Reféns do Ódio

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Notas iniciais: Como estão meu povo?

Boa leitura! :)


"O ódio é como um bêbado ao fundo da taverna,

Que sempre sente a sede nascer do licor

E se multiplicar como a hidra de Lerna"

(1.3)

– Baudelaire, Charles. 1857.

O Tonel do Ódio. Flores do Mal.


Em algum lugar da Walton Ave, Oxford, 1893

(Noite do sequestro)

     Dentro de uma carruagem a poucos metros de uma viela escura, a janelinha aberta do transporte faria a Marquesa ter uma ampla visão de tudo que aconteceria ali. Da bolsa jogada ao lado dela, retirou um binóculo de ópera que lhe permitiria enxergar a ação com detalhes. Não era a um espetáculo que ela assistiria naquele momento, embora experimentasse a mesma euforia de como se estivesse em um teatro prestes a acompanhar uma peça dramática. Em um movimento ligeiro e ansioso, levou o objeto revestido com madrepérola até o rosto, cobrindo totalmente os olhos claros e ardilosos. Primeiro, uma criança apareceu no meio da multidão. Ela conversou com um casal por alguns segundos e conseguiu levá-los a um lúgubre beco sem saída. Um coche os esperava lá, mas eles não tinham ideia disso. Com a mesma velocidade que surgiu, a criança sumiu por entre a aglomeração após receber alguns trocados do guarda. Seguidamente a isso, o homem foi o primeiro a cair. Tinha recebido um golpe rápido e preciso na nuca. Ele tentou resistir, mas foi golpeado outra vez com mais força até, enfim, cair desacordado. A mulher gritava pedindo socorro, ninguém a ouvia. Ela foi a segunda a ser silenciada. Mãos ásperas e indelicadas cobriram metade do rosto dela com um pedaço de trapo embebido por uma substância forte o suficiente para fazê-la desmaiar em poucos segundos. Os quatro malfeitores trajados de agentes da lei amarraram os dois sem qualquer dificuldade para então colocá-los apressadamente dentro do transporte. Antes de partir, o rapaz mais alto de cabelos loiros se certificou de que ninguém prestou atenção no que acabara de acontecer. Satisfeito com a indiferença das poucas pessoas que perambulavam perto dali, tomou seu lugar ao lado do comparsa. Os cavalos se agitaram com o açoite e foram guiados mais uma vez para dentro da escuridão, sem deixar nenhum vestígio do crime cometido.

Um sorriso discreto e irônico desenhou os lábios finos da Marquesa. Seu plano havia dado mais que certo. Em nenhum momento cogitou a possibilidade de que a filha fosse ser esperta o suficiente para não cair na emboscada que armou para ela no dia do jantar. Ou que o casal fosse negar ajuda a uma pobre criança desamparada. O fato de todos eles sempre serem movidos por uma bondade irritante tinha sido bastante conveniente, pensou Sinu. Óbvio que a mulher não tinha conhecimento exato do local que eles estavam, só queria fazer a jovem levá-los para perto e assim, dar sua cartada final. Dito e feito. Ainda assim, aquele ar de vitória foi interrompido quando, por um momento efêmero, o sentimento de pena pela ingenuidade da garota quase apoderou-se dela, mas não durou muito tempo. A Marquesa não era capaz de sentir compaixão por qualquer pessoa, sempre foi assim. Era casada com um homem o qual nunca se deu o trabalho de nutrir o pouco que fosse de carinho e tinha gerado dois filhos cujo verdadeiro amor de mãe jamais conseguiu lhes oferecer de bom grado. Ela não sabia, é claro, a real origem de tamanha insensibilidade. Para ela, a naturalidade que possuía para afastar as pessoas e causar-lhes uma sensação desagradável era pelo seu mau temperamento e arrogância que adquiriu junto ao título de Marquesa. Era por causa de uma coisa semelhante ao desprezo que foi exercida sobre ela em sua infância e na educação rígida que recebeu ou até mesmo pela falta de afeto que vinha por parte dos pais e de quem a criou logo depois que eles morreram. Ela não sabia, é claro que, na realidade, era algo que ia bem além daquilo. O ódio e o rancor que a dominaram por completo em grande parte da sua vida amargurada sempre fez parte da essência dela. Estava fixada em sua alma como raízes agressivas de uma falsa-seringueira. Vinha de outras vidas, como uma maldição. E para a infelicidade de todos que conviviam ao lado da mulher, quebrar aquele ciclo e se livrar de tais sentimentos tão violentos, só dependia da própria. Por sua vez, ela não se manifestaria minimamente disposta a mudar.

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