Entre soluços e lágrimas, Clara finalmente começou a narrar o que lhe aconteceu há dez anos. No início, ela hesitou, seja por estar revivendo aquela história de novo, seja por Raquel ainda estar ali. Porém, lembrei-a que estávamos lá para resolver todas essas questões, além do fato da moça de traços nativos trabalhar na polícia.
Ao terminar seu relato, Ana Clara se entregou a um choro sofrido. Ela mesma, Flávia e eu sabíamos o que mais estava escondido naquela história, mas a biomédica não conseguia pronunciar mais nenhuma palavra.
— Meu Deus! Um professor aliciador de menores... — espantou-se Raquel. — E pior: chegou a me... — Fez uma pausa estranha e trocou um olhar com Edgar. — ... chegou a me dar aula também.
— E, pelo visto, filma as alunas nos banheiros. Podemos pegá-lo, não? — era Ana Flávia se dirigindo para Raquel. Coisa rara naquele ambiente.
— Vai ser difícil — respondeu a escrivã —, mas não custa tentar. Estou disposta até a abrir mão dos métodos policiais mais, digamos, tradicionais — terminou com uma aura sinistra.
— Só não entendo algumas coisas — disse Clara, — como ele filmou vocês? E como conseguiu o e-mail da Flávia?
— Partindo do pressuposto que foi realmente esse Fabrício — pronunciou-se Edgar —, a primeira pergunta é difícil de responder, ao menos por ora. Só conseguiríamos uma resposta mais sólida com evidências mais contundentes e, quem sabe, pegando ele e extraindo uma confissão. Quanto ao segundo questionamento, creio que eu saiba o que aconteceu...
Ele então se aproximou do computador, deu alguns cliques e virou a tela para nós. Terminou dizendo:
— Aconteceu isso aqui.
De início, não entendemos muito bem. Entretanto, isso, aliado ao que eu já sabia acerca de Informática, me fez constatar algo terrível. Na verdade, um acidente, um deslize tão típico de uma adolescente com os hormônios à flor da pele. Foi a voz do detetive que deu a sentença:
— Raquel e eu reviramos e reviramos os seus antigos e-mails. Às vezes nos deparávamos com essa mensagem... — Apontou para o monitor. — ..., mas não dávamos a devida importância. Foi nosso grande erro... — Pausou para respirar fundo e se direcionar para a mulher negra. — Ana Clara, você acabou encaminhando essa mensagem, que era originalmente da Ana Flávia, para o e-mail dele...
Oh céus! Foi aquela mensagem com o coração formado por caracteres! Clara e Flávia se fitaram, porém, logo depois, viraram os rostos, constrangidas. O clima daquela sala, que já estava horrível, se tornou pior, muito pior.
— É uma narrativa consistente — ponderou Raquel. Sua voz saiu cortada. Era nítido como ela também ficou baqueada com todas aquelas revelações. — Mas carece de mais evidências, como bem disse o Edgar.
— Não dá para apontar para uma localização geográfica rastreando o e-mail? — pronunciei-me, alterada. — É que estou fazendo aulas de Informática e me lembro do professor falar de um tal de IP...
— Ah! Isso... — o investigador suspirou. — Já tentamos, mas nem sempre o endereço IP é preciso. Pasmem: tentando rastrear o e-mail mandado para Ana Flávia, deu que o remetente morava nos Estados Unidos, o que não faz sentido para o caso.
— Além disso — continuou Raquel —, não se trata de uma mensagem enviada recentemente. É algo de muitos anos atrás, o que dificulta o rastreio.
Que merda! E isso porque Raquel não citou o constrangimento que era chegar numa delegacia de polícia e denunciar que alguém havia vazado algo íntimo seu. E olha que a própria atuava na área. Fiquei imaginando que se até ela não teve voz e vez, quem dirá uma cidadã comum? Mais do que nunca, era necessária uma mudança na legislação para que houvesse prevenção e punição para crimes desse teor.
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É pela amizade ou... A história das paulistANAs
RomanceMooca, São Paulo. Ana Beatriz, Ana Clara e Ana Flávia têm mais em comum do que apenas o primeiro nome, são também moradoras do mesmo prédio na capital paulista, colegas de escola na mesma turma e melhores amigas desde quase muito sempre. Infelizment...