O vento gélido que soprava das montanhas nevadas da cidade de Nyadra cortava a pele de Freya como lâminas invisíveis, fazendo-a cerrar os dentes e tremer involuntariamente. Vestida com roupas pesadas, ela tentava se aquecer enquanto adentrava a floresta verdejante que se estendia sob a fraca luz do dia. Era ali, entre as árvores e os caminhos familiares, que a jovem garota se aventurava toda semana, desbravando a natureza para caçar e prover carne para sua avó enquanto seu pai liderava caçadas da Irmandade em outras cidades.
Desde a criação do mundo pelos esquecidos deuses, uma barreira mágica protegia os humanos dos monstros, os magicaes, criaturas perversas com magia no sangue, que habitavam o outro lado da barreira. No entanto, quando os magicaes começaram a invadir o território humano, alimentando-se de inocentes e bebendo o sangue de crianças durante a noite, a Irmandade surgiu, fundada pelo patriarca da família Krade há dois séculos. Desde então, a organização crescia para proteger os humanos da ameaça dos magicaes.
A liderança da Irmandade passou para Gareth há três décadas, e nunca houve um período mais terrível para os magicaes desde a chegada do último homem vivo da linhagem de caçadores Krade. Gareth acumulava tanto sangue em suas mãos que seu nome era temido por ambos os povos, humanos e magicaes. Nada causava mais orgulho a Freya do que carregar o sobrenome Krade.
Contudo, o temperamento fervoroso de Freya também era sua maior fraqueza. Ela nutria um ódio profundo pelas criaturas do outro lado da barreira e participava das caçadas da Irmandade mais pelo prazer de extinguir a vida dos magicaes do que por um senso de dever. Seu pai a havia treinado para ser letal como uma adaga e mortal como veneno. Os instintos da jovem estavam inabalavelmente alinhados com os humanos, exceto pela avó, cuja magia no sangue era mantida em segredo pela família, um fato conhecido apenas por alguns e uma vulnerabilidade que os Krade tentavam esconder.
Gareth havia sido convocado para uma caçada na cidade vizinha quando os habitantes de Cradk alertaram sobre corpos desmembrados e ensanguentados que surgiam nas ruas. Ele proibiu a jovem de acompanhá-lo, alegando que ela precisava cuidar de Nyadra e da avó. Afinal, ela era a única filha do último caçador da linhagem Krade, e a liderança da Irmandade poderia ser herdada por ela, desde que os membros da seita votassem a favor e concordassem, o que era incerto devido ao seu gênero.
Restou a Freya aventurar-se pela floresta em busca de alguma presa para o jantar, pois durante o inverno, a escassez de comida na cidade era um desafio constante.
Rajadas de vento frio chicoteavam entre as árvores da floresta, sacudindo os galhos pesados de neve. O inverno mostrava-se impiedoso para os nativos de Nyadra, e o manto surrado sobre os ombros de Freya mal conseguia protegê-la do frio cortante. Bochechas vermelhas e olhos ardentes denunciavam o desconforto da jovem, e cada inspiração parecia prender flocos de neve nos pulmões da caçadora.
O crepúsculo se aproximava, e Freya ainda não conseguira abater nenhum animal para o jantar. Seu estômago começava a apertar pela fome, e a sensação de ter as vísceras retorcidas era insuportável. A perspectiva de voltar para casa de barriga vazia, com o estômago roncando de fome durante a noite, assombrava-a. Se seu pai, Gareth, estivesse presente, essa situação seria impensável. Decepcioná-lo ou falhar em suas caçadas era algo que ela detestava profundamente, especialmente após a última discussão que tiveram.
Os estalos do chão coberto de neve ecoavam sob as botas desgastadas da jovem, enquanto a fumaça se dissipava dos lábios pálidos da jovem, indicando o esforço contínuo para seguir em frente na floresta. Mantendo-se atenta a qualquer movimento ao seu redor, apenas o silêncio persistia.
Foi, no entanto, uma agitação ao leste da floresta que fez o coração de Freya acelerar. Rapidamente, disparou na direção do agito, imaginando a refeição perfeita ao vislumbrar uma corça amarela tentando beber água de um rio congelado. A boca da caçadora salivou ao pensar no ensopado que sua avó poderia preparar. Antes que ela pudesse empunhar o arco preso às suas costas, um lobo negro emergiu das sombras das árvores e atacou a corça. Suas presas fecharam-se no pescoço da presa em uma mordida fatal, e o sangue manchou a neve ao redor.
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Chamas e Sombras (Livro 1-Nascidos Do Caos)
FantasySéculos após a revelação de uma profecia dos deuses, Freya Krade, a última da sua linhagem, emerge como a personificação de uma linhagem mágica de fogo selvagem e sangue divino. Criada como uma arma pela Irmandade, uma seita caçadora de seres mágico...