Capítulo 11: Obra de arte.

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Pietro ficou em silêncio. Não sabia se era porque acreditava em mim e estava pensando que eu era a pessoa mais solitária do mundo —o que não é mentira — ou se ele não acreditava naquilo e sabia que eu estava mentindo. Mas preferi não saber qual das duas era a certa.

—Você disse que vai ter um encontro de família. —Comentei, continuando a pintar, enquanto tentava me manter focada naquilo. —É alguma data importante?

—Aniversário de casamento da minha mãe com meu padrasto. —Comentou, em um tom de voz muito baixo. —O do ano passado foi... terrível.

—Por quê? —Indaguei, curiosa.

—Briga de família. Sempre acontece. —Olhei pra ele e o vi dar de ombros. —Alfredo adorou. Ele diz que a única coisa que faz esses eventos familiares legais são brigas entre parentes.

—Hm, deve ser. —Falei, sem saber ao certo o que responder. As únicas brigas que eu presenciei foram dos meus pais e elas nunca eram legais. Nem um pouco.

—De qualquer forma, não estou nem um pouco animado para ir até lá. Minha última visita pra minha mãe não foi muito interessante.

Pietro ia continuar a falar, mas parou quando um celular começou a tocar do nada, fazendo um eco na sala vazia. Soltei o pincel e enfiei a mão dentro do bolso da jardineira que eu estava usando, pegando o celular enlouquecido. Me encolhi um pouco, vendo o nome da minha mãe na tela. Não contei a ela sobre Pietro, porque sabia que ela iria ter muitas coisas a dizer sobre isso e elas não seriam agradáveis em sua maioria. Ela acha que no momento eu estou na floricultura, trabalhando. Bem, eu estou trabalhando, tecnicamente.

—O que foi? —Pietro parou de pintar e olhou pra mim. —É a sua mãe? —Balancei a cabeça em concordância e ele fez uma careta. —Se não quiser atender, não atenda. Você não tem cinco anos, Hermione, e ela precisa aprender a confiar em você.

—Falar é mais fácil do que fazer. —Afirmei, vendo ele soltar uma risada baixa. —Não gosto de ignora-la. Ela pode ficar super preocupada se eu não der notícias. Mas eu também não quero atender uma ligação que eu sei que vai ser desagradável. O que eu faço?

Fiquei encarando o celular tocar, muito tentada a atender e falar com ela. Era minha mãe afinal. Ergui os olhos quando Pietro se aproximou, parando na minha frente e deixando um rastro de tinta branca pelo chão coberto de jornais.

—Deixa tocar e daqui a pouco manda uma mensagem pra ela, dizendo que você está ocupada e que depois liga. —O telefone parou de tocar na minha mão, assim que ele terminou de falar. Pietro abriu um sorriso com isso e eu desviei os olhos, sem graça.

—Ela vai ligar de novo. —Afirmei, soltando uma respiração pesada, sentindo meus ombros tensos e a sensação sufocante de quanto ela era superprotetora demais.

E ela ligou, no mesmo instante, e mais 10 vezes pelos próximos minutos. Não atendi nenhum delas, porque Pietro pegou o celular das minha mãos cuidadosamente e o colocou no silencioso, deslizando ele até o bolso da frente da minha jardineira.

—Pronto. —Murmurou, ainda parado na minha frente, com os olhos muito grandes fixos em mim. —Acho que eu e você temos que parar de pensar em nossas mães um pouco.

Queria dizer que ele tinha razão, porque tudo na minha vida sempre foi minha mãe e meu pai. O problema é que eu não tinha ninguém além deles, depois que meus avós se foram. As pessoas são estranhas, confusas e as vezes sentimentais demais. São coisas demais para que eu absorva.

Parei de pensar quando senti algo gelado deslizar pela minha bochecha. Dei um passo para trás no mesmo instante, arregalando os olhos ao ver que Pietro estava com o pincel sujo de tinta erguido e que havia acabado de passar ele na minha bochecha, onde eu podia sentir a textura da tinta branca.

—Por que fez isso? —Indaguei, tocando minhas bochechas com as pontas dos dedos, bem onde ele havia passado a tinta.

—Você estava séria e pensativa demais. —Ele ergueu o pincel e o passou na minha outra bochecha, enquanto erguia uma das sobrancelhas e sorria. —Prefiro a versão tímida, ou até mesmo a versão irritada, do que essa. 

Não prestei atenção no que ele disse, porque estava ocupada pegando o pincel da mão dele. Pietro soltou uma risada quando fiquei na ponta dos pés e passei o pincel na sua testa, fazendo uma faixa branca ali. Abri um sorriso muito grande, percebendo que gostava daquilo. Gostava muito mesmo. Então passei o pincel na ponta do nariz dele, vendo-o soltar uma risada ao mesmo tempo que fazia uma careta.

—Vai ser ótimo quando precisarmos ir embora, com o rosto todo branco. —Pietro afirmou rindo, enquanto eu estava ocupada sujando a ponta do meu dedo de tinta para desenhar na bochecha dele. —O que está fazendo?

—Uma nuvem. —Sussurrei, e ele riu baixinho, sem fazer qualquer menção de se afastar. Observei ele sujar o dedo de tinta e passar na minha testa, desenhando alguma coisa estranha.

—Deveríamos estar pintando a parede e não nos mesmos. —Pietro afirmou, enquanto eu passava para a outra bochecha dele, fazendo outra nuvem e a pintando com calma. —Isso deixa você calma? Tipo... música clássica?

—Sim. —Respondi no automático, porque não queria conversar no momento. Estava gostando de fazer aquilo no rosto dele. Era estranho e aconchegante ao mesmo tempo.

—Percebi, você até esqueceu da sua mãe. —Comentou, parecendo não se importar com o que eu fazia no rosto dele.

Pietro já havia parado de pintar meu rosto e agora parecia ocupado me observando. Como sempre acontecia, desviei os olhos, com as bochechas ficando quentes.

—Terminou sua obra de arte? —Indagou, me fazendo olhá-lo de novo.

Seu sorriso me deixou tímida, mas não consegui desviar os olhos dessa vez. Observei o quão adorável ele ficava com o rosto todo sujo de tinta, assim como as roupas velhas já manchadas. Havia um brilho nos olhos dele, como se ele me achasse a criatura mais inocente do planeta.

—Terminei. —Abri um sorriso fraco e me voltei para a parede que estava pintando. Porque ele realmente era uma obra de arte, e eu não tinha percebido isso até aquele momento.



Continua...

Docemente Apaixonados / Vol. 1Onde histórias criam vida. Descubra agora