Capítulo Oito

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Matias Fonseca

Eu não achei que me sentiria dessa forma, mas eu sinto muito a falta de Ícaro. Apesar de sempre dizer que não, não há sentimentos por ele, eu sempre estive mentindo. Ícaro me causa coisas maravilhosas desde a primeira vez em que coloquei meus olhos nele. Há aquele frio na barriga, meu coração bate mais rápido em meu peito e sinto minhas mãos suadas. Eu podia ignorar suas mensagens ao máximo, mas eram elas que me causavam alegria todos os dias... eu não me sentia sozinho quando ele se importava comigo. Mas agora eu sinto o vazio crescer ainda mais, formando um buraco no meu peito. Apesar de ter meus amigos de volta, ainda não me sinto completo. Na verdade, são uma junção de fatores que me fazem sentir dessa forma.

Primeiro de tudo... minha relação quase inexistente com meu pai. Mesmo morando na mesma casa, é como se eu fosse invisível em muitos momentos. E dói, como isso dói. É uma ferida que nunca se catriza, a qual eu carrego há alguns anos. É triste estar no mesmo ambiente que ele e não ouvir uma palavra sua a não ser cobranças ou enaltecer meus defeitos... que acredite, são muitos.

Depois temos o fato de que minha mãe me esqueceu completamente. É estranho saber que eu não existo mais em sua vida. No começo doía mais, agora é só o vazio mesmo e a mágoa. Eu parei de questionar e tentar entender o que houve... o que eu fiz para que isso acontecesse. Ok, ela nunca foi a mãe mais amorosa do mundo, mas enquanto esteve junto de nós me tratava com o mínimo carinho, cumpria seu papel de mãe, me fazia sentir uma pequena normalidade, mesmo em meio às brigas dela com meu pai. Não sei dizer se eles realmente foram felizes e apaixonados algum dia.

Terceiro... eu ainda me sinto indigno de todo o perdão e compreensão que recebi dos meus amigos, pessoas que eu machuquei por me colocar como prioridade, por deixar meu medo falar mais alto. Não me sinto mais como antes estando com eles, mesmo que me sinta melhor em não ter mais todos me odiando. Eles me fazem me sentir menos sozinho, mas não sinto que mereço isso. Sendo sincero, não acho que mereça muitas coisas. É confuso a imensidão de sentimentos conflitantes que sinto dentro de mim. São altos e baixos, coisas que me fazem parar por um momento e me questionar o porquê, mesmo que não haja uma resposta.

Ah, não posso esquecer de citar também o motivo que me trouxe até aqui... meu envolvimento com o tráfico. Apesar de estar há meses sem receber notícia deles, eu sei que não estou livre. E sendo sincero, esses é um dos pensamentos que mais me atormentam todos os dias. Eu não sei o que vou fazer caso eles venham atrás de mim novamente, exigindo um favor o qual eu sei que preciso fazer. E então eu penso se um dia meu pai descubra tudo. Seria como assinar minha sentença de morte. O que ele faria comigo? Seria como a pior afronta do mundo.

E por último, mas não menos atormentador, está Ícaro. O menino que me causa os sentimentos mais puros e gostosos de se sentir. Me apaixonar não estava em meus planos, não quando não posso ser quem eu sou e viver isso. Mas então ele apareceu e estragou tudo com seu jeito protetor e humor ácido. Ele me fez querer algo que não posso ter e tentando me proteger acabei machucando a única pessoa que esteve totalmente ao meu favor nas últimas semanas.

Eu realmente não estou brincando quando digo que minha vida é um verdadeiro desastre, uma piada feita pelo destino para rir de mim. E eu me pergunto, mesmo que no fundo já saiba a resposta, se um dia poderei ser feliz?

Às vezes, quando me deito para dormir, eu fecho meus olhos e me imagino em uma realidade diferente. Penso que meu pai e eu temos uma relação saudável, onde ele me apoia e me conforta quando preciso. Penso que minha mãe ainda se lembra da minha existência e me liga algumas vezes durante a semana para dizer que também sente saudades e está louca para me ver. Penso que nunca me envolvi no mundo das drogas e busco ser um garoto de dezessete anos normal, sem o peso de ser um criminoso nas costas. Penso que meus amigos e eu continuamos os mesmos, que minhas amizades de infância apenas se fortaleceram. Penso que não errei com as pessoas mais importantes para mim. E penso que sou um garoto bobo e apaixonado pelo rapaz que me conquistou de todas as formas possíveis com seu sorriso de lado e humor duvidoso.

Vogelfrei | Livro 02 - Trilogia Destinos Onde histórias criam vida. Descubra agora