Ícaro Miranda
Por que eu fui inventar de me importar com alguém? Por que eu não posso ser a merda de um egoísta e mandar as pessoas ir se ferrar? Por que eu fui me apegar justo a ele? Justo a uma pessoa que faz questão de me mostrar o quanto me quer longe? Por que não pude me manter o mesmo desde que o conheci? Por que eu fui me apaixonar?
Enquanto sigo para dentro de casa, após ouvir as declarações de Matias, essas questões não param de surgir em minha mente e me sinto um total idiota por querer o bem de uma pessoa que não está nem aí para mim. Ou finge não estar... já nem sei.
No começo eu achei que Matias também tinha interesse, que me queria por perto, mas minhas dúvidas crescem a cada dia com seu afastamento. Eu entendo que todo mundo tem medo, mas não podemos parar de viver por isso. E eu só queria entender o motivo dele querer tanto se ver longe de mim. Não é simplesmente pela desculpa de não ser um bom amigo. Tem algo a mais e minha intuição me diz que está ligado ao seu pai.
Passo direto pela sala de estar e sigo até meu quarto, querendo me refugiar um pouco. Eu me jogo na cama e agarro um dos travesseiros, o apertando contra meu rosto, gritando em frustração. Por que as coisas tem que ser tão difíceis? Porra, Deus! Minha vida já não é ferrada demais, não?
Os minutos se passam e aos poucos vou conseguindo me acalmar, mas as palavras dele ainda rondam em minha cabeça, machucando um pouco. Isso que é o foda em deixar uma pessoa entrar demais na sua vida, você acaba dando poder a ela mesmo sem saber. E não, não estou culpando Matias por toda essa merda, mas é frustrante demais. Eu estou acostumado a perder na vida, mas não a ser feito de trouxa como agora.
Ouço duas batidas na porta e já sabendo quem é, apenas falo um "entre", vendo Ricardo entrar no quarto em seguida. Seus olhos rapidamente vêm até mim e ele me analisa por alguns segundos, antes de caminhar até a poltrona vazia e se sentar nela.
- Doutor Soares me ligou agora pouco, quer que você vá em uma consulta amanhã cedo. Tudo bem? - Ele questiona, ainda tendo seus olhos em mim.
- Claro! Acha que já vão marcar a cirurgia? - pergunto com um pouco de expectativa na voz, mas ele nega.
- Acho que ainda está muito cedo, filho. O tratamento se deu inicio novamente há poucas semanas. A cirurgia é arriscada demais para ser precipitada. - Ele responde e eu concordo com um aceno, sentindo um frio na boca do estômago quando ouço se referindo a mim como filho.
Ricardo me passou a chamar assim logo após o resultado do exame de DNA, afinal eu realmente sou seu filho. Eu não me oponho, no fundo é bom ouvi-lo me chamando assim. Porém eu não consigo simplesmente o chamar de pai. Não consigo chegar perto dele e o abraçar como Uriel faz, ou lhe dar um beijo na bochecha. Ainda não consigo ter uma intimidade e no fundo isso também me incomoda, mas ainda não me sinto pronto para tal. Talvez um dia eu esteja, ou talvez não. Só o tempo pode dizer.
- Tudo bem, o mais importante para mim é permanecer vivo - respondo simples.
Ele assente e então percebo que seus olhos se tornam mais vagos quando ele olha para um ponto específico no chão do quarto.
- Eu já pedi antes, mas ainda me sinto na obrigação de fazer isso sempre... me desculpa. Eu sinto que a culpa é minha de alguma forma, já que meus dois filhos tem a mesma doença. Não sei, parece um castigo por algo de ruim que eu fiz. É um peso gigante saber que deixei esse fardo com vocês. Eu só quero que dê tudo certo novamente, assim como foi com Uriel. Meu maior desejo é te ver saudável, Ícaro. Sei que ainda não me vê como seu pai, mas eu já te amo como meu filho e farei de tudo pelo seu bem estar. Então não hesite em me pedir nada, ok? Você tem todo o direito de me cobrar algo sim e não estarei fazendo por obrigação, mas por amor a você.
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Vogelfrei | Livro 02 - Trilogia Destinos
RomanceQual é o preço de ser livre? Tecnicamente deveríamos ser livres de graça, não? Mas, infelizmente, muitos vivem em prisões impostas pelos outros ou por si mesmos. E Matias é uma dessas pessoas, ele se encontra preso pela pessoa que mais ama e odeia...