Capítulo 47

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Ana Flávia

De repente, Raquel estava de volta à minha vida. Quer dizer, não éramos namoradas, não mais..., mas por que será que aquela espécie de reaproximação dela, desde o início da semana, havia mexido comigo? Aliás, no meu íntimo mais profundo, desejava revê-la.

Quando descobri que ela não era a autora daquele vídeo vazado, foi como se um furacão de sensações tivesse tomado conta do meu corpo. Por um lado, estava satisfeita e aliviada – ao menos, me envolvi com uma pessoa honesta e fiel. Mas, por outro, era justamente esse problema: era tão mais fácil jogar a culpa na Raquel...

Parafraseando Beatriz: éramos só meninas. Bem... Meninas com os hormônios à flor da pele, mas meninas antes de qualquer coisa. Nada justificava aquele bandido, que também aliciou Clara – e, pelo visto, estava na cola de Isabela –, ter nos filmado. E pior: ele ter armado uma situação para parecer que Raquel era uma mau-caráter.

Após tudo isso, mesmo nervosas diante do peso daquelas revelações, Beatriz e Clara tiveram a pachorra de armar aquela situação para que eu pudesse aceitar a carona oferecida por justamente quem foi minha namorada. Não pude negar.

No caminho, não tive coragem de abrir a minha boca. Ela idem. Chegamos à minha casa logo e agradeci a gentileza. Descemos do carro ao mesmo tempo e, na porta de casa, ficamos nos encarando. Pensei em convidá-la para entrar, tomar alguma coisa e, quem sabe, conversarmos como gente. Contudo, fomos interrompidas ao ouvirmos uma voz infantil soando do meu portão:

— Mamãe! — era Gabi.

— Oi, meu amor. — Já fui me aproximando da minha filha que, tomada pela curiosidade, passou a encarar a moça que me acompanhava.

— Oi! — voltou a falar a criança.

— Oi... — Raquel tinha percebido que era com ela e tratou de responder a saudação.

— Quem é você? — Gabi sempre era direta. A quem será que ela puxou?

— É... uma... amiga da mamãe — expliquei.

Raquel me fitou. Brevemente, pude ver algo em sua feição. Parecia que a qualquer momento ela diria "Sério isso? Amiga?", mas disfarçou e apenas maneou com a cabeça. Perguntou diretamente à criança o seu nome, que respondeu sem hesitação.

— Minha mãe só tem amiga bonita, sabia? — disse Gabi com a sua franqueza infantil.

— Você me acha bonita? — Sem perceber, Raquel já estava rendida pela minha filha. Ela até se aproximou mais do portão e encurvou um pouco o corpo, de maneira a ficar mais perto da altura de Gabi.

— Você parece uma coisa que vi na escola.

— Uma coisa que você viu na escola? — indaguei com um pouco de graça.

— A tia mostrou pra gente um livro, que tinha uma pessoagem.

— É personagem, Gabi — corrigi, soltando um risinho que incrivelmente foi compartilhado com Raquel. Por um momento, me bateu a lembrança das risadas que dávamos juntas.

— Essa pesso... personagem era uma sereia — continuou a garotinha.

— Uma sereia? — perguntou Raquel, entretida no assunto.

— Tinha um nome... — A criança fez uma pose pensativa, fofíssima. Em seguida, lembrou-se: — Iara!

Entrei em um rápido transe, recordando-me da ocasião em que me inspirei em Raquel para ler, fazer um trabalho e desenhar... Iracema, a personagem literária. Os nomes ficaram conflitando na minha cabeça: Iracema, Iara, Iracema, Iara...

É pela amizade ou... A história das paulistANAsOnde histórias criam vida. Descubra agora