Capítulo 04

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— O... que?

Não! Só poderia ser uma brincadeira o que eu tinha acabado de ouvir! Porém era mamãe que tinha dito aquilo. Se tinha uma coisa que dona Maria das Dores não fazia era brincar com coisa séria, ainda mais envolvendo... morte...

— Filha, é... — Ela estava desconcertada.

— Quando foi? — interrompi-a bruscamente. — Como foi?

Por alguns segundos que pareceram uma eternidade, nós duas nos encaramos como se uma quisesse reunir forças para si e para a outra. Ela enfim se pronunciou:

— Foi há cinco anos — suspirou. — Em uma manhã que era para ser comum como todas as outras, estranhei que seu avô não tinha acordado no horário que ele costumava se levantar. Você sabe, apesar de estarmos em apartamentos diferentes, tínhamos livre acesso à casa dele e vice-versa...

Houve mais um suspiro seguido de uma pausa longa. Mamãe olhou para baixo por mais alguns instantes e continuou:

— Cheguei ao quarto dele e o vi ali deitado... Cutuquei-o, mas não obtive resposta. Tentei sacudi-lo e foi aí que percebi que ele estava frio... — Olhou para mim e fez um sinal de negação com a cabeça. — Vi que estava sem pulsação... Foi desesperador...

Não pude me segurar: as lágrimas caíram como se fossem uma cascata em meu rosto. A vida não vale nada e não presta mesmo, só foi notícia ruim atrás de notícia ruim desde que acordei. Um pensamento mórbido passou pela minha mente:

"— Era melhor eu ter morrido naquele acidente a ter que encarar esta realidade cruel em que não pude ver uma fase importante do meu amadurecimento e onde meu avô não existia mais."

Sacudi a cabeça tentando afastar tais pensamentos melancólicos. Indaguei:

— Onde ele está?

Compreendendo-me, mamãe respondeu:

— No Cemitério da Quarta Parada. Acho que você sabe, aquele daqui da Zona Leste.

— Claro, é mais do que justo ele descansar ali...

O Cemitério da Quarta Parada não está longe de onde moramos. Localizado na Avenida Salim Farah Maluf, ele fica relativamente perto dos bairros do Brás, do Tatuapé, do Belém e da própria Mooca. É uma necrópole bonita, muita gente importante é enterrada ali inclusive, com direito a esculturas, estátuas e tantas obras de arte nos túmulos e mausoléus. Trata-se de um local tradicional, sendo que muitos dos imigrantes italianos e seus descendentes estão enterrados ali. É por isso que era ali que o nonno teria que ficar. No entanto, era inconcebível me conformar com a ideia de que ele não estava mais aqui.

— Eu quero vê-lo — disse surpreendendo a outra mulher.

— Como? — Mamãe estava atordoada.

— Preciso ver o nonno. Preciso ir ao lugar onde ele está enterrado, mãe — supliquei.

— Minha filha...

— Lá no hospital, a senhora mesmo disse algo como eu ter essa vida de agora e que as coisas não eram mais as mesmas. É óbvio que estou fazendo isso pelo vovô, para que eu possa me despedir dele, já que não pude fazer isso na época que ele... que ele faleceu... — Ainda era difícil superar a dor da perda. — Mas também estou fazendo isso por mim e também por ti. Pode soar insensível e egoísta o que vou falar, só que preciso vê-lo para virar essa página cheia de tragédias que se abateram em nossas vidas.

Os olhos de minha mãe estavam levemente arregalados naquelas alturas, porém ainda estava emocionada, assim como eu. Confesso que também estava surpresa comigo mesma depois daquele pedido, mas não menti. Nessas horas agradeço as sessões com os psicólogos do hospital – qualquer pessoa, enfrentando maiores ou menores problemas, deveria sim ter algum tipo de ajuda profissional e terapêutica.

É pela amizade ou... A história das paulistANAsOnde histórias criam vida. Descubra agora