Capítulo 17

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Freya acordou antes do nascer do sol.

Antes mesmo que ela abrisse os olhos, as lembranças dolorosas dos últimos acontecimentos bombardearam sua mente, fazendo-a recordasse da última promessa que deixou seus lábios antes de adormecer. A cama abaixo dela era familiar, assim como a sensação gélida que somente uma pessoa era capaz de provocar nela.

Freya abriu os olhos lentamente, as pálpebras pesadas, tentando enxergar o feiticeiro adormecido ao lado dela na cama, ainda segurando sua mão sobre o peito. Ela não ousou puxar sua mão, entretanto, observou calmamente o rosto tenso de Kael, as sombras dele envolvia toda a cama, como um casulo de proteção para impedir qualquer ataque inimigo, mantendo-a protegida. Uma mecha dos cabelos negros do feiticeiro caiu perto de seus olhos, ele respirava profundamente.

Freya tremeu ao se lembrar do que Kael tinha feito aos membros da Irmandade, ela se recordava da cena dos caçadores em pedaços espalhados pelo porão da sede, da cabeça decepada de Leonel separada do corpo. Quando Freya havia desistido de lutar por sua própria vida, Kael a resgatou da morte, a salvou do destino em chamas, pelo menos por enquanto. Ela encostou a cabeça no travesseiro, mas foi as manchas de sangue em sua pele que embrulhou-lhe o estômago.

As pálpebras de Kael se mexeram antes do feiticeiro abrir os olhos repentinamente, os olhos sendo atraídos para a jovem caçadora ao seu lado. Ele sequer notou quando pegou no sono.

-Como você está?

Freya procurou por uma resposta dentro de si.

-Com sede de vingança.

Kael fitou as costas da mão dela, analisando os estragos feitos pelo maldito caçador. O ferimento já não sangrava mais, mas a cicatriz permaneceria, revelando o corte realizado pela Irmandade na pele da jovem caçadora.

-Eu posso curar essas feridas, se você quiser, desaparecer com essa cicatriz.

-Você não pode me curar, Kael.

Freya fugiu do olhar do feiticeiro, puxando sua mão rapidamente ao deslizar para fora da cama. Ela apoiou-se na parede para não cair devido a fraqueza em seus joelhos, o corpo dela reclamou de dor.

-Preciso tomar um banho-sussurrou de costas ao feiticeiro.

Freya andou com os pés descalços pela casa até chegar no banheiro. Ela tirou as roupas sujas e rasgadas, ligando o registro da água fria que desceu pelo corpo dela. A jovem sequer se importou com a baixa temperatura do banho, curvou a cabeça e viu a água levando o sangue e a sujeira para longe.

O gelo da água adormeceu os sentidos dela, congelando suas lágrimas e toda a dor que ela se permitiu sentir. Freya nunca mais se esqueceria do que lhe fizeram, de toda dor inflingida pela Irmandade, pela Legião e Kahlo. Sua lista de inimigos havia aumentado, mais nomes acrescentados a lista mortal de pessoas que ela arrancaria o coração. Ela segurou os pedaços fragmentos da sua alma com tudo que lhe restou para não sucumbir novamente e perder a cabeça como aconteceu naquela trágica noite.

Diante do espelho em seu antigo quarto, tendo vestido roupas confortáveis, Freya olhou para a marca que agora marcava sua pele, tão próxima ao seu coração que batia lentamente. Freya ignorou a presença do feiticeiro atrás dela, como uma sombra sobre seus ombros. Ela não disse uma só palavra ao exibir aquela cicatriz, empurrando para o fundo do seu ser toda a dor e o luto, contudo, tudo refletiu no vazio nos seus olhos.

-Eles vão queimar por isso-assegurou Kael atrás dela.

-Eu vou fazê-los queimar por isso.

Kael se aproximou em passos lentos, segurando-a suavemente pelos braços e suas sombras percorreram todo o corpo dela, como se estivesse arrancando algo de dentro dela. Freya arfou, abrindo a boca para soltar uma profunda respiração, a cabeça rodando.

Chamas e Sombras (Livro 1-Nascidos Do Caos)Onde histórias criam vida. Descubra agora