Capítulo 82

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Não consigo falar. Ou respirar. Ou pensar.
Apenas congelo, em frente a ele.

"Está tudo bem?" Ele pergunta. Ele levanta do banco, ficando em frente a mim. Eu ainda estou congelada, olhando e observando cada movimento que o corpo dele dá.

Não respondo, não consigo. Parece intenso demais, como se fosse explodir se tentasse sequer abrir a minha boca.

"Sabe... Ás vezes fico me perguntando se esse amor que você sente por mim, não é na verdade uma obsessão." A minha garganta tranca. Os meus olhos humedecem e o meu corpo treme. Quero falar. Não consigo e isso me deixa frustrada.

"Está sempre tentando ver o meu melhor lado. Sempre me ajudando, como se precisasse me salvar de qualquer jeito. Chega a ser doentio, foda-se." Um sorriso irónico cresce no seu rosto, escuro pela falta de luz. Eu continuo sem conseguir mexer um músculo. Apenas consigo sentir as lágrimas descerem o meu rosto.

"Já pensou na hipótese de, sei lá, viver uma vida sem mim?" Ele dá um passo na minha direção. A mão dele toca no meu rosto, enquanto me observa. É como se ele achasse que fosse me partir a qualquer momento.

"Talvez... Talvez deva começar a pensar nisso. Existe a possibilidade de eu não lhe conseguir dar o que você merece. E ambos sabemos que eu prefiro ser miserável sem você, do que te dar uma vida infeliz. Nunca iria me perdoar por isso." Os seus olhos estão distantes e sinto a minha garganta queimar. Porque quero falar e não consigo, porque quero gritar e não consigo. Uma sensação estranha toma conta de mim, um arrepio profundo percorre todo o meu corro e sinto os meus olhos abrirem.
Foi um sonho.
A merda de um sonho.
Mais uma vez, a minha mente está me pregando partidas. Todas as coisas que o Castiel disse, estão ficando presas no meu subconsciente.

Seco as lágrimas do meu rosto.
Isso foi demasiado real, tão real, que ainda estou tremendo.

"Está tudo bem?" A Yelleen também parece confusa, ela ainda está na cama. Acho que acordou comigo.

"S-Sim. Foi só um pesadelo." Suspiro.
Hoje é dia da apresentação. Finalmente, acaba tudo isso.

Parece até mentira saber que depois de hoje, eu não sou mais uma estudante. De todas as maneiras que imaginei este dia, sei que nenhuma delas seria assim. 

Queria o Nathaniel do meu lado, saber que ele ia estar ao lado dos meus pais, me aplaudindo... Dá um aperto no coração, ainda para mais depois desse sonho que eu tive. 

Talvez... Talvez eu deva procurá-lo. A verdade é que eu não preciso esperar que seja ele a vir ter comigo, eu posso fazer isso. 

"Foda-se, não consegui dormir a noite toda." A Yelleen está com umas olheiras do tamanho do mundo, mas reparo no meu rosto assim que me levanto e não estou muito diferente. 

"Tenho a sensação de que posso vomitar a qualquer momento com essa ansiedade toda." Desabafo. 

"Então vamos despachar isso de uma vez. Estou farta de andar na faculdade!" Por sorte, o dia acabou passando rápido. Tivemos tempo de rever a apresentação novamente e preparar o discurso para a entrega dos diplomas. Entretanto, todos os pais foram chegando e acabei por me juntar aos meus até a hora do discurso. 

"Isto está cheio!" A Rosa comenta, assim que chega perto de mim e do Alexy. Estamos prontos para fazer nossas apresentações e discursos, só resta sermos chamados. 

Preciso confessar, a minha mente não está aqui. Estou sempre olhando para todos os cantos nessa universidade, para todos os olhos, todas as pessoas, tentando encontrar os meus olhos dourados. 

Os meus pais já estão sentados no auditório com as restantes famílias dos alunos. Posso ver alguns amigos meus aqui, também. Inclusive, consigo ver o Castiel daqui. Seria um pouco impossível não ver, está rodeado de garotas. Ainda assim, apesar da nossa noite, estou feliz por ele estar aqui. A minha versão de há uns anos atrás desejava que ele aqui estivesse. Se não posso satisfazer a Allayah de agora, talvez possa satisfazer a Allayah do passado.

O tempo passa e já quase todos foram chamados. O meu nervosismo está a aumentar cada vez mais, só quero despachar isso de uma vez por todas...

Como se fosse por magia, o professor Zaidi chama o meu nome. Respiro fundo. É aqui. Aqui acaba uma etapa linda da minha vida, com pessoas e momentos incríveis, que me tornaram aquilo que sou hoje. Aqui começa uma nova etapa. Vamos a isso. 

Assim que subo na plateia, começo a suar por todos os lados. O meu corpo treme e sinto a minha garganta fechar. Tento olhar para os meus pais numa tentativa de me tranquilizar, mas nada... Olho para a Rosa e mesmo assim ainda estou em pânico. O Castiel sorrindo para mim também não ajuda e mesmo a Chani dando o seu melhor olhar de coragem, não consigo abrir a boca. 

Mas, no momento em que parece que vou desmaiar, eu encontro-os. 

Os olhos dourados. 

Escondidos, no meio da multidão, para ninguém os ver além de mim. Com um sorriso orgulhoso no rosto. Um olhar esperançoso, cheio de amor. Estremeço, por inteira. Posso sentir, literalmente, todos os ossos do meu corpo vibrarem. Aqui está ele: O amor da minha vida. A única pessoa neste mundo, pelo qual eu faço qualquer coisa. 

Ele está aqui. Ele não me deixou para trás. Não nos deixou para trás. A pessoa que mais me conhece, que melhor me entende, a outra metade. 

"O amor move a arte." Começo a falar, sem controlar nenhuma palavra que os meus lábios projetam. 

"O amor; A falta dele; A revolta por ele." Deixar para trás uma etapa importante para nós é difícil. 

"Foi isso que me tornou obcecada pela Arte: O Amor." Deixar para trás tudo o que conhecemos. Tudo aquilo com que estamos conformados. 

"A maneira como toma formas, cores e sentidos diferentes, dependendo da maneira como cada indivíduo interpreta o amor." Mas, a mais pura realidade, é que a vida perde o sentido, quando nos conformamos com algo. O sentido de tudo, é continuar a procurar novos desafios, novas etapas, novas emoções. 

"Para mim, ficou claro desde cedo, que queria dedicar a minha vida a interpretar tudo o que cada pessoa tem para dizer, através da Arte. Olhar para as centenas de maneiras diferentes que uma obra pode ser interpretada e não me contentar com nenhuma. Deixar que mudem o meu ser, a minha alma, a minha mente." Não quero ficar por aqui. Nunca quis. Sempre quis mais, sempre quis ir além. Sempre quis provar aquilo que consigo. Sempre quis ser alguém diferente dos outros. 

"Confortar os desconfortáveis; Desconfortar os confortáveis." No final, vou continuar a seguir o meu coração, o meu instinto, o meu amor. 

"É isto que a Arte faz. Foi isto que aprendi nestes incríveis anos de ensino. Obrigada por tudo. Obrigada aos professores e aos responsáveis académicos, por toda a dedicação e empenho no futuro dos alunos. Obrigada aos meus pais, por acreditarem sempre no meu potencial e nunca cortarem as minhas chances de voar. Desejo que todos os filhos possam ter a mesma sorte. Obrigada aos meus amigos, por partilharem esta experiência única comigo. Seria menos fácil sem vocês. Acima de tudo, obrigada ao meu Amor. Foi esse amor, que me fez perceber que a Arte era onde eu pertencia." Os meus olhos não descolam dos olhos do Nathaniel, nem por um segundo que seja. Os dele também não descolam dos meus. É como se pudéssemos parar de respirar, se o fizéssemos. 

Só consigo perceber que todos estão aplaudindo de pé, quando o vejo fazer o mesmo. 

É isto. Eu consegui. E ele está aqui. 

Ele está aqui!

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