— Ai... Não estou preparada para isso...
Estávamos as meninas e eu já dentro do hospital, mais precisamente em frente à porta do quarto da professora Rosa, prestes a visitá-la. Contudo, a hesitação das duas era palpável.
— Não gosto de hospitais — falou Flávia.
— E eu, apesar de ser de Saúde, não estou acostumada a um ambiente tão... triste e mórbido — continuou Clara. — As pessoas vão à minha clínica para se sentirem bem e não para tratar uma doença, entende?
— Vocês se esqueceram do que combinamos antes? — rebati com um pouco de impaciência.
Foi naquele restaurante que falei tudo a respeito de Rosa, inclusive e principalmente do pouco tempo de vida que lhe restava. Era crucial que a visitássemos, nem que fosse apenas por uma única vez. Foi também ali que lancei a ideia que tive assim que havia me despedido da nossa professora do passado, ao que as duas moças não fizeram qualquer tipo de objeção.
— Não sei se podemos...
Suspirei. Realmente, não era algo que qualquer pessoa lidaria com tamanha facilidade. Cheguei a me perguntar se as duas já experenciaram algo do tipo e a resposta veio logo a seguir:
— Sabe, perdi minha mãe assim que nasci, mas é como se não a houvesse perdido de fato, já que não a conheci — comentou Clara. — E acho que você me entende, Beatriz.
Super a compreendia, pois a seu exemplo, não conheci meu pai.
— E eu perdi os meus avós muito nova. Alguns dos meus antepassados nem cheguei a conhecer ou ter contato também — disse Flávia para, em seguida, respirar fundo com certo pesar. — Creio que, além da nossa amizade, o que temos em comum é justamente esse modelo familiar tão minúsculo. Olhemos para nós mesmas: não temos irmãos, nem tios, nem avós ou qualquer parente próximo que não sejam nossos pais. — Pausou. — Hoje, tenho minha filha, mas mesmo assim...
Elas não precisavam dizer mais nada. Era nítido o sofrimento estampado em seus rostos e em suas falas, e qual o modo que as pessoas lidam com a tristeza? Negando-a. Particularmente e depois de tanta coisa que passei, cheguei à conclusão de que era preciso enfrentar os momentos de angústia e de melancolia tal como vivenciávamos a alegria. É assim que nos tornamos seres humanos melhores, mais maduros e mais empáticos. Foi pensando nisso que algo me veio à memória:
— Há alguns dias, quando decidimos ir ao Grajaú, ou melhor, eu decidi e vocês quiseram me acompanhar, optamos, vamos dizer assim, ir de carro até lá...
— A gente fez o detetive charmosão de nosso motorista particular — riu Flávia.
— Sim — ponderou Clara. — Você está falando como se isso tivesse ocorrido há anos...
— Não estou relembrando apenas por relembrar — retruquei —, e sim para destacar um gesto que partiu justamente de vocês. Nós três fomos juntas no banco traseiro e de mãos dadas ainda. Para mim, era um momento realmente difícil estar novamente em um carro e, de quebra, com vocês do meu lado. Porém, apenas o toque das suas mãos me deu uma força que nem mesmo eu tenho a dimensão de quão bem me fez.
— Ah! Beatriz... — As duas estavam já com os olhos marejados.
— Então venham! — Estendi as minhas mãos na direção delas. — Vamos enfrentar essa situação juntas e com a cabeça erguida!
Elas trocaram um olhar, ainda consternadas, e pegaram em minhas mãos. Ainda continuei falando mais palavras bonitas (e confesso que devo ter soado como um livro de autoajuda). Só depois, notei que suas feições, antes emocionadas, mudaram para uma de puro espanto.
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É pela amizade ou... A história das paulistANAs
RomansaMooca, São Paulo. Ana Beatriz, Ana Clara e Ana Flávia têm mais em comum do que apenas o primeiro nome, são também moradoras do mesmo prédio na capital paulista, colegas de escola na mesma turma e melhores amigas desde quase muito sempre. Infelizment...