Capítulo 14

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As semanas se passaram, de modo que já estávamos no mês de julho.

Clara prometeu e cumpriu: no dia posterior à visita que fizemos à Flávia, foi criado o grupo no WhatsApp contendo nós, as três "Anas". Nesse ínterim, aprendi a usar alguns dos aplicativos presentes no meu celular e até adquiri um computador, já que em uma das nossas conversas, as meninas me sugeriram fazer uma conta no Facebook.

Mesmo assim, talvez por todo o meu histórico e pelo tempo que vivi minha juventude, ainda prezava por contato humano. Às vezes, as garotas e eu nos reuníamos pessoalmente. Conversávamos, ríamos e parecia que a nossa amizade nunca passou por uma grande pausa como, de fato, aconteceu. Conhecíamo-nos tão bem...

Ou não tão bem assim. De vez em quando, sentia que elas escondiam algo de mim, especialmente quando me dava a louca e lhes perguntava algo relacionado à Mooca ou ao tempo que moraram no referido bairro. Dava a impressão que tinham até certa aversão ao lugar que viveram. Entretanto, eu não insistia no assunto, só que ninguém é de ferro, não é mesmo? Cheguei a comentar sobre isso com mamãe:

— Não é estranho essa quase repulsa delas por aqui?

— Talvez... — Dorinha respondeu com um olhar meio perdido.

— Mãe... — Encarei-a com seriedade. — ..., elas contaram mais alguma coisa antes de se mudarem daqui?

Nesse momento, notei que ela empalidecera, mas logo tratou de responder, um pouco severa:

— Não! Por que eu saberia?

— Por nada... — Assustei-me. — Calma!

Mais relaxada, ela emendou:

— Por que não as convida para cá, para um almoço como eu já tinha sugerido antes, e aí vocês tentam tirar a prova dos nove logo?

Aleguei que não era tão simples assim, justificando que uma trabalhava fora e a outra tinha uma filha para criar. Minha mãe apenas assentiu ao que eu disse e demos por encerrado aquele assunto.

Em certa ocasião, estávamos tomando um lanche em um fast-food famosinho, nós, as três amigas, e a pequena Gabi.

— Filho é uma espécie de sombra na vida de qualquer pai, mas principalmente para qualquer mãe. Se um dia vocês tiverem os seus, vão saber do que estou falando — justificou-se Flávia.

A presença da filha da minha amiga não me incomodava e, aparentemente, Clara também não se chateava com a garotinha. Gabi, mesmo sendo bem comportada, era apenas uma criança – normal que saia por aí correndo, brincando e pulando como qualquer pessoinha da idade dela.

Para agradá-la, pedimos um combo de um lanche – cujo nome não quero citar –, só porque vinha um brinquedinho junto. Cada uma solicitou um item distinto só para Gabi ganhar um objeto diferente de brinde, mesmo que essa refeição consistisse em um hambúrguer simplérrimo, uma batata frita que nem arranhava o estômago e um refrigerante mais aguado do que café mal passado. Não importava, queríamos ver a alegria da garotinha brincando com aquelas coisinhas fofas.

E assim seguíamos com a boa e velha leveza que quase sempre marcou a nossa amizade. Ainda algumas questões permeavam a minha mente. Não era apenas aquele ar um tanto misterioso que as duas carregavam de vez em quando, havia coisas a esclarecer... Mais uma vez, o meu avô que me deu o pontapé inicial.

De novo aquele sonho. Eu estava no apartamento, antes do seu Francesco e agora meu, e ele se encontrava ali sentado no sofá, como se estivesse me esperando. Dessa vez, mantive-me mais controlada e menos emocionada, não que tenha deixado de amar o vovô, mas é que a presença dele me inspirava, inibindo qualquer sentimento de terror que poderia me dominar.

É pela amizade ou... A história das paulistANAsOnde histórias criam vida. Descubra agora