vinte e quatro

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𝗥𝗶𝗰𝗵𝗮𝗿𝗹𝗶𝘀𝗼𝗻 𝗼𝗻

Levantei da cama assustado quando escutei gritos vindo da sala, corri até o ambiente e encontrei a Isabela chorando ajoelhada no chão. Parecia que tinha morrido alguém, ela estava muito mal.

— Que porra aconteceu? — Perguntei preocupado e esperei uma resposta para me aproximar.

Ela continuou chorando e gritando, não sei o que fazer, sei nem o que aconteceu pra ela estar assim. Será que alguém morreu mermo?

Ajoelhei ao lado dela e a abracei, encaixei o corpo dela no meu corpo e a deixei chorar o quanto quisesse e conseguisse.

Depois de vários minutos, ela levantou e entrou pro banho, decidi esperar ela na varanda do apartamento para conversarmos caso ela queira.

— Me desculpa pela cena. — Ela falou assim que chegou na varanda, passou a mão pelo meu ombro e sentou na cadeira ao meu lado.

— Fiquei mó preocupado. — Respondi sincero e a observei. Os olhos ainda estão vermelhos e o rosto inchado, certeza que ela estava chorando até agora pouco.

— Abriram uma cessação do meu CRM. — Ela falou e olhou pro céu, percebi que a boca dela começou a fazer um biquinho e sei que ela estava segurando para não chorar de novo.

— Isso significa o que mermo? — Perguntei tentando não parecer tão indiscreto.

— Significa que eu não sou mais médica, não posso continuar trabalhando na área que sempre sonhei, que meu sonho acabou aqui! — Ela respondeu séria, sua voz estava aguda, reparei a força que ela estava fazendo pela marca das veias em sua garganta, ela está tentando muito não chorar.

Levantei da cadeira e ajoelhei na frente dela. Isabela passou as mãos no meu rosto como carinho e beijou o topo da minha cabeça.

— Quer contar o que rolou? — Perguntei baixinho e beijei a coxa dela.

— Lembra do Pedro? — Ela perguntou e eu concordei junto com um suspiro. — Ano passado uma paciente chegou ao hospital com leucemia, o nome dela era Beatriz, era um caso delicado, mas curável, ela virou minha paciente... — Ela começou a contar e se ajeitou na cadeira, sua mão segurou a minha e ela começou a brincar de fazer desenhos na palma da minha mão. — Beatriz era meu grande caso, era minha chance de fazer meu nome dentro do hospital, na mesma época eu tinha construído uma amizade linda com a Letícia e ela acabou indo atrás para trocarem os médicos dela, no caso, eu pegaria ela do Pedro e assim a diretoria aceitou... Richarlison, o que eu vou falar agora é um achismo, nada foi confirmado, eu apenas tenho certeza, mas sem provas disso.

— Beleza, tô ciente. — Respondi sério e ela soltou uma risadinha fraca.

— Uma madrugada, Letícia e Beatriz tiveram uma parada cardíaca ao mesmo tempo, coisa estranha sabe? Uma coisa que não era pra acontecer já que todos os exames mostravam que a Beatriz estava muito bem. — O tom de voz da Isabela mudou de tristeza para indignação. — Na correria, pedi ao Pedro para cuidar do quadro dela enquanto eu iria pra Letícia, ela estava com um quadro clínico mais delicado e preferi priorizar.

— Fez certo pô, fez não? — Perguntei tentando entender bem do assunto, ela riu baixinho mais uma vez e beijou o topo da minha cabeça.

— Era pra ser o certo, mas por algum motivo a Beatriz morreu, quando fui atrás do Pedro para tirar minhas dúvidas de como ele tinha deixado aquilo acontecer, obviamente ele me disse que tinha seguido os procedimentos certos e que ela tinha apenas desistido. — Isabela respirou fundo e sorriu tentando não chorar mais uma vez. — Há uns quatro ou três meses, um dos enfermeiros que estava presente na noite da morte da Beatriz, entrou com um processo contra a médica da paciente por negligência médica, afirmando que eu não tinha feito o procedimento correto.

— Mas o médico não era o Pedro? Entendi que tu era a responsável do quadro, mas não era ele pra fazer as paradas? — Perguntei confuso e começando a sentir a indignação.

— Exatamente! Alguma coisa cheira mal nessa história, não sei se o Pedro pagou o tal enfermeiro, se fez os procedimentos certos, não sei o que foi, sei que ele me fudeu, ele priorizou o ego dele, o dinheiro dele e a imagem de mocinho bom. — Ela falou voltando a chorar, limpei as lágrimas que rolaram pelo rosto dela e esperei alguns segundos até ela conseguir continuar. — Eu realmente perdi meu CRM, meu Deus! — Ela falou baixo e caiu no choro, a puxei para um abraço mais uma vez para tentar consolar ela. — Minha mãe precisou fazer tanta coisa para pagar cursos de vestibular para mim, precisou me priorizar e esquecer dela mesmo para se responsabilizar mais por mim... — Ela voltou a falar e se afastou um pouco, ela se encostou na cadeira e voltou a olhar pro céu. — Quando fui aprovada em uma universidade pública, senti um alívio tão grande, iria conseguir deixar minha mãe aproveitar um pouco a vida dela, tudo sempre foi tão maravilhoso na universidade, sempre foi cansativo, mas sempre maravilhoso. Me especializar em oncologia foi sempre um sonho, sempre firmei na cabeça que não iria conseguir salvar todos pacientes, mas seria a melhor médica que eles teriam antes de partir. — Ela falou por fim e apoiou a cabeça na cadeira.

— Isa, não tem nada que eu possa fazer? Pagar alguém, pedir recomendação de algum advogado, te ajudar em outro emprego, qualquer coisa! — Perguntei sentindo um certo desespero, é horrível ver essa mulher assim, tem que existir uma maneira de ajudá-la.

— Acho que só preciso de tempo, você está aqui e isso já me conforta de alguma maneira, preciso digerir o que aconteceu e pensar no quê vou fazer daqui pra frente. — Ela respondeu com um sorriso fraco no rosto e voltou a me olhar.

Quero falar pra ela parar com essas ideias, deixar ela desistir assim? Nem pensar! Nem que eu precise gastar todo o meu dinheiro ou dar meu pescoço pra alguém, a Isabela volta com esse CRM.

— Tu sabe que tem uma casa na Inglaterra pra você né? — Perguntei tentando não tocar no assunto sobre a desistência fácil dela.

Isabela riu sem jeito e sem muito ânimo com minha pergunta. Levantei do chão e puxei ela da cadeira para sentar, ela me olhou confusa, mas assim que me ajeitei, puxei ela pro meu colo novamente. Ela se aconchegou no meu peito e eu comecei a fazer um cafuné nela.

Ficamos ali por muito tempo, nem sei o que a Isabela pode estar pensando, mas eu sei que isso não vai ficar assim, sei da capacidade e verdade dela, acredito que aquele namoradinho de merda tenha prejudicado ela e não vou deixar isso acabar assim.

Ver ela hoje me fez perceber que a cada segundo, fico mais apaixonado nessa mulher e admirado com o esforço dela, hoje ela está totalmente vulnerável e não teve medo de demonstrar isso. Gostei de estar com ela nesse momento e espero que ela saiba que ficaria assim com ela em todos outros momentos.

É caralho, essa mulher roubou meu coração e cada canto do meu pensamento, tô mole mermo.

𝙞𝙣𝙨𝙩𝙖𝙜𝙧𝙖𝙢 || 𝘳𝘪𝘤𝘩𝘢𝘳𝘭𝘪𝘴𝘰𝘯Onde histórias criam vida. Descubra agora