Capítulo 6: Somos feitas de magia.

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Não consegui dormir um segundo sequer durante a noite. Eu sentia a magia daquele lugar em cada célula do meu corpo e isso me deixava inquieta, como se a magia estivesse rastejando pela minha pele. Era esquisito até mesmo para uma bruxa. E eu ainda não havia aprendido tudo que precisava sobre a magia antes de ser sugada pra esse lugar.

Scarlett havia deitado outro vestido pra mim no quarto, já que eu não podia ficar andando por aí com um vestido de noiva. Coloquei o mesmo e sai do quarto, descendo as escadas do corredor para o andar de baixo. Não demorei a encontrá-la na sua pequena cozinha, com um avental rosa como a metade de seus cabelos, carregando uma forma de biscoitos.

—Bom dia! —Ela se virou pra mim, abrindo um sorriso animado. —Como está? Dormiu bem? Sonhou com seu príncipe encantado?

—Na verdade, eu não dormi quase nada. —Falei, vendo ela se encolher como se estivesse triste por mim. Scarlett parecia um poço de sentimentos, sem esconder absolutamente nada dentro de si. —Será que você não tem outra roupa que não seja... um vestido?

Se íamos pra um pântano esquisito cheio de coisas ainda mais esquisitas, eu certamente não ia querer estar usando um vestido. Scarlett fez uma careta, mordendo o lábio ao olhar para o vestido que havia me dado.

—Tudo bem. Posso criar outra coisa. —Afirmou, dando de ombros.

—Criar? —Me aproximei da ilha da cozinha, olhando pra ela com as sobrancelhas erguidas. —Como assim "criar"? Você usa magia pra criar vestidos?

—Hm, sim? —Ela soltou uma risadinha, como se fosse óbvio. —Tudo aqui é feito de magia, Sophia. Nós estrelas somos feitas de magia.

—Tudo bem! —Soltei uma respiração pesada, entendendo porque eu me sentia tão inquieta com a magia daquele lugar. —Como vamos chegar até esse pântano? Não é tão longe daqui pelo que eu vi.

—Eu já resolvi isso também. —Scarlett começou a colocar os biscoitos dentro de um saquinho de pano, enquanto cantarolava algo baixinho.

Segurei meus cabelos ruivos com força, sentindo um pouco de frustração naquele momento, porque Scarlett era um enorme ponto de interrogação no meio da minha vida. E ao mesmo tempo que ela conseguia ser um livro aberto, também era um enigma.

—Scar? —Chamei, fazendo ela erguer os olhos pra mim. —Por favor, pode conversar comigo sobre isso?

—Oh, sinto muito. —Ela pareceu envergonhada e eu tinha certeza que teria ficado corada se não fosse pela pele negra. —Eu não estou acostumada a ter companhia e a dividir meus pensamentos.

—Jura? —Murmurei, baixo o suficiente para que só eu ouvisse.

—Mandei um recado para um conhecido que tem um pequeno barco. Ele vai nos levar até o pântano. —Scarlett indicou a pequena bolsa sobre a mesa, que eu nem havia notado que estava ali. —Já preparei tudo que precisamos. Iremos sair daqui duas horas. Precisa de mais alguma coisa além disso?

—Ah... —Pisquei várias vezes, um pouco sem palavras, porque não estava esperando por aquilo. Scarlett havia arrumado tudo em um piscar de olhos, como se o problema fosse dela e não meu. —Não, está tudo perfeito. Agradeço muito por isso, Scar.

—Fico feliz em ajudar. —Ela soltou uma risada e enfiou o saquinho com os biscoitos dentro da bolsa. —Vamos nos encontrar com esse meu conhecido perto do território sagrado. Iremos voando até lá.

—Voando? —Questionei, vendo ela passar por mim, carregando a bolsa junto. —Eu não tenho asas.

—Mas eu tenho.

—E você já carregou alguém antes? —Indaguei, hesitante, sentindo meu estômago se revirar só com a imagem de Scarlett me carregando no céu.

—Não, mas não deve ser difícil. —Ela deu de ombros. —Eu amo voar. Tenho certeza que você vai gostar também.

Não, eu certamente não iria gostar.

[...]

Scarlett conseguiu criar uma calça jeans, uma camisa e uma jaqueta pra mim. O que foi a melhor coisa que havia acontecido comigo até agora, além de ter tido a sorte de cair perto da casa dela e não na casa de outra estrela que talvez não fosse tão gentil e prestativa. Ela estava usando um conjunto de roupas parecidas com o meu, com as asas brancas super abertas atrás de si, enquanto olhava para o céu com uma expressão sonhadora.

—Você gosta mesmo de voar, não é? —Falei, passando a alça da bolsa pela minha cabeça para deixá-la sobre meu ombro.

—Eu amo. É a melhor coisa do mundo, Sophia. Liberdade, paz e tranquilidade. É como alcançar o infinito na palma da sua mão. —Afirmou, se aproximando para me segurar. Mordi o lábio, hesitante. —Não se preocupe, somos mortais como você, mas somos mais fortes do que parecemos. Vou usar magia para deixá-la presa a mim.

—Tudo bem. Só tente não me derrubar, por favor... —Abri um sorriso nervoso, perdendo a respiração quando Scarlett me pegou no colo com um movimento fácil e rápido, abrindo um sorriso ao me segurar contra ela.

—Eu disse. Somos mais fortes do que parecemos. —Afirmou, e eu abri a boca para responder, mas soltei um grito e me agarrei a ela, fechando os olhos com força quando ela deu um salto para o céu, abrindo as asas e começando a voar, enquanto o vento cortava o ar a nossa volta.

—Quanto tempo isso vai demorar? —Indaguei, quase gritando pra que ela ouvisse.

—Hm... uma meia hora. —Afirmou. —Ah não ser que eu vá mais rápido.

—Eu não vou sobreviver a meia hora! —Exclamei, abrindo os olhos e vendo a altura que estávamos. Senti minha alma sair do corpo e me agarrei ainda mais a Scarlett. —Eu acabei de perceber que odeio altura!

Scarlett soltou uma gargalhada, batendo as asas e voando ainda mais rápido. Soltei um grito quando ela desceu, passando raspando pelas árvores antes de subir de novo, girando no ar e fazendo meu coração quase explodir.

—Você está fazendo de propósito! —Exclamei, ouvindo a risada dela.

—Não é. Mas eu realmente amo muito voar. —Afirmou, indo ainda mais rápido do que antes.

Quando enfim pouso, meia hora depois, minhas pernas pareciam gelatina e eu precisei me sentar no chão, colocando a cabeça entre os joelhos para conseguir voltar a respirar melhorar. Scarlett guardou as asas atrás de si, sorrindo pra mim.

—Foi tão ruim assim? —Indagou, com uma expressão desanimada.

—Acho que não sirvo pra isso, não. —Afirmei, fazendo ela rir e balançar a cabeça negativamente.

Ergui os olhos para a floresta ao redor, percebendo que havia alguém nos observando de longe.

—Como pode perceber, você não é a única intrusa aqui. —Scarlett indicou o rapaz que estava caminhando na nossa direção, enquanto eu olhava fixamente para as asas negras dele e para os dois chifres no topo da sua cabeça. —Sophia, esse é o Alec. Um peregrino.



Continua...
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Mapa de Estela está junto com a sinopse, no início do livro.

O Reino das Estrelas / Vol. 2Onde histórias criam vida. Descubra agora