Capítulo Dois

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Matias Fonseca

Minha perna direita balança em um ritmo frenético e um dos meus dedos se encontra em minha boca, enquanto eu puxo o cantinho da cutícula com os dentes. Estou sentado na sala de espera da direção e me sinto ansioso para ser chamado de uma vez e saber meu destino. As coisas se aejitaram depois que contei tudo o que fiz na história do vídeo envolvendo Dylan e Uriel. E apesar de não ser expulso do colégio, não fui isento de ser punido. Mas como o colégio presa pela educação sempre, me disseram que a minha punição seria assim... me fazendo aprender. Mas sendo sincero? Não acho que esse castigo seja o certo. Eu fui um escroto com meus amigos e não merecia o perdão de nenhum deles, mesmo assim eu consegui. Mesmo assim Dylan ainda é meu amigo, mesmo assim Uriel ainda se importa comigo. E mesmo não merecendo, eu me sinto aliviado. Minha relação com os outros não é a mesma, apesar deles ainda me tratarem bem, mas eu sei que não me querem tanto por perto. E no início, logo após dizer toda a verdade, meu maior medo era ficar sozinho.

Minha mãe foi embora quando eu era um garotinho e não se importou em me levar junto. Falando a verdade, ela não se importou mais comigo depois que se foi. No começo ela ainda ligava, perguntava se eu estava bem, mas nunca perguntou se eu queria estar junto dela. Ao invés disso se casou, formou uma nova família e me esqueceu. Simples assim, como se eu não valesse de nada. E até meus quinze anos meu pai conseguiu suprir esse vazio em mim. Ele era meu melhor amigo, aquele pai que estava comigo em todos os momentos, que nunca me deixou faltar nada e a cada segundo dizia que me amava, mas então essa pessoas sumiu. Sem mais e nem menos ele me abandonou também. Mas pior do que minha mãe, foi sentir sua indiferença. Não havia mais abraços, não havia mais "eu amo você", não tinha mais carinho. No lugar veio as cobranças, os xingamentos, as agressões. Naquela época não eram físicas, eram apenas palavras. Palavras essas que machucaram e muito, que me machucam até hoje.

E eu só me pergunto: onde foi que eu errei? Em que momento passei a ser o filho ruim que ele diz que eu sou. Porque eu sempre o respeitei, sempre busquei dar orgulho, mas parece que nada adiantou. Ele apenas procura meus defeitos, coisas para me machucar, para me dizer que não sou bom, para me rebaixar. E durante muito tempo eu chorei, só pedindo a Deus que me desse meu pai de volta, mas houve um dia em que cansei. Lembro que foi na primeira vez que ele me bateu. Eu havia bebido e acabei falando demais, o acusando por minha mãe ter ido embora e por ele não ser mais meu pai. Foi quando levei o primeiro tapa. E aquilo doeu como o inferno, mas não foi na carne, foi na alma. Naquele momento eu vi que realmente estava perdido e então desisti. Já que ele queria uma ovelha má, ele teria.

E foi aí a minha burrada. Na época eu achei que estaria contrariando meu pai, mas acabei ferrando com a minha própria vida. Fazia sentido antes, a ironia de um filho de delegado vendendo drogas. Mas hoje eu percebo a idiotice que foi essa escolha. Eu apenas me afundei ainda mais e por causa dessa merda acabei levando meus amigos juntos. E se eu pudesse fazer apenas um pedido, seria o de nunca ter me envolvido em toda essa merda. Porque agora eu só queria ser livre.

- Matias Fonseca. - A voz da secretária me desperta, me fazendo piscar algumas vezes.

Minha perna para de se mover e levanto meu olhar, vendo a mulher de meia idade sorrir com empatia para mim. Devolvo o gesto com um meio sorriso e me levanto, sentindo meu estômago gelar. Dou passos vacilantes até à sala do diretor e respiro fundo antes de entrar. Assim que o faço, meus olhos observam as três pessoas na sala. O diretor Rogério sentado em sua cadeira de couro, a vice-diretora Carolina ao seu lado e um homem desconhecido sentado na cadeira em frente a mesa. O homem deve ter mais ou menos a idade do meu pai, mas diferente dele possui um sorriso e olhar acolhedor. Seus olhos são de um azul penetrante, cabelos loiros, maxilar marcado. Resumindo... bonito.

- Bom dia, Matias! Sente-se, vamos conversar sobre sua punição. - É Carolina quem diz e aponta a cadeira ao lado do homem para que eu me sente.

Sinto minhas mãos levemente trêmulas e as fecho, na tentativa de não demonstrar o quanto estou nervoso com a situação. Na verdade, esse é um sentimento que me acompanha muito nos últimos dias, junto a ansiedade. Solto um breve suspiro e me sento na cadeira indicada, mantendo meus olhos em Carolina, de todos ela é quem mais me passa confiança. Acho que pelo fato de conhecê-la há anos.

Vogelfrei | Livro 02 - Trilogia Destinos Onde histórias criam vida. Descubra agora