47 - Culpado

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Julian

—Eu te avisei pra não contar nada a ela, espero que esteja satisfeito com o que fez com sua mãe.

A culpa caiu sobre mim de uma forma que eu não conseguia pronunciar nenhuma palavra. Meus olhos estavam focados na foto da minha mãe, frágil como vidro, deitada naquela cama de hospital.

—Estive na casa dela, nós conversamos, ela exigiu que eu terminasse com a Stella. Eu neguei, nós brigamos e eu fui embora. Mais tarde no mesmo dia, os vizinhos me ligaram dizendo que a levaram pro hospital por tentativa de suicídio. Você foi "homem o suficiente" pra contar a verdade pra ela, agora espero que seja homem pra assumir a cagada que fez e cuidar da sua mãe. —Ele foi embora, mais uma vez, me deixando com a responsabilidade dos seus próprios erros.

Foi assim quando ele abandonou o próprio pai há dois anos, e a história se repete com a mulher que ele um dia jurou estar junto na alegria, na tristeza, na saúde, na doença e até que a morte os separe. O meu pai nunca foi bom com promessas.

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Fui ao hospital visitá-la, foram horas de viagem até chegar lá, quando entrei no quarto ela já estava acordada. O médico que estava cuidando dela me disse que ela tomou diversos tipos de remédio de uma só vez.

—Filho, que bom te ver. —Minha mãe me abraçou com os olhos cheios de lágrimas. —Me desculpa pelo o que eu fiz, na hora eu não pensei em você.

Meu coração estava apertado, durante todo o dia eu me perguntei se fiz a escolha certa em contar a verdade á ela, agora eu vejo o tamanho da burrada que eu fiz.

—Tudo bem, mãe. Eu vou te levar pra minha casa e cuidar de você.

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1 mês depois...

Ontem eu finalmente consegui ter uma noite de sono completa, sem acordar de madrugada com gritos repentinos da minha mãe, porque ela estava sonhando com o meu pai de novo.

Estou feliz por ela estar se recuperando, mas toda energia que resta em mim, eu utilizo para cuidar dela e do meu avô, duas responsabilidades que meu pai literalmente abandonou.

Estou esgotado, não consigo treinar, nem mesmo trabalhar, faz tempo que eu não consigo ter um momento a sós com a minha namorada, eu quase não vejo a Kira, tanto pelo trabalho dela quanto pelas minhas novas responsabilidades. Estou exausto.

Eu não posso deixar que os erros do meu pai respinguem em mim dessa forma.

Quando percebi, já estava discando o nome dele na lista de contatos, enquanto estava sozinho do teto do prédio.

—Não pode me deixar sozinho nessa. —Eu disse assim que ele atendeu.

Ele murmurou algo inaudível, parecia ter acabado de acordar, compreensível pois eram exatamente 2 da manhã.

—Estou prestes a perder meu emprego, minha namorada e meu sonho por conta dos seus erros. O seu pai e sua esposa precisam de muito mais do que eu posso oferecer pra eles, ou você dá um jeito de me ajudar, ou a Stella vai saber de toda a verdade.

Meus nervos estavam a flor da pele, era uma atitude desesperada, eu me sentia em apuros e precisava agir rápido.

—São duas da manhã, Julian. Amanhã a gente conversa...

—Nada disso. Eu preciso de uma resposta imediatamente.

Ele respirou fundo.

—Eu ia te propor isso essa semana, mas já que está tirando minha paz essas horas, eu vou te propor agora. A minha frota de caminhões que sua mãe cuidava está sem coordenação direta, gostaria de saber se você quer assumir essa vaga, dessa forma eu a levarei para perto de onde vocês moram, garanto que eu pago melhor do que aquele restaurante que você trabalha.

Não queria que ele soubesse disso, mas parecia música aos meus ouvidos ouvir aquilo. Respirei aliviado.

—Eu aceito. —Eu disse por fim.

—Ótimo, amanhã mesmo eu resolvo a papelada para mudar o galpão de endereço.

Ele desligou, e eu desmoronei no chão tamanho alívio que estava sentindo e fiquei observando a noite estrelada que estava acima de mim com uma gigantesca vontade de chorar.

Mandei uma mensagem pra Kira, na esperança dela estar acordada, e surpreendentemente ela estava, respondeu quase que imediatamente. Eu estava ansioso para vê-la.

Assim que a ouvi chegar, me virei imediatamente para olhá-la e realmente parecia que eu não a encontrava há anos. Ela estava irreconhecível.

Eu conseguia ver seus ossos ressaltados na pele branca como neve, os olhos estavam fundos e a boca pálida e ressecada. Quando a abracei a senti frágil como um papel. Eu nunca a vi tão magra.

Há exatamente 1 semana atrás ela não estava dessa forma, estava bem mais magra, mas não como agora, talvez eu não tivesse percebido pelas roupas largas que ela vem usando ultimamente, agora eu entendo o porquê.

Eu não consegui disfarçar a minha estranheza.

—Que cara é essa? Não nos vemos há só uma semana! Está me olhando como se eu fosse uma estranha!

—Continuou com as suas dietas malucas, não é? —Perguntei sério.

Há uma semana, quando ela disse que seu jantar seria uma fatia de pão integral, nós conversamos sobre as dietas super restritas que eu deixei claro que não concordava, ela não precisava de nada daquilo, já estava magra demais, mas a convivência com outras modelos e pessoas doentes a fez chegar nesse ponto. Eu me sinto culpado por perceber tarde demais.

—Por que está sendo ríspido assim?! —Ela se encolheu.

—Você está se alimentando, Kira? —Pergunto.

—É claro que estou! você mesmo viu na semana passada, eu jantei na sua casa.

—E se negou a dormir lá, voltou pro seu apartamento o mais rápido que conseguiu. — Ela desviou o olhar e se afastou. — Vomitou tudo depois, não foi?

Ela soluçou e as lágrimas começaram a descer pelo seu rosto. Era impossível parecer forte, eu estava me segurando, mas não consegui evitar, chorei junto com ela, principalmente pela dor da culpa que eu estava sentindo por não ter percebido que ela estava doente e não ter impedido ela de chegar á esse ponto. Ela cobriu o rosto com as mãos, envergonhada, e chorou no meu abraço por um longo tempo até que conseguisse finalmente dizer algo além de "Me desculpe".

—Eu não consigo sair dessa sozinha. —disse sem se soltar do meu abraço.

—Eu estou aqui. —beijei sua testa.

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