Haresh Lakhesis avançava pelos corredores sombrios da prisão de Abraxas com uma frieza silenciosa, ignorando o cheiro pútrido de sangue e podridão que impregnava o ar. O ambiente ao redor parecia pulsar com o sofrimento acumulado de incontáveis prisioneiros, mas ele mantinha seus olhos fixos à frente, imune ao frio gélido que se infiltrava por entre as paredes de pedra úmida. Seu manto pesado ondulava ao seu redor, uma proteção simbólica contra o horror daquele lugar.
Cada passo reverberava pelos corredores estreitos. Uma breve visão à sua direita, uma cela aberta, um prisioneiro sendo devorado por uma besta das trevas, poderia ter abalado qualquer um, mas não Haresh. Não havia espaço para hesitação, não ali, não agora. Abraxas era um lugar nascido da escuridão, encravado entre três montanhas cortantes como facas, com suas muralhas de espinhos e precipícios que pareciam descer até o próprio abismo.
Quando finalmente chegou à cela de Guenevire, um frio diferente percorreu sua espinha, um aviso que ele não podia ignorar. A tocha em sua mão tremeluziu, como se a própria luz hesitasse em penetrar a opressiva escuridão. O ambiente era uma mistura perturbadora de ferro, aço e ossos, como se a própria estrutura da cela fosse forjada do sofrimento e da dor dos que ali pereciam. Haresh deslizou a chave na fechadura com mãos firmes, o clique metálico ecoando com uma estranheza fria pelo corredor vazio.
Ao empurrar o portão de ferro, ele foi recebido pela visão que temia e que seu coração não estava pronto para suportar. Guenevire estava ali, jogada no chão, acorrentada, seu corpo frágil marcado por cicatrizes que falavam mais alto que qualquer palavra. A luz fraca da tocha revelou um quadro de dor e resignação. Os olhos dela estavam fechados, sua respiração era tão leve que mal parecia existir. O peito dele apertou-se. A visão de sua esposa, outrora uma força radiante, agora reduzida àquele estado, era um golpe profundo em sua alma.
Ele acendeu as tochas que pendiam nas paredes, como quem tenta afastar não apenas a escuridão física, mas a densa neblina de dor que sufocava a cela. A luz revelou mais, as marcas, os cortes, os hematomas. Cada uma das feridas parecia gritar, e o bruxo sentiu o peso das correntes que mantinham Guenevire não só presa, mas despida de toda dignidade. Aproximou-se com cuidado, ajoelhando-se ao lado dela, tentando não despertar o pânico ou a desconfiança que sabia que ela sentia. Com mãos trêmulas, tocou o rosto da fada, sentindo a pele fria e os ossos sob sua delicadeza.
Os olhos dela se abriram de repente, cintilando com uma mistura de terror e fúria. Havia uma ferocidade quebrada ali, algo que quase fez o homem recuar.
-Não me toque-ela sibilou, sua voz afiada como lâminas, carregada de uma agressividade que soava como um reflexo, uma defesa desesperada.
Haresh permaneceu imóvel, o olhar dele transbordando preocupação e exaustão. Ele se inclinou, mantendo as mãos onde ela pudesse ver, como quem se aproxima de um animal ferido.
-Não faça isso, Guenie-ele murmurou, sua voz embargada. -Por favor...
Ela engoliu em seco, lutando contra as memórias que a assombravam. Seus olhos, que um dia refletiam uma luz quase divina, agora estavam obscurecidos por um passado que ela não conseguia escapar. Mas, mesmo naquele estado, a sobrevivente ergueu o queixo com teimosia, recusando-se a se dobrar, mesmo diante dele.
-O que você quer, Haresh?-Ela perguntou, sua voz tingida de um desprezo gélido, encostando-se na parede fria, como se aquela pedra fosse a única coisa que ainda a mantinha firme.
-O que Aris fez a você?
Ela desviou o olhar, seus lábios se contorcendo em um sorriso amargo, e a dor brilhou em seu rosto de maneira cortante. Havia algo de mortal naquela expressão, como se, ao relatar sua experiência, o fizesse com um sarcasmo afiado.
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Chamas e Sombras (Livro 1-Nascidos Do Caos)
FantasiSéculos após a revelação de uma profecia dos deuses, Freya Krade, a última da sua linhagem, emerge como a personificação de uma linhagem mágica de fogo selvagem e sangue divino. Criada como uma arma pela Irmandade, uma seita caçadora de seres mágico...