boletim, desejou boas férias, bom Natal, boa
viagem e voltou para a sala dela.
Saí do colégio explodindo de felicidade! Não sei se eu estava mais satisfeita por ter passado ou por saber que
em poucos minutos eu iria falar de novo com a dona Maria Carmem e com certeza daria um jeito de perguntar –
assim como quem não quer nada – sobre o CD, se o Leo tinha gostado e tal...
Foi só quando a gente já estava chegando ao ponto de ônibus que eu lembrei de abrir o boletim dele, morrendo
de medo de ter que dar uma má notícia.
Pedi para a Gabi olhar; eu já tinha tido muita emoção para uma tarde.
Ela abriu o envelope bem devagarzinho, fez a mesma cara de tristeza que tinha feito quando olhou o meu, e
falou: “É... eu também não vou ser colega do Leo no ano que vem”.
Eu peguei o boletim da mão dela sem acreditar que ele pudesse ter tomado bomba, mas, antes que eu abrisse,
ela continuou a falar, olhando para o chão.
“E também não vou ser colega da Natália, do Rodrigo, da Priscila...”
Olhei pra ela sem entender nada.
Ela mexeu no cabelo meio sem graça, deu um risinho e disse: “Como você não vai estar aqui, resolvi que não ia
ter a menor graça continuar estudando nesse colégio. Como minha mãe queria há tempos que me transferisse para
um colégio com maiores índices de sucesso no vestibular, não vejo motivos para não mudar... pelo menos eu não
vou ficar triste me lembrando de você o tempo todo...”.
Eu dei um abraço nela e ficamos assim um tempão, sem falar nada. Só fiquei pensando que no lugar dela eu
faria o mesmo. Sem a Gabi, aquele colégio realmente não teria a menor graça, assim como a minha viagem
também não ia ter. Depois de um tempo, olhamos uma para a outra e começamos a rir da nossa bobeira, as duas
com os olhos cheios de água.
“Nossa, isso está uma novela!”, a Gabi falou, fungando. “Imagino como vai ser no aeroporto...”
Eu só suspirei, nem querendo pensar nisso. Ela deu um sorriso triste pra mim e apontou para o boletim do Leo,
ainda fechado na minha mão.
“Vamos logo pra sua casa, anda!”, ela disse me puxando. “Temos que gravar essa conversa quando a mãe do Leo
te ligar! Você vai querer ouvir várias vezes o tanto que ela vai te agradecer quando você contar que o filhinho dela
passou com 80!”

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