Mooca, São Paulo. Ana Beatriz, Ana Clara e Ana Flávia têm mais em comum do que apenas o primeiro nome, são também moradoras do mesmo prédio na capital paulista, colegas de escola na mesma turma e melhores amigas desde quase muito sempre. Infelizment...
E começou a enxurrada de supostos empecilhos dados pelas duas mulheres ali comigo:
— Adoraria, porém não temos roupa para dormir aqui.
— Nem escova de dente.
— E o banho? Seria necessária uma toalha para cada uma.
— Onde iremos dormir exatamente?
Dei um sorriso sem mostrar os dentes, aquela era a maneira delas de aceitarem o meu pedido. Respondi calmamente:
— Tenho roupas novas aqui, inclusive pijamas que eu nem devo ter estreado ainda. O mesmo se aplica às compras, tenho algumas escovas de dente que não estão usadas, que vocês podem até levar para a casa depois. Toalha então? Todas aqui lavadas, podem até escolher. Quanto ao local para dormir, tenho colchões.
Uma olhou para a outra ainda com aquele receio misturado com cortesia. Aí, lancei a minha cartada final:
— Também podemos comer algo que certamente vocês devem estar morrendo de saudades: a boa e velha pizza da Mooca, que tal?
Um suspiro de derrota foi dado por ambas que se seguiu para um gesto afirmativo e um "Tudo bem!". Afinal, quem em sã consciência resiste a uma boa pizza?
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Já estávamos todas de banho tomado. As pizzas já haviam sido pedidas em um estabelecimento que era de meu conhecimento e confiança desde a infância.
Nessas horas, me lembro de tantos comércios que existiam no meu tempo antes do coma e que fecharam ou até foram à falência anos depois. É o caso das locadoras de filmes – com tanto acesso que a bendita da internet podia nos proporcionar (e que estou descobrindo a cada dia que passa), era óbvio que a procura por videocassetes e DVDs para serem alugados acabou ficando praticamente inexistente.
Também me recordo de uma papelaria que tinha perto da escola onde as meninas e eu estudamos. Tal estabelecimento era administrado por uma família, inclusive a filha do casal tinha a mesma idade que nós três. Como ela se chamava? Ah sim! Raquel...
Ela era popular, mais por ajudar os pais nesse comércio, que salvava tanta gente com materiais para trabalhos e provas, do que pelos seus dotes como aluna, os quais desconheço por nunca ter estudado na mesma sala que ela.
Eu havia terminado de pôr a mesa com os pratos e talheres. Ao abrir a geladeira, falei de repente:
— Vou colocar o ketchup por mera educação e cortesia, mas estou segura de que ninguém aqui vai usar isso na pizza, não é mesmo?
— Óbvio que não, isso seria um crime gastronômico! — exclamou Clara.
— Estão pensando o que? Não é porque morei no Rio que sucumbi aos hábitos cariocas, eu hein? — disse Flávia fingindo indignação.
— Ah que bom! Já ia perguntar se somos paulistas ou ratas — concluí.
Rimos. Quem visse de longe, poderia se horrorizar e nos tachar de preconceituosas, porém era tão bestinha aquela brincadeira e, a meu ver, sadia. Se boa parte do Brasil pode chamar os paulistas de burros por chamarem biscoito de bolacha, por que não podemos debochar de quem põe condimento na pizza?