Capítulo 2: João e o pé de feijão.

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Segui Scarlett para fora da casa, observando as longas asas de penas brancas em contrate com o vestido azul que ela usava. Meu vestido de noiva estava começando a pesar ao redor do meu corpo, ficando mais apertado a cada segundo. Ou talvez fosse meu nervosismo que ficou maior ainda quando vi a carruagem surgindo do meio das árvores e campos.

—Vem, Sophia! —Scarlett exclamou, com uma animação que me fez franzir a testa.

Desci os degraus de entrada e atravessei o jardim atrás de Scarlett, observando ela abrir o delicado portão de travas brancas e parar na calçada ao mesmo tempo que a carruagem parava na frente dela. Fiquei um pouco mais atrás, encolhida e nervosa pelo que ia acontecer. Havia um homem na frente da carruagem guiando os cavalos, com asas tão longas quanto as de Scarlett. Ele me lançou um olhar curioso e descrente, antes de descer e abrir a porta da carruagem, permitindo que outro homem desce de dentro dela.

—Você de novo, Scarlett? —O homem de bochechas cheias, pele clara e cabelos brancos arrumadinhos para trás murmurou, fazendo uma careta ao se virar para trás, para desenroscar uma das asas que havia ficado presa na porta estreita e pequena da carruagem. —Espero que seja importante, porque da última vez você me fez vir até aqui por nada!

—Era importante da última vez. —Scarlett rebateu, ruborizando. —Alguém estava roubando comida do meu quintal. Claro que se era alguém passando fome, não tinha problema nenhum. Eu ficaria feliz em ceder um pouco de comida. Mas e se era apenas algum ladrãozinho?

—Pelo amor a nossa rainha, Scarlett! —O homem murmurou, revirando os olhos. —Por que é que você me chamou aqui?

—Eu chamei nossa rainha, não você. —Ela retrucou baixinho, se virando pra mim. Arregalei os olhos quando ela enlaçou meu braço, me puxando para ficar ao seu lado como se fôssemos grandes amigas. —Essa é a senhorita Sophia Wood. Ela é noiva do príncipe de Del Mar e veio parar aqui.

—Uma bruxa... —O homem ficou pálido ao me ver, encolhendo as asas atrás de si. —Uma bruxa.... Uma bruxa em Estela...

—Pois é... bem... senhor, eu não sei como vim parar aqui. Eu estava prestes a me casar quando fui puxada por alguma magia e então cai no meio da floresta, onde a Scarlett me achou. —Afirmei, tentando explicar de forma calma, apesar de eu estar quase explodindo por dentro. —Eu gostaria de voltar pra casa. Tipo... o quanto antes.

O homem me encarou com uma expressão confusa, desviando os olhos para Scarlett e depois pra mim de novo, diversas vezes.

—Está tudo bem, sr. Colton? —Scarlett indagou, fazendo ele se endireitar, erguendo o queixo e os ombros.

—É óbvio que não, Scarlett! Tem uma bruxa em Estela, como pode estar tudo bem? —Ele chiou, se afastando para indicar a carruagem. —As duas, lá dentro, agora!

[...]

O senhor Colton não parecia feliz. Não parecia nem um pouco feliz. Ele me lançava olhares desconfiados a cada segundo, como se esperasse que eu tirasse uma varinha do meio daquele vestido de noiva e o transformasse em pedra. Bom, bem que eu queria uma varinha. Mas eu quero muito mais voltar para casa e se eu preciso aguentar os olhares dele pra chegar a isso, tudo bem.

Estávamos dentro daquela carruagem já fazia minutos, percorrendo a estrada em direção ao que Scarlett disse ser a cidade onde o palácio das estrelas ficava.

—Você vai adorar o palácio. Tem flores pra todo lado. Você gosta de flores? —Scarlett indagou, alisando o vestido. —Eu gosto de flores. Gosto de plantar, adubar, molhar e essas coisas, sabe? Por isso tenho uma casa no campo, assim posso ter meu próprio quintal e jardim...

—Scarlett! —Colton exclamou, lançando um olhar carregado na direção dela. —Você mora em uma casa de campo, sozinha, porque da última vez que deixaram você morar na cidade, você conseguiu derrubar a casa inteira, pedra por pedra.

—Foi um acidente. —Scarlett encolheu os ombros, envergonhada. —Eu só estava tentando fazer aquelas plantas trepadeiras crescerem mais rápido.

—Bem, você conseguiu. Elas cresceram tanto que ficaram maiores que a casa, a ponto de derrubarem as paredes. —Colton balançou a cabeça negativamente, enquanto eu olhava para uma versão menos alegre de Scarlett.

—Foi como os pés de feijão? —Indaguei, vendo ela olhar pra mim um pouco cabisbaixa. —Nunca ouviu a história do João e o pé de feijão?

—Já. —Ela soltou uma risadinha, ficando um pouco mais alegre. —O que isso tem a ver?

—Bom, tem um filme que é baseado na história do João e o pé de feijão. Nele o João acidentalmente deixa o feijão brotar dentro da sua casa e ele acaba crescendo tanto, mas tanto, que praticamente destrói a casa dele... Na verdade, ela vai parar no topo do pé de feijão, nas nuvens. —Dei de ombros. —Tem toda uma história com gigantes depois disso, mas não é revelante. O que eu quero dizer é que... sei que você provavelmente não fez isso por mal e também não quer dizer que você é desleixada.

—Ah... —Ela sorriu, com os olhos brilhando, antes de fazer uma careta. —Que filme é esse?

Olhei pra ela com a testa franzida, um pouco surpresa.

—Você sabe o que é um filme? —Indaguei, vendo ela morder o lábio para esconder o sorriso e balançar a cabeça afirmativamente.

—Eu sou uma estrela, Sophia. A obrigação das estrelas é saber de absolutamente tudo, para que possamos realizar todo e qualquer tipo de desejo. —Ela deu de ombros. —Eu sei o que é um filme. Acho a coisa mais estranha do mundo ver a imagem de alguém em uma tela, mas sei o que é.

Fiquei sem palavras por alguns segundos, piscando várias vezes antes de rir e balançar a cabeça.

—O João tem um final feliz? —Scarlett indagou, parecendo pensar longe.

—Bom, ele tem sim. Ele se casa com a princesa no final do filme. —Abri um sorriso pra ela, dando um empurrão de leve no seu ombro. —Talvez sua história termine assim também.

—Oh. —Ela corou, negando com a cabeça. —Temos muitos príncipes por aqui. Mas nenhum deles iria me querer. Todos me acham...

—Estabanada. —Colton murmurou, soltando uma risadinha. —Desleixada, irritantemente alegre... sem falar no fato de não saber seguir simples ordens.

Scarlett se encolheu no banco ao meu lado, parecendo querer sumir dali, enquanto seu brilho de alegria sumia em instantes. Olhei para Colton, vendo ele olhar para ela com uma expressão sarcástica. Ele logo desviou os olhos pra mim, ficando um pouco pálido ao ver a expressão assassina que estava no meu rosto.

Se eu pudesse, faria uma estrago na cara dele, e não precisaria de poções pra isso.



Continua...

O Reino das Estrelas / Vol. 2Onde histórias criam vida. Descubra agora