O rei da floresta

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Hora de conhecer um pouco mais sobre Leon, a figura que encontramos no capítulo anterior...

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A madrugada é onde muitas coisas estranhas, irreais, e talvez inescapáveis, aconteçam. Há histórias que levam às raias da incredulidade quando se analisa o que está por trás; e muitas pessoas guardam casos tenebrosos que dão lastro, estofo para enfrentar os desafios do dia e da noite.

Taxistas sabem disso. Policiais também.

Os dois homens que conversavam em uma sala bagunçada, com pastas e mais pastas empilhadas a um canto, a máquina de café visivelmente usada e reusada, e as persianas permanentemente fechadas - porque se abrirem, não mais se fecham, e a vista do outro lado era justamente a rua - eram dois sábios da rua. Porém, um deles não era taxista.

Mas o outro era delegado.

Dois homens com a mesma idade, que passaram a infância e parte da adolescência juntos, e sempre se consideraram como irmãos - mesmo com a diferença em seu fenótipo. Eles conheciam os segredos mais profundos um do outro, mesmo que o pior de todos - para o homem envolto na escuridão - jamais fosse revelado. Era melhor que seu amigo jamais soubesse.

O melhor de todos os segredos, para o delegado, ficaria guardado dentro dele.

- Você sabe que a esta hora eu deveria estar organizando os horários de almoço de meus subordinados, e não ouvindo suas grandes aventuras noturnas, sabe disso, né?

- Tem todo o tempo do mundo, Alisson, você é funcionário público.

- Sua visão do funcionalismo público é errada. Respeite um delegado de polícia, aqui é "Lobo" pra você. Doutor Lobo.

- Alisson, te conheço desde que tu comia terra, deixe de xaxo!

O aludido coçou a longa barba com pequenos fios brancos, não vindos exatamente da idade - já que nem aos quarenta anos havia chegado - e sim do estresse da vida de delegado. Sorriu, mostrando os dentes brancos e alinhados, de um homem que apesar de se apresentar como rude e duro, em especial pelo estilo que o sempre ladino inspetor Raposo chamava de "lumberjack" (jaquetas flanela, bota, barba longa e o ar de quem preferia estar no campo ao invés da cidade), era bastante vaidoso.

Alisson Lobo era frequentador assíduo da academia, onde mantinha o corpo definido, músculos nos lugares certos, e o cabelo crespo em um corte ligeiramente alto, porque ele sempre achou o formato da cabeça dele "esquisito".

Já seu amigo, bem à vontade na sala, não se importou em prosseguir com a narração da rotina noturna.

- Alguém vem denunciando as ações desses mercenários que tão invadindo as ocupações no centro?

- Sim, normalmente, Leon. Tenho uma porção de B.Os aqui pra dar prosseguimento, mas as denúncias não vão à frente porque o pessoal tem medo. Já recomendamos chamar um defensor público, eles têm um advogado, mas não é esses bombados por aí... Aí aquela famosa luta de Davi contra Golias. Você viu alguma coisa?

- Sim, Raposo vai ter dar mais detalhes. - cruzou os braços, reflexivo. - Agora, você me falou sobre a freira que fica saracoteando pela rua, parecendo um fantasma da Avenida Sete.

- Ah, você encontrou irmã Imaculada? - Alisson sorriu. Todos gostavam da freira na delegacia. - É uma boa pessoa, volta e meia visita a gente, presta algum conforto espiritual, quando tem alguns réus primários ela dá um apoio, até os ladrões da vizinhança gostam dela.

- Não venha me dizer que ela leva conforto espiritual pra assassinos também.

- Deixe de ser cínico, Leon. Irmã Imaculada sabe onde apertam-se os calos. Ela compreende a importância da ressocialização melhor do que governantes que aparecem aqui em época de eleição.

O Leão e a OvelhaOnde histórias criam vida. Descubra agora