Capítulo 10: Tinta branca.

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—Eu sei que na sexta o café está sempre cheio. Mas minha mãe não pode ir buscar ele e eu não queria que ele fosse obrigado a pegar um taxi. —Afirmei, enquanto Ian enfiava um cookie na boca, me encarando com as sobrancelhas erguidas.

—Sua mãe tá dando uma de louca de novo? —Indagou, me fazendo encolher os ombros e assentir. —Não precisa se preocupar. Pode tirar a sexta de folga, ragazzo. Eu coloco a Beca pra trabalhar no seu lugar.

—Como é que é a história? —Rebeca ergueu a cabeça, já que ela estava ocupada digitando furiosamente no celular, e seu rosto moreno se curvou em uma careta. —Aquele jornal suga minha vida e você ainda quer me colocar pra trabalhar aqui? Para de dar café pra ele, Pietro. A cafeína já está mexendo com o cérebro dele.

—Ora, você não pode nem ajudar, hein? —Ian chiou, fingindo estar ofendido, enquanto levava a mão até o peito. —Vou cobrar todos os cafés que você toma de graça aqui então, sua pilantra.

Soltei uma gargalhada ao ver a cara de descrença de Rebeca, enquanto Ian começava a rir também.

—Tu para, Ian. Tu para. —Ela ficou de pé, pegando o copo de café e a caixa de cookies. —Eu tenho que ir. Aquele filho do capeta do meu chefe me deu um trabalho justo no sábado que eu tinha folga.

—Viu, eu ajudaria o Ian se fosse você. Ele acabou de me dar um dia de folga. —Afirmei, como quem não queria nada. —E ele ainda te dá café de graça.

—Vocês dois se merecem, sabia? —Rebeca soltou uma risada e me mostrou a língua quando eu fingi abraçar Ian.

Enfiando os óculos escuros no rosto, ela saiu marchando até a saída. Observei ela parar e acariciar a cabeça do labrador preto que passou pela porta, antes de Hermione passar por ela também. Abri um sorriso sem perceber, observando o lenço que ela usava como uma faixa para prender o cabelo, o que o deixava fofa.

Caminhei até o balcão enquanto ela ia até sua mesa de costume e se sentava. Ela sempre pedia as mesmas coisas, então não perdi meu tempo em ir até lá. Arrumei o chocolate quente e o donuts e voltei para a área das mesas, indo em direção a ela. Azeitona estava ganhando carinho de Ian, mas veio na minha direção assim que me viu.

—Você tem alguma coisa contra os outros sabores de donuts? —Indaguei, soltando as coisas sobre a mesa, vendo ela dar um pulinho de susto no lugar.

—Pietro... Bom dia. —Ela soltou um suspiro, com os lábios trêmulos. —Não tenho nada contra os outros sabores. Só que gosto de comer isso.

—Você vem aqui uns anos já, nunca mudou. Não enjoa? —Ela puxou o copo de chocolate quente para si, observando os morangos que recheavam o donuts.

—Você enjoa de café, apesar de bebê-lo todo dia de manhã? —Ela ergueu uma das sobrancelhas, mas desviou os olhos de mim, como normalmente fazia.

—Você tem um ponto. —Murmurei, sem evitar de sorrir. —Hoje é sábado, a tarde eu não costumo vir pro café. Vou ir trabalhar na pintura da padaria. Não sei que horas você vai estar livre.

—Eu não abro a floricultura hoje a tarde. —Ela deu de ombros. —Posso ir junto com você após o almoço.

—Tudo bem. —Eu olhei para trás, vendo um cliente chegando, mas não queria deixar de falar com Hermione também. —Er... então eu passo na sua casa pra te pegar a 13:00, tudo bem?

Ela assentiu com a cabeça, evitando olhar pra mim. Sem outra opção me afastei da mesa dela, indo em direção aos clientes novos. Mas, involuntariamente, olhei por cima do ombro e a peguei me observando. Suas bochechas coraram e então ela desviou os olhos, envergonhada. Voltei ao trabalho, com um sorriso estranhamente grande nos lábios.

Hermione

Peguei o pincel e afundei com cuidado na tinta branca, tentando não fazer tanta sujeira, então passei na parede acinzentada na minha frente, pintando da forma que Pietro havia explicado quando cheguei.

—Meu irmão quer conhecer você. —Pietro comentou do nada, me pegando de surpresa. —Nossa mãe contou pra ele que eu estava jantando com uma mulher e ele achou que eu estava namorando.

Parei o movimento do pincel, girando a cabeça para encara-lo. Pietro estava na outra parede, de costas para mim. Mas também olhou por cima do ombro, ao mesmo tempo que eu. Quando percebemos que havíamos feito aquilo ao mesmo tempo, desviamos os olhos um do outro e voltamos a pintar.

—Eu expliquei pra ele que somos só amigos. Mas ele ainda quer conhecer você. —Prosseguiu. —Se quiser, podemos jantar todos juntos na sexta. Pode ser em um restaurante, caso não se sinta segura em ficar em uma casa com dois homens. Quer dizer, eu só...

—Tudo bem. —Falei, muito baixo, mas soube que ele ouviu quando ficou em silêncio. —A gente pode marcar mais perto do dia. —Afirmei, molhando o pincel com mais tinta. —Você... já teve namorada?

—Hm, não sei se namorada seria a palavra certa. —Ele hesitou, me fazendo olhá-lo por cima do ombro de novo. Por sorte ele não faz o mesmo dessa vez. —Foi quando eu estava no ensino médio. Foi sério, mas ao mesmo tempo era algo que eu sabia que não seria duradouro.

—Por quê? —Indaguei, ficando curiosa.

—Você sabe, passei a maior parte do tempo cuidando de Alfredo, já que minha mãe trabalhava. Na minha adolescência eu tinha que me dividir entre cuidar dele, da casa e estudar, então não tinha muito tempo pra pensar em uma namorada. —Afirmou, e eu não sabia dizer se isso o incomodava ou não. —Eu fiquei com ela por uns meses, mas uma hora acabou, como eu sabia que aconteceria.

—Foi nesse tempo que você começou a se interessar por gastronomia? —Ele virou o rosto, vendo que eu estava encarando-o. Minhas bochechas esquentaram e eu me virei de pressa, enfiando o pincel com tudo dentro da lata de tinta. Escutei Pietro rir baixinho e fiquei ainda mais envergonhada.

—Foi. Não éramos tão bem de vida pra pagar uma babá ou uma empregada. Então aprendi a cozinhar e não parei mais. —Explicou, e eu balancei a cabeça em concordância. —Percebi que gostava muito disso. Principalmente de qualquer coisa que envolva confeitaria.

—Seus doces são ótimos. —Concordei, pois sabia que era ele quem fazia os doces vendidos no café.

—E você, com quantos namorados sua mãe precisou se preocupar? —Pietro questionou, me fazendo parar o movimento do pincel de novo. Observei a gota de tinta branca que escorreu e pingou nos jornais no chão, como se ela fosse a coisa mais interessante no momento.

—Nenhum. —Respondi depois de alguns segundos, mordendo o interior da bochecha ao me lembrar de alguém que não era nem um pouco memorável.



Continua...

Docemente Apaixonados / Vol. 1Onde histórias criam vida. Descubra agora