Noite eterna

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Capítulo 4

A noite parece eterna para Samuel, a visão de seu filho morto com as mãos cruzadas sobre o peito, e as flores que rodeiam o corpo inerte sobre a mesa, fazem com que os olhos daquele homem reflitam ódio, e não dor.

Seus feitos contra as três almas inocentes não o abalam, em sua mente a vingança foi pouca, o negro maldito ainda terá que pagar e a dívida jamais se findará.
A noite eterna de Leôncio é- lhe sentida na alma e não na carne, seus olhos vermelhos são de dor, não das chicotadas, mas a dor de um pai que perde três filhos de uma só vez, sem direito a choro nem lamento.

Onze horas da manhã,  sai o cortejo em direção ao cemitério da fazenda.
Os Albuquerques tinham seus entes queridos sepultados dentro da fazenda.
Quando o cortejo passa em frente ao pelourinho, Samuel
segura uma das alças do caixão, não se vê lágrimas em seus olhos, o semblante está enrijecido e ele caminha com passos firmes e concretos.

Leôncio está ferido e subjugado,  suas costas estão em  retalhos e as feridas já estão purulentas...

O olhar do senhor sobre o negro, o fuzila... assemelhando-se aos olhos de um touro bravo frente sua vítima, bufando e gemendo.
O escravo baixa os olhos, pois verdadeiramente sua posição, cor e situação o transformam em uma submissa e fraca vítima do atroz destino.

O enterro acaba e todos voltam para suas casas... Samuel senta-se no alpendre sobre a velha cadeira de balanço que pertenceu ao seu falecido pai,  e fica a olhar sua presa Subjugada e ferida por mais de uma hora.
- Castilho!
- Sim, senhor Samuel.
- Tire aquele negro do tronco, mande darem um banho de salmoura e coloque ele nos ferros. Dê água a ele e pode dar um pouco de comida também!
Não quero que ele morra, a morte é muito pouco para esse negro!
O sofrimento é a melhor arma contra essa gente ingrata e miserável.
- É pra já senhor!
Pedro e João levem o Leôncio e coloquem ele nos ferros, joguem água de sal nas feridas...
Durante a noite, enquanto todos dormiam, uma negra velha amassou várias plantas e na escuridão da senzala cobriu as feridas para que elas não fossem cobertas pelo pus e pelos bichos da varejeira.
Era de costume para os escravos, quando alguém fosse açoitado ou se machucasse, todos traziam da lavoura plantas curativas que eram amassadas e feitas de emplastro. Os quais eram colocados sobre as feridas, e assim, os irmãos de cor se ajudavam uns aos outros, para suportarem todos os sofrimentos impostos pela madrasta vida.

- Você soube da Ayana?
Pergunta Leôncio para a velha negra.
- Fica quieto, alguém pode ouvir e me levar para o tronco também.
- Eu preciso saber dela, nossos filhos...E naquele momento o homem forte se torna menino, e chora a dor do luto por seus pobres filhos assassinados.

Três dias se passaram, a febre tomou conta do corpo de Leôncio, o negro desejava a morte, mas esse presente foi-lhe negado pelo destino.

Na Capital do império...

Reuniões se faziam em toda a parte e em todos os recintos.
Na assembleia geral constantemente o assunto da libertação era colocado em pauta, enquanto coronéis e barões exigiam a remuneração caso houvesse mesmo a tal liberdade dos escravos...
A princesa Isabel, regente do Brasil, lutava junto à câmara para que os donos não recebessem um vintém por seus escravos libertos.
Com isso, a luta pela liberdade arrastava-se lentamente, dando aos escravos mais dias de sofrimentos e torturas.

2/10/21

Maria Boaventura.

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