O mascateCapitulo 39
A vida sempre foi uma madrasta má para os negros... Tirados de sua própria terra, jogados nos porões fétidos de navios negreiros, onde o choro e o lamento não eram ouvidos... Foram execrados pelo mundo, vendidos e trocados, muitas vezes por sua própria raça...
Uma raça considerada inferior mentalmente, incapaz de se sobressair sobre seus possuidores; um povo considerado sem alma para a igreja; sem beleza para os padrões estéticos; tratados muitas das vezes, pior que um animal de carga...
Às mulheres foram ridicularizadas por suas senhoras de pele alva... humilhadas e consideradas somente um objeto para o trabalho, uma máquina de limpeza. Condenadas a viverem em submissão, ouvindo palavras vexatórias, desmerecendo seus cabelos e sua negra pele.
Para os senhores, às mulheres negras eram objetos de prazer e luxuria, seus corpos invadidos, sem piedade...
Lamento poético...
" Ouça meu lamento"
Meus olhos tristes derramam
A dor que reflete minh''alma
Meus pensamentos voam pelo céu
Buscando a liberdade que me acalma...
Arrancado fui dos braços de minha mãe
Deixado em um porão frio e escuro
Não sinto o sol, não vejo a lua
Não tenho mais um porto seguro...
A face de minha negra mãe
Não posso mais beijar
Os dias e as noites são iguais
Sucumbo no meio desse grande mar...
Minha negra pele
Colocou-me nessa prisão
O chicote estala em meu corpo
Morro a cada batida de meu coração.
Sonho com a liberdade
Em pensamentos, abro minhas asas
Voo para além do céu
E sorrindo volto para casa.
Mae África, sonho contigo
Para os seus braços quero voltar
Ouça meu lamento, meu gemido
Venhas depressa me buscar.
Mãe África, vem me buscar...Na estalagem...
Miro e Leôncio caíram na mais nova maneira de roubar dinheiro daqueles que não têm malicia...
- Mas como? Como roubaram de nós?! Tínhamos somente alguns vinténs para que pudéssemos chegar até à capital.
- Era apenas uns caraminguás, não valia nem a pena!
- Digo a vocês que isso está acontecendo muito.
Com quem vocês conversaram e beberam ontem à noite?- Com um negro que nos disse que também iria para à capital, combinamos de fazermos o trajeto juntos, pois três é melhor que dois:
Disse Miro indignado com o ocorrido.
- O mundo está deveras diferente, não se pode confiar em ninguém! Nem em brancos e nem em negros...
Comentou o dono da estalagem.
- O que faremos, Leôncio?
- Bom, o jeito é arrumarmos um trabalho por esses lados, até arranjarmos o dinheiro para a viagem.
- Têm alguns fazendeiros na região que estão contratando negros para a colheita de café.
Se vocês quiserem, posso lhes indicar.
- Por favor, nós precisamos mesmo de trabalho.
- Mas vou lhes dizer uma coisa, não digam que irão logo embora, pois vários negros que trabalham dois ou três dias, acabam sendo acusados de vadiagem e ficam presos na cadeia da vila; ouvi falar que tem alguns que são levados para as pedreiras e acabam sendo escravizados novamente...
- Obrigada, faremos de tudo para não irmos presos, não é nosso desejo quebrar pedras pelo resto da vida.
- Digo o mesmo, a única coisa que quero é encontrar minha mulher e meu filho.
Preciso chegar à capital o mais rápido possível.- Fiquem por aqui, sempre o capataz vem ao meio dia para ver se contrata alguém.
Leôncio e Miro não veem outro jeito, a não ser, arrumar trabalho para que possam prosseguir sua viagem.
Sitio...
Umas duas vezes por ano, vêm ao sitio do senhor Damião um mascate, seu nome é senhor Armando.
Com seu burro puxando uma carroça empencada de todos os tipos de tralhas, de tecidos à utensílios de cozinha, também traz perfumaria e remédios...
Dona Alma e suas filhas sempre o recebiam com sorrisos e curiosidade, ele estranha os rotos tristes e a falta de interesse que observou em sua chegada.
- Bons dias dona Alma! Trouxe muitas novidades, muitos tecidos bonitos, tecidos que nem lá na corte se vê igual!
- Bons dias, senhor Armando.
Hoje acho que não iremos ficar com nada.
- O quê? A senhora é minha melhor freguesa! Diga-me quem foi que roubou a dona Alma?! e se colocou no lugar dela!
Foi impossível não sorrir das brincadeiras do senhor Mascate...
- E esse menininho lindo, é seu neto? A menina Catarina casou-se tão novinha? Eu disse que traria o enxoval completo para ela. Não me diga que compraram de outro?
- A Catarina não se casou, aconteceu varias coisas durante esse tempo que passastes sem vir aqui; prefiro não comentar.
- Entendo. Bom, vamos comprar algo?
- Mamãe, compre algo para o Miguelzinho, por favor!
- Está bem, compre uma roupinha para o menino...
Catarina se aproxima, ela está com a pele esverdeada, seus olhos estão fundos e a seriedade que se vê em seu rosto, a tornou digna de pena.
Daquela jovenzinha meiga e doce, não restou nada.- Quer algo para você minha filha?
Pergunta dona Alma com uma voz carinhosa.
- O senhor trouxe cicuta ou outro tipo de veneno?
- Infelizmente não trabalho com esse tipo de medicamento, menina.
Disse o senhor Armando, vendo o desgosto no rosto opaco de Catarina.- É uma pena!
E dizendo isso, ela entrou para o seu quarto.
- Não de ouvidos a ela, ela está passando por uma triste faze em sua vida.
- A menina está de quantos meses?
- Caminha para o sexto mês...
ele era um monstro demoníaco!- ... Pobre menina...não me diga isso, aquele escravo mereceu a morte que teve!
Digo mais, foi muito pouco...Maria Boaventura
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Espinhos da Liberdade
Ficción históricaApós a abolição da escravidão, muitos escravos libertos se viram sem rumo, sem perspectiva. Saíram sem nada, a não ser, suas vidas errantes pelos caminhos desconhecidos do destino. A liberdade tão sonhada, transformou-se em espinhos. Uma nova, velha...