Fatídico dia
Capitulo 74
Não existe tormento que perdure para sempre, nem tão pouco paz eterna. O que existe são momentos de tranquilidade e outros de desespero.
A chuva traz consigo um sono prazeroso para àqueles que não têm sequer um cobertor para lhes aquecer o corpo, mas gozam de plena paz em seus espíritos.
A mesma chuva, tira o sono de corações atormentados pelas maldades que maquinam em suas mentes desalmadas.
Leôncio dorme enrolado no velho cobertor emprestado.
José Jerônimo, dorme em seu quarto, apesar das ofensas recebidas, isso não o abala, sua paz de espirito é constante.
Serafim, anda inquieto pelo pequeno quarto, pois não vê a hora de fazer o serviço para o qual foi contratado.
Samuel está afligido por pensamentos e recordações que roubam lhe o sono e a razão, o que mexe com seu corpo. O estomago vive enjoado e a cabeça lhe dói continuamente.
O galo canta e a claridade vem tomando forma, deixando para trás a escuridão da longa noite de tormenta.
Bartolomeu acorda e vê Serafim sentado em sua cama terminando de calçar suas velhas botas.
- Bom dia, companheiro! Está levantando cedo?
- Bom dia. Hoje será um dia importante para eu e meu patrão, vou terminar minha empreita, se Deus quiser, receberei minha paga!
Serafim levanta-se e arruma a cinta e as calças.
Coloca um enorme punhal na parte de trás de sua cinta e com um sorriso de desdém bate bainha do punhal e diz:
- Agradeço pela ajuda Bartolomeu, se não fosse você, não conseguiria terminar meu trabalho, não tão depressa!
- Minha ajuda?
O que foi que eu fiz pra te ajudar?
- Boas informações, muito boas.
Até, amigo!
Falando isso, abre a porta e sai.
Bartolomeu fica imaginando o que fez para ajudar o mulato, pensa e não chega a nenhuma conclusão. Levanta-se e vai buscar o cavalo para o trelear à carruagem e levar o senhor José Jerônimo até a estação, pois ás sete horas em ponto, o trem parte para à Capital.
Serafim vai até a recepção da estalagem contar o que descobriu sobre o negro Leôncio, no entanto, Samuel ainda permanece em seu quarto e o capitão do mato não quer incomoda-lo, fica aguardando por alguns instantes do lado de fora da estalagem.
O cocheiro Bartolomeu vai até o curral e pega o cavalo e o traz para onde deixou a carruagem, o trela e fica esperando o doutor José.
Serafim fica extremamente afoito com a demora de Samuel em se levantar... como uma fera no instante em que espreita à caça, assim ele se sente, a adrenalina invade seu corpo e a tensão em fazer logo o serviço fala mais alto, segue para os fundos da estalagem à procura do negro assassino; negro que tirou a vida do filho do seu patrão, negro que fugiu da responsabilidade de pagar pelo horrível crime, Todavia, tudo isso não importa, pois o que Serafim quer realmente é sentir a mesma sensação que sentia quando era capitão do mato; sentir novamente o prazer de caçar, capturar e ás vezes, matar sua própria raça, seus irmãos de sangue.
Encostado na parede da cozinha, observa Leôncio tirar um balde com agua e lavar o rosto o qual seca com sua camisa suada que não é lavada a muitos dias.
Como quem não quer nada, o capitão do mato caminha lentamente até onde se encontra o negro Leôncio.
- Bons dias, irmão!
- Bons dias!
Responde Leôncio, sem imaginar que aquele mulato tem más intenções.
- Estou à procura de um burro fujão, ele era o burro mais bem cuidado da fazenda do meu patrão, até que um dia resolveu matar o filho mais velho, matou e fugiu.
- Sinto pelo filho do seu patrão, porém, não vi nenhum animal por aqui.
- Pelo que vejo, acabo de encontrar o animal.
Leôncio olha para os lados e não vê nenhum animal, olha de volta para o mulato que está sério com um olhar intimidador.
Serafim se aproxima rapidamente de Leôncio e dá-lhe uma rasteira com um golpe certeiro de capoeira, o negro cai ao chão aturdido e surpreso, afinal de contas, não está esperando aquele golpe.
Serafim levanta-se em um salto e zomba de Leôncio.
- Ora, ora! Me disseram para ter cuidado com você negro Leôncio, mas pelo que vejo você não passa de um negão molengo.
Leôncio se levanta escorando na caixa do poço.
- De onde você me conhece, o que foi que eu te fiz?
- Eu e o senhor Samuel estamos a sua procura faz tempo...
Ele vai falando e o arrodeando. Leôncio se vê acoado pelo mulato que domina a arte da luta de capoeira.
Tentando se defender, Leôncio luta com todas suas forças e acerta alguns golpes no capitão do mato, o deixando mais feroz e possesso.
- Não adianta lutar seu negro! Hoje você morre, Vou entregar sua cabeça dentro de um saco! E dizendo tais palavras tira o punhal da bainha e parte para cima de sua presa.
Bartolomeu lembra-se do cabresto que usou para levar o cavalo até a cocheira, o deixou pendurado em um mourão da cerca:
- Como sou besta! Deixei o cabresto pendurado na cerca, vou ter que buscar...
E resmungando baixinho sobre seu descuido, sai para os lados do fundo da estalagem.
Chega de supetão e vê o mulato Serafim ajoelhado sobre o peito de Leôncio que luta para se desvencilhar, porém, está coarctado e recalcado no chão enlameado.
- Não adianta lutar, negro! Você está no seu lugar de descanso, esse lamaçal é tudo que você merece...
Leôncio está sufocado pelo peso e a pressão que Serafim coloca sobre seu peito.
Bartolomeu fica petrificado pela sena que está vendo, teme e se esconde por detrás de uma parede de lascas e fica olhando o desenrolar dos fatos.
O capitão do mato segura o punhal e sorri... desfere um golpe certeiro por baixo da costela de Leôncio, que geme de dor. Não satisfeito desfere outro golpe para terminar o serviço. Olha no rosto do negro que se empalidece e perde as feições.
Serafim olha para os ferimentos que sangram e o sangue vermelho se mistura com a lama espeça do chão.
O mulato limpa o punhal na calça rota do negro e diz:
- Fica ai quietinho, não se mova!
E solta uma gargalhada e caminha para a frente da estalagem para chamar o senhor Samuel para ver seu desafeto estendido ao chão e morto.
Sai falando consigo mesmo:
- Fica ai quietinho! Como se defunto pudesse falar ou se mexer, devo estar perdendo o Jeito mesmo!
Maria Boaventura.
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Espinhos da Liberdade
Ficção HistóricaApós a abolição da escravidão, muitos escravos libertos se viram sem rumo, sem perspectiva. Saíram sem nada, a não ser, suas vidas errantes pelos caminhos desconhecidos do destino. A liberdade tão sonhada, transformou-se em espinhos. Uma nova, velha...