O homem engravatado

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Discutir com o pai estava sendo frequente, ainda mais sendo uma jovem querendo ser independente. Em uma fase que somente ouvir, obedecer ordens e aceitar sermões estando correta de seus atos a fazia se sentir injustiçada e incompreendida como filha — tampouco a faria uma pessoa melhor se acatasse algo apenas por medo. Havia pego o hábito de sempre querer saber o motivo das ordens de seu pai, também questionando sua mãe, que descontava sua infelicidade matrimonial a tratando como uma criança de dez anos.

A liberdade era algo que almejava desde sempre, e com as brigas frequentes em casa só ajudavam para que a garota de dezessete anos pensasse em seu futuro sozinha, sem seus pais para lhe importunar e dizer o que devia ou não fazer. Sentia-se presa no mundo que os próprios pais decidiram para ela, todavia, na maioria das vezes, a tristeza a consumia, se perguntando se devia odiar os pais, mesmo isso estando longe de acontecer. Ela sabia perfeitamente que não os odiava, era apenas frustração pela forma que estavam a tratando. Ela os amava incondicionalmente, mesmo ultimamente os preferindo separados, ou se fosse possível apenas se retirar de campo, não querendo estar mais na presença dos dois adultos. Suas constantes brigas haviam lhe dado um sentimento novo: a antipatia em vê-los juntos; e aquilo a corroía por dentro, já que desconfiava de algo bem mais pesado por trás das brigas.

No momento, Aurora estava andando pelas ruas de São Paulo completamente absorta, com seu fone de ouvido que tocava uma musica alta de uma banda que descobrira recentemente. Era um indie antigo, mas uma vibe retro, bastante parecido com o pop rock brasileiro. Todavia, sua falta de atenção com a junção da música alta em seus ouvidos, que limitava sua audição ao seu redor iria causar problemas sérios. No entanto, a garota estava perdida demais em seus pensamentos para sequer prestar atenção em algo a sua volta.  Queria apenas andar, atravessar junto aos pedestres no sinal, ou apenas virar esquinas que a levavam para o mesmo caminho, dando voltas por puro passa tempo. A rua estava bastante movimentada, e era um grande perigo para pessoas com problemas familiares, que saem de casa para esfriar a cabeça e acabam se perdendo no próprio caos, se misturando em lugares ou com pessoas estranhas de caráter duvidoso.

Enquanto seus cabelos castanhos escuros se balançavam com o chegar do vento, sua boca se mexia cantarolando a música que se repetira pela terceira vez. Sentiu seu corpo trombar com um senhor de idade a sua frente e prendeu a respiração pela sua impaciência. Observou o rosto cansado do senhor que carregavam algumas sardas na pele ressecada e cheia de expressão, que denunciava sua antipatia, resmungando algum insulto inaudível devido à aproximação desnecessária, mas ignorou, prestando agora, pela primeira vez, atenção em onde estava pisando. Aproveitando o embalo de algumas pessoas que atravessavam a rua, ignorando completamente o sinal vermelho que estava fechado para pedestres, Aurora caminhou apressadamente para atravessar a tempo a fim de não ser atropelada. Contudo, devido a sua impaciência e irresponsabilidade, não havia percebido o quão perto estava se aproximando o carro preto. O motorista do automóvel conseguira frear bruscamente para não atingir o corpo da jovem dispersa — e assustada com o barulho dos pneus no asfalto — sendo salvo pelo cinto de segurança e sua cautela no trânsito. Aurora olhava para o carro assustada, com seu coração disparado e os olhos arregalados com tamanho susto. Ainda com seu fone de ouvido, a música que tocava parecia ter pausado, pois não conseguia escutar uma palavra cantada. Nem mesmo o ritmo. Seu corpo continuou parado feito um poste no meio fio, só que no meio da pista movimentada. Nem as buzinas disparadas por conta da intolerância — e da fila que estava se formando — foi o suficiente para que voltasse a realidade.

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