O rei protetor

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Qual é o primeiro momento em que o leão precisa exercer sua dominância?

Para o leãozinho querido e protegido por sua mãe, a leoa firme e protetora, o momento que mudou toda a sua vida foi quando ele tinha 13 anos. Ele precisava cuidar não apenas de sua querida mãe, mas outras figuras que eram importantes para ele – uma delas era sua tia, mesmo que a diferença de idade entre eles fosse pequena.

Mas Aline era sua tia.

Ele ainda se recordava das conversas que ouvia, entre uma música e outra que tocava na rádio de sua mãe, dos vizinhos que eram como se fossem outra parte de sua família. Do misterioso homem que observava as moças da vizinhança e essas observações se tornavam avanços cruéis.

- A filha de dona Giovandra tava reclamando que esse homem tentou puxar ela lá pro matagal – ele podia ouvir a voz da mãe, alta e aguda denotando sua irritação – Até pensei em falar com padre Juarez pra chamar a polícia, mas não dá pra confiar na polícia. A gente chama e eles expulsam a gente de casa.

- Essa é a pior parte, Celeste: é que nem com a polícia a gente pode se fiar. – a outra voz era justamente de tia Aline.

Certa feita, o jovem leão, ainda um filhote crescendo, percebeu uma coleguinha de escola correndo desesperada, saindo do matagal de onde sua mãe e tia Aline disseram que o homem misterioso atacava as moças da vizinhança. O nome dela era Joice, a primeira menina de quem ele gostou de verdade. Ela era inteligente, o ajudava com as matérias as quais o jovem leão tinha dificuldade, gostava de sorrir, e os cabelos crespos estavam sempre decorados com tererês coloridos, e o garoto muitas vezes pensou se valia a pena tocar nos tererês e fazer carinho em seus cabelos. Mas ele sabia que Joice não iria gostar; e era o tipo de coisa que ele deveria perguntar antes.

Sua mãe sempre dizia o quanto era importante respeitar as moças, e ele sempre fazia isso quando pensava em Joice.

O menino se assustou ao ver a colega: ela segurava o uniforme da escola ligeiramente rasgado, estava com sangue no rosto.

Os cabelos crespos se encontravam desalinhados, não viu os tererês adornando as mechas; em suas mãos era possível ver marcas, o que indicava que ela lutou contra alguém.

- Joice, tu tava onde? Quem foi que fez isso com você? – Leon não quis tocar na jovem, ao ver que ela estava desesperada.

- Ele tentou, Leon! Eu dei um arranhão nele, ele tentou puxar a minha roupa, ele puxou meu cabelo, ele ia rasgar meu short... Eu dei uma zunhada na cara dele, arranquei sangue!

- Ele ainda tá lá? – o garoto oscilava entre encarar Joice e o matagal.

- Tu quer ir lá, Leon? Vai não, você não vai fazer nada, vu? Eu vou falar com meu pai! Ele vai chamar uns homens e vão tudo correr atrás do tarado!

- Não! Ele tá indo atrás de todo mundo aqui na rua! Ele tentou fazer miséria com você, Joice... Ele não vai fazer isso de novo nem com você nem com outra menina.

Joice, mesmo machucada, segurou no braço de Leon, trêmula:

- Ele é maior que você! Ele tava com uma faca!

O garoto deu de ombros:

- Mas tu deixou ele machucado pra mim. – piscou o olho e saiu do caminho de Joice, que ainda tentou impedi-lo falando alto que não o fizesse.

Leon até retornou, mas foi categórico

- O que eu vou fazer aqui, tu não fala nada para ninguém!

Joice nunca revelou. Foi um segredo entre os dois, guardado para sempre, já que dois anos após aquele evento, a mãe de Leon falecera e ele foi viver ao lado de seu pai biológico. Quanto a Joice, a menina de quem ele gostava, inteligente, com os tererês que ele sempre quis tocar, foi embora do bairro para morar com familiares no interior e fugir da violência.

O Leão e a OvelhaOnde histórias criam vida. Descubra agora