Espírito Livre

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Notas Iniciais: Já fazem 84 anos...✌🏾😷 Estou de volta pessoas!
Boa leitura!! :)


         Aquele outono inefável de 1893 começava a dar indícios de que seria diferente de todos os outros. Faltavam poucos dias para o festival da colheita naquela região, deixando os residentes do vilarejo de West Wycombe empolgados com os preparativos que antecedia a grande tradição anual. Era tempo de celebrar, mais que isso, de preservar e agradecer. Não só pelas plantações cultivadas que agora geravam seus frutos, mas também pela vida de modo geral, que naquele ano carregava fastio e doenças.

No fim de setembro, tudo era de praxe. Pessoas subiam e desciam as ruas com seus animais carregando fardos de frutas e cereais frescos trazidos direto do campo. Todos os dias dava-se uma certa agitação no comércio pela busca de insumos para realizar o evento. Aquela correria não estava sendo diferente na nova vida de Lauren. Faziam pouco mais de dois meses que ela se instalara definitivamente na casa da família Butler. Não demorou muito para se acostumar com a rotina daquele lugar simples e agradável. Era quase como um sentimento de pertencimento, embora nunca tivesse estado ali em outra ocasião de sua existência.

Seu trabalho na padaria dos Butler também ajudava a mantê-la ocupada demais para ter tempo de pensar em seu passado não tão distante. Uma tarefa metódica, que não exigia muito de si era tudo o que ela poderia querer. Mas precisava admitir que em um bom número de ocasiões, manter o foco não era algo tão fácil de se fazer. Percebeu também que era inevitável não continuar sentindo-se ligada às pessoas que seu coração insistia em não deixar para trás. Afinal, esse não era de fato seu desejo, não passava apenas de uma ideia pragmática e egoísta de que deveria ser o melhor a se fazer.

Apesar disso, a saudade estava sendo a maior inimiga da garota nos momentos de ociosidade. Suas crises nervosas aconteciam com uma frequência maior do que ela esperava. Depois de alguns dias o chá de tília parecia não estar dando conta de acalmá-la com a eficiência que o médico havia indicado. Então, sempre que sentia-se disposta, acordava antes da alvorada para ir até a beira do rio próximo a onde morava. Ela havia encontrado uma espécie de refúgio particular, onde passava pouco mais de uma hora até dar o horário de iniciar seu expediente na padaria.

Esse hábito começara há semanas, depois de um episódio bem inconveniente.

Lauren estava nos fundos da loja separando os fardos de farinha de trigo que chegaram no início da manhã. Foi difícil identificar de que direção o sujeito veio, mas aquilo de fato não importava, seja lá qual tenha sido, o mais surpreendente foi que em menos de cinco segundos um homem passou como um raio ao lado da garota e saqueou um dos pacotes. Ela não soube se tinha sido para evitar que fosse facilmente perseguido ou por pura maldade, mas antes de sair em disparada ruela abaixo, o meliante empurrou Lauren que caiu com os joelhos no chão de pedra. Mesmo atordoada com o tombo, ela teve o impulso de se levantar para correr atrás do indivíduo aos berros.

Quando entrou na rua principal, ainda conseguiu manter a perseguição por alguns segundos antes de perdê-lo totalmente de vista. Aquilo a frustrou em diferentes níveis. Não só pelo fato de ter perdido a mercadoria que geraria um prejuízo, mas também porque ela não conseguiu ir mais longe atrás dele. Se fosse meses atrás, Lauren não teria dificuldades em alcançá-lo e talvez iniciar um confronto, mas agora qualquer mínimo esforço lhe cansava facilmente.

Ela sabia que eram as sequelas do acidente. Seu tornozelo esquerdo, embora aparentasse estar recuperado, ainda possuía algumas limitações que a impedia de fazer longas caminhadas ou uma corrida, por exemplo. Além da preocupação com o que acabara de ocorrer, naquele dia fazia uma manhã cálida e a brisa parecia ter se escondido distante dali. No momento em que parou no meio da rua, sentiu sua vista começar a perder o foco, enquanto o sol a cegava parcialmente. De repente, a mente e o corpo dela foram tomados por uma sensibilidade insuportável, uma nitidez que tornava cada instante parada ali, cada som, cada contato das pessoas despreocupadas que esbarravam nela, cada palavra que tinha que ouvir, uma grande agonia. O que se sucedeu logo depois não foi menos desagradável. Umas senhoras tentaram se aproximar para ajudá-la, mas aquele ato só piorou tudo. Os rostos, o barulho, o calor, a sensação de sufocamento trouxeram à tona as piores lembranças do desastre que lhe aconteceu.

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