Capítulo 42

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Aviso: O capítulo possui conteúdo que remete a relacionamento abusivo. Reparem também que a narrativa da Ana Beatriz vai conter coisas que vieram antes dos acontecimentos relatados por Ana Clara e Ana Flávia nos capítulos anteriores. Boa leitura! ;)

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Ana Beatriz

Vocês duas sabem — estava eu iniciando o meu relato —, namorei o Paulo no fim do nosso Ensino Médio. Mas... O nosso relacionamento não foi normal, se é que vocês podem me compreender.

Não foi normal em que sentido, Beatriz? — questionou Clara.

Vejam bem... — suspirei. — Clara... — Olhei para a referida moça. — ..., você se envolveu com aquele calhorda do Fabrício, que, além de ter sido nosso professor, acabou se revelando um baita de um racista quando foi confrontado por ti. E Flávia... — Encarei a outra mulher. — ..., você teve um vídeo íntimo vazado na internet, que nem sequer consentiu que fosse filmado.

E onde quer chegar com isso? — foi a vez de Flávia perguntar.

Quero dizer que certas coisas eram atenuadas, quando não normalizadas, na nossa época de adolescente. E tem mais: se isso que vocês me contaram tivesse se espalhado para outras pessoas, era bem capaz que as duas saíssem como culpadas, as vilãs das histórias.

Bem, Beatriz... Eu me sinto culpada... — Clara voltou a se pronunciar, em um misto de confusão e receio.

Não! — rebati prontamente. — Você era uma menina na época, ele era o adulto! Era ele que tinha que dar o freio naquela situação! — Parei e direcionei-me à Flávia. — E quanto a você, não se martirize por aquele vídeo. Como eu disse, você nem sequer sabia que estava sendo filmada, quem dirá imaginar se aquilo iria vazar.

Foi aí que contei a elas sobre as minhas pesquisas feitas online nas últimas semanas. Vi casos em que muitas pessoas, principalmente meninas e mulheres, eram vítimas de uma par de coisas inimagináveis, que variavam desde o assédio até os contextos mais pesados. Li textos em blogs e nas redes sociais e, a partir disso, comecei a formar a minha opinião acerca desses assuntos.

Ao mesmo tempo, era irônico (para não dizer insensível) pensar em quão distantes aquelas coisas pareciam, mas não eram. A gente nunca acha que essas situações tão problemáticas possam acontecer com uma mãe, com uma irmã, com uma colega do trabalho ou... com uma amiga de infância. É... As estatísticas não mentiam...

Sendo assim — continuei —, nem eu escapei disso...

O que? Como assim? — Era nítida a preocupação nas vozes de ambas.

Suspirei de novo. Após lançar um breve olhar para a urna com as cinzas de Ana Rosa – quem justamente tinha me incentivado a procurar sobre tudo o que aprendi nos últimos dias –, dei a minha resposta:

Eu fui mais vítima do que namorada do Paulo.

Há uma piada interna, típica paulistana, que fala que "Namoro é igual à Avenida Paulista: começa no Paraíso e termina na Consolação...". Devo dizer que meu relacionamento com Paulo foi nesses moldes. E era uma tremenda coincidência a estação do metrô de nome Ana Rosa anteceder a Paraíso.

Encarei, mais uma vez, a urna com os restos mortais da professora e comecei a minha narração.

Que venha a próxima parada!

É pela amizade ou... A história das paulistANAsOnde histórias criam vida. Descubra agora