Sandro Bernardi
É estranho olhar para uma pessoa que compartilhou tantos momentos inesquecíveis com você. Se eu fechar os olhos por um momento é possível me lembrar da sensação calorosa que foi nos abraçar pela primeira vez. Da forma como ele me mantinha seguro em seus braços. Também consigo recordar do amor e cuidado em seus olhos, assim como o sabor de seus beijos. Mesmo que tenha se passado anos desde essas cenas, é como se fosse ontem. Mas então eu eu abro meus olhos e fixo eles na pessoa em minha frente... e ele não é mais o meu Murilo. Ele não é mais um adolescente que dizia me amar. Na verdade, ele é frio como a pessoa que me deixou há anos atrás. Seus olhos são os mesmos, mas não há calor... não há sentimentos.
Então eu decido esquecer que já nos conhecemos e tivemos um passado juntos, pois agora somos apenas estranhos. Não há uma conexão, por mais que meu coração bata como um louco em meu peito, eu sei que é melhor ser assim para que eu não tenha que me machucar mais uma vez.
Solto um suspiro e volto a tomar postura quando a porta da sala se fecha, deixando claro que somos apenas nós dois aqui dentro. Murilo parece surpreso em me ver, mas se mantém em silêncio, sem dizer nenhuma palavra. E isso me deixa inquieto. Eu realmente achei que fosse uma boa ideia essa conversa, mas agora já não sei mais.
Vamos lá, Sandro! O motivo de tudo isso é Matias, não você.
Minha consciência me alerta e isso me faz tomar uma atitude. Deixo que minhas pernas voltem a se mover e me sento na cadeira em frente a mesa de Murilo, não desviando meus olhos dos seus por nenhum momento.
- Preciso ter uma conversa com o senhor, se não se importar - falo, adotando uma postura séria e indiferente.
Somos estranhos!
- Veio denunciar algum crime? - Ele pergunta após incontáveis segundos de silêncio e reviro meus olhos.
- Vai depender do seu ponto de vista - respondo, sustentando seu olhar que agora me envia algumas fagulhas.
- Vá diretamente ao ponto, senhor Bernardi - Murilo diz e se encosta em sua cadeira de couro, me olhando profundamente. É como se ele estivesse me desafiando.
E merda! Não é como se eu fosse totalmente imune a ele. Porra! Qual é seu problema, Sandro? Ele não é o mesmo!
Balanço levemente minha cabeça, afastando esses pensamentos e junto minhas mãos em meu colo, apertando meus dedos em um conforto a mim mesmo.
- Creio que já saiba que sou o responsável por seu filho no trabalho voluntário.
- Eu vi quando levou ele para casa, mas não tinha certeza se era realmente quem eu estava pensando. - Ele retruca.
- Bem, pelo visto eu sou. Mas não é por isso que estou aqui. Como disse, estou responsável por Matias agora e venho percebendo seu comportamento desde que começou a trabalhar no orfanato.
- Ele fez algo com as crianças? - pergunta, e isso me deixa incomodado.
- Por que ele faria algo com as crianças? Matias é maravilhoso com cada um de lá - respondo com um pouco de amargura.
- Se não é sobre algo que ele tenha feito, por que veio até mim? - Murilo questiona e isso me deixa sem fala por um instante.
Meus olhos analisam ele por inteiro, principalmente sua face, e me sinto triste com o que vejo. Ele realmente não se importa?
Solto uma risada, mas é algo totalmente sem humor, é só trágico demais.
- Você sabia que seu filho tem transtorno de ansiedade? E eu nem precisei de muito para perceber os sinais - falo, mas não deixo que ele tenha espaço para responder e fico de pé, tamanha minha irritação. - Você sabia que seu filho se sente insuficiente? Que ele se sente sozinho? Sabia que ele tem medo de você?
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Vogelfrei | Livro 02 - Trilogia Destinos
DragosteQual é o preço de ser livre? Tecnicamente deveríamos ser livres de graça, não? Mas, infelizmente, muitos vivem em prisões impostas pelos outros ou por si mesmos. E Matias é uma dessas pessoas, ele se encontra preso pela pessoa que mais ama e odeia...