Meu pequeno rei

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Uma das músicas mais tocadas em 1990 era a faixa "Prefixo de Verão", da Banda Mel, uma das mais tradicionais do carnaval baiano.

O ritmo agradável, o samba-reggae em uma levada menos agitada, a declaração de amor à cidade. Era quase uma declaração de boas-vindas para todos que conheciam Salvador, que visitavam a cidade pela primeira vez.

Celeste ouvia a música na rádio da cozinha, onde passava o pano para tirar a gordura no chão, próxima ao fogão, com um sentimento agridoce. Uma vez, há alguns anos, quando trabalhava como camareira em um hotel, considerou que um homem bonito, recém-chegado à cidade, um sotaque diferente, de palavras fáceis e gentis, a reconheceu por trás das roupas simples de camareira, e queria não apenas que Celeste o ajudasse a conhecer melhor Salvador.

Ela pensou que o homem - Arturo, esse era seu nome - gostava dela. Amava.

Cinco anos depois e um filho de quatro anos que era a face de sua maior decepção, que a destruiu, levando-a à miséria e a contar cada vintém para o sustento de seu pequeno rei, alegrias, músicas e palavras fáceis não a animavam mais. Estava calejada, e sabia quais eram os não ditos por trás das propostas do marido da patroa em passar a noite com ele.

⁃ Aqui eu não fico não, vamo Leon!

⁃ Não seja orgulhosa, você vai ganhar um dinheirinho, se já não ganhou antes... Com esse menino aí sendo teu filho...

Celeste pensou muito, duas, três vezes, em atingir o marido da patroa com alguma das panelas já limpas na cozinha, mas apenas segurou o filho, assustado com os gritos, o dedo na boca, agarrado à sua mãe, e disse:

⁃ Eu não ganhei dinheiro com o desgraçado do pai, eu vou ganhar é merda com outro desgraçado!

O homem até tentou correr em sua direção, impedindo-a de sair do apartamento, mas Celeste era mais rápida. Sua agilidade não era natural, e sim uma necessidade impositiva de quem precisava sobreviver. Correr atrás do ônibus, correr dos policiais dispostos a derrubar seu barraco, correr dos patrões.

Queria apenas correr atrás de seu pequeno e brincar com ele... Mas a vida, o que Celeste considerava más escolhas, não lhe permitiu esse privilégio.

Porém, a culpa não era apenas dela. O desgraçado, o homem que a enganou, simplesmente disse que não tinha nada a ver com a criança que esperava, e ainda deu um dinheiro, como se ela fosse uma prostituta.

Ela não acreditava em voltas, em viradas na vida. Era pobre, viveria pobre e morreria pobre. Arturo não pereceria, não morreria destruído pelo que fez. Sequer se arrependeria, pensou Celeste. Sua única preocupação era o filho. Seu pequeno rei, que não tinha culpa de estar ali.

⁃ Mamãe...

⁃ Sim, Leon?

Baliguinha tá dueno - o menino, choroso, levou a mão até onde ele dizia doer, e Celeste sabia o que aquilo significava: seu filho estava com fome.

Mas em seu barraco, que mal tinha divisões entre sala, cozinha e quarto, cujo banheiro era um buraco no lado de fora, não havia nada. A farinha terminara, o pão seco, de vários dias, também.

Celeste respirou fundo. Ela podia dormir com fome, seu filho nunca.

⁃ Hum... Vamos ver... - odiava pedir comida aos vizinhos, mas os Lobo eram bons, Aline, irmã de dona Alice, ficava em sua casa quando ela ia trabalhar, protegendo o barraco da polícia, e o filho de Alice e seu Adalberto, Alisson, brincava com Leon. Eles tinham uma condição menos miserável que Celeste: trabalhavam na limpeza de um clube ali perto, e seu Adalberto era porteiro.

O Leão e a OvelhaOnde histórias criam vida. Descubra agora