Capítulo 10: Mundo Inferior.

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Quando o dia amanheceu, saímos de novo naquele barco, varrendo aquele pântano parte por parte em busca de uma lágrima de sangue. Algumas vezes encontrávamos coisas pelo caminho. Seres aquáticos de aparências monstruosas que se afastavam quando nós viam ou pequenos animais que se aventuravam pela floresta ao redor.

Na maior parte do tempo, eu estava ocupada demais pensando em outras alternativas que me levassem de volta pra casa que nem ao menos vi o tempo passar. Os dias foram passando e meu tempo ali se tornava maior. Cada vez eu sentia mais saudade de Harry, Katie e todos os outros. Mas pelo menos, Scarlett e Alec estavam ali para me fazer companhia nesses momentos de solidão.

—Não estamos avançando nem um pouco. —Afirmei, subindo no barco na minha segunda semana ali. —Não tem nada nesse pântano além de monstros e coisas mortas.

—Ninguém disse que seria fácil. —Alec murmurou, empurrando o barco para longe do deck para que pudéssemos começar nossa busca naquele dia. —Vamos encontrar, tenha um pouco de fé.

—Exatamente. Só precisamos acreditar que vamos encontrar, que encontraremos de fato. —Scarlett murmurou, sorrindo. No primeiro dia ela estava tensa, mas agora, depois de entramos naquele lugar várias vezes, ela parecia alegre de novo.

—Não tem um lugar mais fácil que podemos encontrar a lágrima de sangue? —Indaguei, mordendo o interior da bochecha. —Você não pode entrar no território sagrado e pegar uma flor pra mim, Scar?

—Não. Só posso pegar uma lágrima de sangue se alguém fizer um pedido a mim. Além do mais, apenas aqueles que encontram a flor pode fazer o desejo. Se eu a encontrar, então o pedido será meu por direito e não seu. —Ela explicou com calma, me fazendo bufar.

—Odeio magia.

—Você é uma bruxa. —Alec falou, me fazendo rir.

—É, e eu não sabia disso até uns meses atrás. Então não é grande coisa. —Afirmei, dando de ombros. —Não se pode fazer nada nesse maldito lugar. Eu só quero ir pra casa!

—Falando assim parece que você está odiando ficar com a gente. —Scarlett murmurou, parando de sorrir e parecendo um pouco desanimada. Me encolhi, um pouco envergonhada pelo fato de ter dito aquilo daquela forma.

—Sinto muito, Scar. Seu reino é lindo e mágico. Mas não é a minha casa. Vocês dois se tornaram meus amigos aqui, mas não posso fingir que não quero voltar pra minha família. —Afirmei, indo me sentar ao lado dela no barco. Toquei sua mão, abrindo um sorriso. —Mas vou sentir saudades quando for embora. Você é uma estrela magnífica e gentil, Scar. Não ligue para qualquer coisa negativa que alguém disser sobre você.

—Obrigada. —Ela pareceu emocionada, porque piscou os olhos várias vezes sem parar. —Vou sentir sua falta também. Nunca tive uma amiga até conhecer você, Sophia. Obrigada por ter me dado essa oportunidade.

Meu coração se apertou e eu a abracei, porque sabia que Scarlett ficaria sozinha quando eu fosse embora. Mas não havia nada que eu pudesse fazer. Aquele não era meu lugar.

—Essa conversa parece uma despedida. —Alec comentou, com aquela expressão séria de sempre. Nesses dias que se passaram, não vi ele abrir um único sorriso sequer. Ele parecia uma pedra de gelo.

—Não é uma despedida. —Falei, pensando que ainda não era. Mas torcendo mentalmente para que em breve fosse.

—Bom, vou tentar ajudar de outra forma. —Scarlett ficou de pé, soltando a bolsa que carregava no chão do barco. —Vou voar um pouco e ver se vejo algo.

—Tente ficar mais perto da copa das árvores, é mais fácil para ver algo. —Alec afirmou, e Scarlett concordou, abrindo um sorriso enorme ao estender aquelas asas atrás de si.

Me agarrei as laterais do barco quando ela deu um salto e subiu para o céu nublado. Algumas gotas começaram a cair na água e em nós, deixando claro que em breve a chuva chegaria ali. Voltei a olhar para Alec, agora que estávamos sozinhos e Scarlett estava rodopiando pelo ar, parecendo realizada e feliz.

—Como você e a Scarlett se aproximaram? —Indaguei, porque aquele não era um assunto que tivéssemos tocado ainda.

—De tempos em tempos as estrelas vem até minha cabana, para checarem que eu não estou fazendo nenhuma merda por aqui. Scarlett estava com eles da última vez. —Ele avaliou a floresta ao redor, antes de olhar pra mim. —Ela foi a única que foi gentil comigo aqui e eu logo percebi como ela era tratada pelos outros. Depois que eles foram embora, procurei por ela e vi que morava sozinha naquela casa. As vezes, quando a solidão ameaça acabar comigo, vou visitá-la e lhe fazer companhia. E as vezes, quando não estou esperando, Scarlett aparece por aqui trazendo cestas de comida que ela mesma fez pra mim.

—São amigos então, apesar de pensarem que não. —Falei, vendo ele voltar a olhar pra floresta, sem parar de mover o barco. —Você tinha família de onde veio?

—Eu não conheci meus pais. Não sei o que aconteceu com eles. Fui criado em um orfanato do Mundo Inferior junto com outras crianças abandonadas e perdidas. —Esclareceu, parando com o remo pra olhar pra cima, vendo onde Scarlett estava voando. Estava se afastando de nós, olhando as copas das árvores. —Não preciso dizer isso a você, porque acho que é inteligente e já deve ter entendido tudo sozinha. Mas foi por nossa causa que as estrelas não voltaram mais para visitar os outros reinos. Quando as bruxas e humanos começaram a se envolver com as estrelas e terem filhos com elas, tudo desandou. Os filhos dos humanos com as estrelas não eram absolutamente nada. Eram só humanos sem um pingo de magia no mundo. Mas das estrelas com as bruxas? Vinham seres imortais como eu.

—Como isso é possível? Estrelas e bruxas não são imortais. —Falei, vendo ele comprimir os lábios e balançar a cabeça.

—A magia dos dois seres fez isso, Sophia. Estrelas são seres da luz enquanto as bruxas são consideradas seres das trevas. A união da magia das duas nos fez. Naquela época, era um rei que governava Estela e quando descobriu o que estava acontecendo, chamou todas as estrelas de volta para o reino, banindo os filhos que elas tiveram com as bruxas. —Alec tirou os olhos do céu, de onde Scarlett estava pra olhar pra mim. —Algumas estrelas não aceitaram isso e fugiram levando seus parceiros e filhos. Não tenho certeza se sou filho de peregrinos ou de uma estrela com uma bruxa. Acho que nunca vou conseguir descobrir isso também. —Ele deu de ombros, me avaliando. —Peregrinos não podem pisar na dimensão das estrelas, Sophia. É proibido. O rei criou uma magia nesta dimensão que proíbe minha espécie de entrar. Quando eu soube dessa história, fiquei tentado a descobrir mais.

—Por isso foi preso aqui? —Indaguei, vendo ele balançar a cabeça negativamente.

—Na verdade, não. Eu pesquisei e estudei tudo sobre a história da dimensão das estrelas. Eu era só um órfão sem nada de melhor pra fazer e no Mundo Inferior você consegue o que quiser. —Ele umedeceu os lábios com a língua, se inclinando para perto de mim, com uma expressão um pouco tensa. —Fui preso aqui, Sophia, porque consegui uma lágrima de sangue e desejei poder entrar na dimensão das estrelas. E quando consegui isso, tentei abrir uma portal para Estela. Uma porta que pudesse ser aberta e fechada a hora que qualquer um quisesse. Um caminho que deixaria qualquer um, sendo peregrino, humano, bruxa ou outro ser, entrar em Estela sem precisar da autorização das estrelas.

—Alec...

—Estrelas são seres da luz, Sophia. Mas isso não significa que não sejam ruins e preconceituosos. —Alec voltou para a posição que estava, exibindo uma máscara de indiferença no rosto. —Cuidado com as estrelas. Elas não gostam de bruxas tanto quanto odeiam peregrinos.



Continua...

O Reino das Estrelas / Vol. 2Onde histórias criam vida. Descubra agora