Capítulo Vinte e Um

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Murilo Fonseca

Minha face queima com o tapa que recebo e sinto as lágrimas se acumulando em meus olhos, mas me forço a não derramar nenhuma, mesmo que seja uma tarefa árdua e difícil. A dor não é apenas física, é minha alma. É saber que as pessoas que deveriam me amar me veem como uma abominação. É ouvir xingamento e não poder retrucar, porque talvez eles estejam certos. Pais sabem das coisas, não é?

- É isso que você quer para sua vida? Ser visto como uma chacota? Como uma doença? - As perguntas saem em gritos da boca do meu pai e a cada uma delas sinto o seu cinto de couro se chocar com a minha pele.

- Eu amo ele - respondo, mas minha voz não passa de um sussurro.

- O quê? Repete! - Sinto gotas de sua saliva bater em meu rosto e cerro meus dentes, absorvendo a raiva que começa a fluir dentro de mim.

- Eu amo ele! Não é errado! - grito em resposta e me arrependo quando seu punho fechado se choca com meu rosto.

Me sinto zonzo e um barulho alto se faz presente em meus ouvidos. As agressões não param depois disso e eu não faço ideia de quanto tempo elas perduram. consigo ouvir palavras desconexas de raiva. Sei que minha mãe observa tudo de longe, estando do outro lado da sala de estar, mas não move um único dedo para impedir o marido de me espancar. E tudo isso por que? Apenas por eu ser diferente.

Naquele momento eu achei que havia chegado ao fundo do poço, mas nem imaginava o inferno que me aguardava no futuro. Nem de longe se comparava aos socos e cintadas que recebi daquele homem que um dia chamei de pai.

[...]

Abro meus olhos com rapidez ao mesmo tempo que busco por ar. Minha garganta queima e meu peito sobe e desce com rapidez. Pisco meus olhos algumas vezes e passo a mão por meu rosto, notando lágrimas seca em minha face. Solto um suspiro e olho ao redor, vendo minha sala na delegacia em meia luz. Não fiz a mínima questão de voltar para casa, tenho certeza que seria pior. Lembrar da briga que tive com Matias não me ajudaria em nada. Assim como a lembrança em forma de pesadelo que eu tive há pouco.

Fecho meus olhos e soco a mesa, sentindo a raiva voltar a fluir em minhas veias. Eu não faço a mínima ideia do que fazer a seguir. Como pai da vítima, eu não pude assumir o caso e preciso aguardar outra equipe me dar informações. E para piorar a situação, algum infeliz daquele hospital vazou para a imprensa sobre o sequestro de Matias. A única coisa que me conforta é saber que a manchete está sendo por ele ser meu filho e não por já ter tido envolvimento com o tráfico. E espero que a história continue assim.

Volto a abrir meus olhos e foco no relógio em cima da mesa, vendo que já é de madrugada. Penso por um segundo e sei que estou sendo imprudente e irracional, mas eu preciso fazer algo. Me levanto, ajeitando minha arma no coldre da calça e saio da sala, vendo o corredor vazio. Já são quase três da manhã, então não há quase ninguém na delegacia. O que também se aplica às pessoas vigiando Ares.

Ando apressado pelos corredores, até chegar as celas onde os presos aguardando transferência estão. Uso meu cartão chave para abrir a primeira porta e encontro quatro agentes cuidando das celas.

Vogelfrei | Livro 02 - Trilogia Destinos Onde histórias criam vida. Descubra agora