Sophia
Não sei ao certo o que eu esperava de um pântano. As águas eram lamacentas e negras, sem me permitir ver um palmo abaixo da água. As árvores pareciam mortas, com troncos negros e galhos retorcidos, e as folhas secas que lutavam para não cair sobre a grama morta e acinzentada. O cheiro era desagradável, como se algo tivesse morrido nas redondezas. E não havia um único som sequer. Nem um pássaro ou grilo por ali, para deixar o ambiente menos sombrio e tenso do que parecia.
—O ar mágico de Estela acaba completamente aqui, não é? —Scarlett estava encolhida no meio do barco, entre mim e Alec. Sua pele morena parecia mais escura naquele lugar, enquanto os cabelos brancos metade rosa pareciam apagados e sem vida. E os olhos de diamantes estavam acinzentados. —Esse lugar é meio que esquecido no tempo.
—O que quer dizer? —Indaguei, me agarrando as laterais do barco quando ele balançou um pouco.
—É como o céu e o inferno. —Foi Alec quem respondeu, ainda movendo aquele remo pela água lamacenta, com os olhos prateados fixos em tudo ao nosso redor. —O reino de Estela pode ser considerado as duas coisas. Lá, onde as estrelas vivem, o céu, cheio de magia e vida. Aqui, nesse pântano asqueroso, o inferno. O lugar pra onde almas perdidas vem. Onde feitiços e magias erradas vem parar. Enquanto as estrelas abrigam os sonhos, este lugar pode ser considerado o próprio pesadelo.
—Tudo de ruim vem parar aqui? —Indaguei, percebendo Scarlett comprimindo os lábios e se encolhendo mais ainda, como se estivesse com medo de que algo fosse pular sobre ela.
—Lembra que eu disse que Estela fica além do tempo e das dimensões? Então, todos os feitiços, magias, monstros e seres malignos que morrem acabam nesse lugar. —Ela se segurou no barco quando ele balançou de novo, quando bateu em alguma coisa firme. —Existem algumas histórias que contam sobre esse lugar. Dizem que os feitiços e maldições que dão errado, transformando aqueles que vivem aqui em monstros terríveis.
—E você acredita nessas histórias? —Questionei, vendo ela dar de ombros, um pouco seria demais para o que eu estava acostumada.
—Todas as histórias tem um quê de verdade. —Alec murmurou, me lançando um olhar carregado. —Fiquem de olho na floresta ao redor. Temos que encontrar sua flor.
Fiz o que ele mandou, sentindo minha pele formigar naquele lugar.
[...]
No nosso primeiro dia pelo pântano, nada foi encontrado. Nada de lágrimas de sangue e nada de monstros ou qualquer coisa do tipo. Foi tudo silencioso e sombrio. Alec nos levou de volta para sua cabana antes que anoitecesse, dizendo que a pior coisa que poderia acontecer era ficarmos no pântano a noite, a hora em que as piores coisas acontecem por ali. Não questionei ele sobre isso. Mas eu logo entendi
o que ele queria dizer.Quando voltamos, ele amarrou o barco e nos levou para sua cabana, emprestando sua cama para eu e Scarlett, enquanto se ajeitava em uma cama improvisada no chão. Scarlett preparou uma sopa para nós, usando sua magia e enquanto comíamos sentados em uma pequena mesinha de quatro cadeiras, ela me contava histórias sobre sua vida.
Sua família vivia no litoral, em uma pequena vila. Seus pais e seus avós, mas nenhum irmão ou irmã. Ela não os via a anos, desde que foi trabalhar para a rainha. No começo, eles trocavam cartas constantemente, mas depois que ela foi morar em uma casa de campo quando o incidente no reino aconteceu, suas cartas para a família eram enviadas toda semana, mas ela nunca mais teve qualquer resposta deles.
Percebi que Scarlett era solitária demais. Até mesmo mais solitária que Alec vivendo nessa cabana. Ele parece acostumado e confortável com o silêncio e a solidão, mas Scarlett deixa muito claro no seu modo de agir, sendo gentil e prestativa, que quer agradar tanto quanto não quer ficar sozinha pra sempre.
Quando nos deitamos e as velas foram apagadas, apenas a luz das chamas da lareira clareavam parcialmente aquela cabana pequena. Não havia mais de um cômodo. Apenas aquele ali e uma porta adjacente que dava para um pequeno banheiro. Eu podia ver a silhueta das asas de Alec na sua cama no chão, enquanto Scarlett dormia ao meu lado.
Meu coração disparou no peito quando o primeiro som veio lá de fora. Uivos altos e roucos, grunhidos grotescos e sons de árvores caindo sobre a água. Mas havia outro que me deixava mais assustada. Era o som das criaturas, o que quer que fossem, quando eram pegas por algum predador. Seus grunhidas de dor e desespero faziam até meus ossos gelarem e meu coração chegar a boca.
Me sentei na cama quando o som de algo caindo na água ali perto me assustou ainda mais. Scarlett estava dormindo pesado e nem se moveu. Mas eu encontrei os olhos prateados de Alec olhando pra mim do chão. Não parecia assustado e nem com medo.
—Eles não podem entrar aqui, Sophia. O terreno e a casa são encantados. —Murmurou, se remexendo até encarar o teto. —Durma, está segura aqui.
—Como consegue viver sozinho aqui?
—Estou acostumado. —Deu de ombros, enquanto eu voltava a me deitar, me ajeitando para continuar olhando pra ele. —A coisas piores nas dimensões do que aquelas coisas lá fora.
—Duvido muito. —Afirmei, pensando ter visto a sombra de um sorriso nos lábios dele. Mas logo desapareceu quando algo gritou do lado de fora, enquanto outra coisa parecia estar sendo despedaça pelos sons de dor que grunhia. —Por que não os vimos durante o dia?
—A maioria é sensível a claridade. Mas isso não significa que seja menos perigosos. As vezes, alguns deles perambulam por aí durante o dia.
—Ja encontrou alguma coisa? —Indaguei, engolindo em seco quando vi a cabeça dele confirmar que sim.
Meu coração acelerou ainda mais e o medo fez meu sangue gelar. Fechei meus olhos com força, tentando focar meus pensamentos em Harry. Só queria voltar pra ele. Por isso estava entrando naquele lugar horrível. Só queria voltar pra casa.
—Se conseguisse sair daqui, pra onde iria? —Indaguei, soltando uma lufada de ar quando me senti mais calma e os sons diminuíram do lado de fora.
—Para a dimensão dos deuses. —Ele não hesitou em responder e sua voz estava repleta de sonhos. —Onde os peregrinos vivem... nas terras congeladas de Atlantis.
Continua...
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O Reino das Estrelas / Vol. 2
FantasíaLIVRO 2 - A DIMENSÃO DAS ESTRELAS Sophia e Harry tinham absoluta certeza de que todos os seus problemas tinham sido resolvidos. A tensão com as bruxas e a possível guerra foram esquecidas com o noivado dos dois. Sophia estava pronta para dizer "sim...