Kurt encontrou Devika deitada no sofá escuro diante da lareira, a sala imersa em uma penumbra quase sufocante. Apenas o brilho das chamas iluminava o ambiente, projetando sombras dançantes que pareciam brincar com os contornos elegantes e sombrios do cômodo. A noturna, envolta em um manto de silêncio, segurava um cálice de prata onde o líquido vermelho escuro reluzia com o reflexo do fogo, e o cheiro metálico do sangue impregnava o ar.
O ambiente, embora simples, exalava uma opulência macabra, cortinas negras ondulavam suavemente com o vento frio que entrava pelas janelas entreabertas, trazendo consigo o luar tímido. A luz pálida da lua tocava o rosto de Devika, acentuando sua beleza fria e distante. Ela parecia uma estátua esculpida na penumbra, imóvel, observando as chamas com olhos que escondiam segredos insondáveis.
Kurt entrou silenciosamente, suas botas mal ressoando no chão. Seu olhar imediatamente a capturou por completo. A Guardiã, com sua palidez contrastando com a escuridão ao redor, parecia tanto uma visão quanto uma maldição. Ele sentiu o estômago revirar com uma mistura de fascínio e inquietação ao notar as cicatrizes ainda visíveis em sua pele translúcida, lembranças vívidas do ataque recente.
Ele se aproximou, cauteloso, a voz baixa e rouca, como se temesse romper a atmosfera quase sobrenatural que os cercava.
-Como você está?
Devika sequer piscou, os olhos fixos no fogo, sua resposta veio sem emoção, como o eco de um pensamento distante.
-Viva, não está vendo?
As palavras dela cortaram o ar como um gelo invisível, frias e impenetráveis. Kurt sentiu uma onda de frustração crescente, a mesma barreira que sempre parecia encontrar erguida entre eles, uma fortaleza emocional que ele não sabia como atravessar. Sua presença ali, era tanto um conforto quanto uma ameaça, e ele lutava para encontrar o equilíbrio entre protegê-la e se afastar do abismo de sentimentos que ela despertava.
Mesmo assim, seus olhos não conseguiam se desviar dela. O contraste entre a seda vermelha que cobria seu corpo e a palidez quase sobrenatural de sua pele criava uma imagem hipnotizante. Devika ergueu o cálice e levou o líquido denso aos lábios. Uma única gota de sangue escapou de sua boca, deslizando lentamente pela curva delicada de seu queixo. Kurt sentiu o lobo dentro dele rosnar, uma reação primitiva que ele sufocou com esforço.
Percebendo o quanto estava à beira do controle, Kurt deu um passo atrás, suas mãos crispando-se em punhos ao lado do corpo. Ele sabia que precisava sair, afastar-se antes que a intensidade de sua presença se tornasse mais uma coisa a adicionar ao peso que Devika já carregava. Com um último olhar carregado de sentimentos contidos, ele fez menção de se retirar.
Mas então, quando estava quase cruzando a sala, a voz dela o deteve. Não era um sussurro, nem um chamado desesperado. Era algo firme, quase uma ordem, mas também uma súplica velada.
-Kurt... espere.
O licantropo congelou no lugar, seus músculos tensos, enquanto o calor da lareira atrás dele contrastava com o gelo que a voz dela sempre trazia. Ele sentiu o arrepio que a simples ordem dela provocou, e por um momento, não era mais o predador que rondava as sombras, mas alguém sendo chamado para uma armadilha, irresistível.
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Chamas e Sombras (Livro 1-Nascidos Do Caos)
FantasiSéculos após a revelação de uma profecia dos deuses, Freya Krade, a última da sua linhagem, emerge como a personificação de uma linhagem mágica de fogo selvagem e sangue divino. Criada como uma arma pela Irmandade, uma seita caçadora de seres mágico...