O Anjo da Madrugada

1.8K 208 60
                                    

Sejam bem-vindos ao mundinho "O Leão e a Ovelha", meu retorno ao tema FREIRAS EM APUROS em uma história de amor, abnegação, mistérios, muito rancor, ressentimento e um homem disposto a tudo pra infernizar a vida da pobre freira. Mas num sentido beeem específico.

Espero que gostem dessa história e aproveitem, serão publicados capítulos todas as segundas por aqui.

---

Caminhar pela Avenida Sete de Setembro, um dos símbolos urbanísticos de Salvador, é como fazer uma viagem histórica, compreendendo o desenvolvimento, crescimento e diferenças da capital. É se encontrar mesmerizado pela bela praia do Porto da Barra, espantado pelo luxo e privilégio do Corredor da Vitória, o metro quadrado mais caro de Salvador, e aproveitar a oportunidade para se distrair no largo do Campo Grande, apreciando a beleza das estátuas, a tranquilidade da grande praça, e a imponência do famoso monumento ao Dois de Julho.

Mas a história não se passa nesse trecho. Eu sou apenas uma pobre escriba, interessada em olhares distantes do que são considerados os mais tradicionais, conhecidos. Não me interessa o carnaval na Barra. Ou a Igreja de Nossa Senhora da Vitória. Nesta história, vamos acompanhar um anjo, de branco, dos pés à cabeça, desafiando a madrugada e o perigo, contando apenas com sua fé em Deus e Nossa Senhora das Mercês. O anjo das madrugadas, que não se importa em sair sempre à noite, caminhando apenas com uma bolsa de couro, transpassada pelo ombro, e uma sacola com marmitas.

O "anjo da madrugada", que era como todos a chamavam, sempre surgia perto dos mais pobres tentando se proteger do frio debaixo das marquises da Avenida Sete mais antiga, na Rua Carlos Gomes, perto da Praça Castro Alves. Ela aparecia com alimentos, roupas, lençois limpos, e conforto espiritual. O mesmo anjo sempre conversava com as prostitutas que aguardavam pelos clientes no entorno, observando a presença dos cafetões que não gostavam dela - porque acreditavam que ela convenceria as mulheres a deixar a vida.

- Queria que fosse fácil assim, irmã... Mas a senhora sabe que tenho de fazer isso pelos meus irmãos...

- Eu sei disso, Perpétua, mas já sabe... - levou a mão fina, suave, à palma calejada, ferida, da mulher com quem conversava. - Não hesite em falar comigo quando for necessário. Sabe que posso intermediar as coisas com delegado Lobo.

- Sim... Rúbia saiu assim... Mas o cafetão dela levou chumbo, né... Até hoje os homi querem descobrir quem fez isso.

- Deus que me perdoe... - benzeu-se, olhando para o céu como se soubesse estar cometendo um grave pecado. - Mas espero que ninguém nunca saiba.

- A senhora é boa demais... Só toma cuidado que meu chefe tá de olho, sabe?

- Deus me ampara. Agora... - tirou da bolsa um pacote de camisinhas e pílula do dia seguinte. A freira sabia que muitos dos clientes que apareciam ali exigiam transar sem proteção alguma. - Leve isso, se ele não aceitar a camisinha, tome a pílula e vá no posto.

Métodos contraceptivos daquele tipo eram proibidos pela Igreja Católica, mas o "anjo da madrugada" tinha uma natureza prática em sua fé. Vivia em meio aos desassistidos, que muitas vezes precisavam de soluções que realmente resolviam seus problemas, ao invés das filosofias exigidas pelo dogma. "Que a Madre Superiora não me veja na farmácia comprando camisinhas".

Despediu-se de Perpétua, mas foi interrompida em sua caminhada por Rubem, cafetão da jovem, que era bem maior e mais imponente que ela.

- Sempre querendo atrapalhar meus negócios, freira! Vaza daqui, parta!

- Não estou fazendo nada, Sr. Rubem. Apenas converso com Perpétua, como faço com-

- Querendo convencer minhas meninas de sair, tô vendo! - tirou de dentro da camisa larga uma arma calibre 38, apontando diretamente para a cabeça da freira, que não parecia afetada por aquilo.

O Leão e a OvelhaOnde histórias criam vida. Descubra agora