Mais um dia normal no mundo, em Londres, abaixo das nuvens dispersas, do céu azul claro, e dentro do meu pequeno dormitório. Ainda não tive notícias de Griffiths. Os jovens conversam alto do lado de fora do campus e Drevon faz barulhos estridentes na cozinha porque eu o deixei sem supervisão para tentar ler um livro em paz em meu quarto.
Tudo está tranquilo e meu corpo estranha essa calma esquisita. O vento é suave, o sol esquenta apenas o necessário, as árvores do lado de fora balançam levemente e meus ouvidos filtram os barulhos a minha volta como se fossem leves estalos no porão de um mundo abandonado. Tudo é silêncio, como a pausa entre um ato e outro em uma peça de teatro. Ainda não tive notícias de Griffiths, mas eu não estou tensa. Estou em paz porque meu corpo me diz para esperar. Em breve o intervalo irá acabar e um novo ato irá começar. Quando e o que vai acontecer eu não sei. Eu apenas compreendo que hoje tudo espera, e assim eu o faço também.
Concentro meu olhar no sol entra pela janela iluminando todo o meu quarto, descansando no meu rosto, queimando sutilmente minha pele e deixando minha visão cada vez mais saturada.
Subitamente um silêncio intenso se espalha pela casa e instantes depois Drevon se anuncia atrás de mim. Viro-me apenas para vê-lo com as malas na mão, exatamente como meses atrás, no dia em que ele foi embora sem rumo e me deixou com nada além de solidão e um coração meio partido.
Eu sei que é necessário ele ir morar sozinho, mas ainda assim sinto um aperto no fundo do peito. Abaixo a cabeça e respiro fundo. É melhor dessa forma. É melhor para Drevon e é melhor para minha relação, se é que eu ainda tenho uma. Sinto tanta falta de Tom que às vezes a dor parece física. Mas agora as coisas vão mudar. Não vou mais precisar me esconder Tom e, depois, quando eu tiver certeza de que Drevon não vai embora mais uma vez, eu vou apresentar ele a Tom e todos nós vamos ser amigos.
- É apenas a algumas ruas daqui, Délia. - Drevon diz para me confortar ao perceber a expressão estampada em meu rosto.
- Eu sei, mas vou sentir sua falta.
- Eu não vou dar tempo para que você sinta. Inclusive vou passar aqui em dois dias para te levar para minha nova casa. Acho que você vai gostar.
- Por que não amanhã? - Estranho ele escolher exatamente daqui a dois dias.
- Porque - Drevon se aproxima e eu não me afasto. - Quero tudo em perfeitas condições, Cordélia.
Ele está perto demais, passa a mão pelo meu rosto e minha respiração acelera. Por que eu não me afasto? Sua boca se aproxima da minha e tudo passa em câmera lenta... Drevon se aproxima mais e mais e então me beija. Dessa vez sóbrios. Ele me beija e eu deixo. Não tenho reação. É um beijo de despedida, não é? Não preciso me preocupar.
- Te vejo em dois dias, Délia. - Ele sai sorrindo pela porta. Instantes depois de me recompor eu olho pela janela ainda sem muita reação e assisto Drevon colocar a mala no fundo de Clarissa e dar partida.
Depois que ele vai embora eu ainda estou paralisada, sem conseguir reagir. Drevon me beijou. Foi uma despedida, mas não pareceu apenas isso. Ele falou como se fosse algo a mais. O que Tom vai pensar disso? O que Drevon está pensando que somos? Como vou falar para ele que eu tenho alguém agora? Como vou contar que quando ele me beijou pela segunda vez eu já estava com Tom? E se ele contar para Tom sobre os beijos e sobre Lady Chapel?
Ansiedade e preocupação me invadem. E se aconteceu mais em Lady Chapel do que eu me lembro? Reviro minha mente tentando achar algum momento dos dias que passei com Drevon e Vivi drogados em Lady Chapel. Não. Não acontece nada. Não encontro nada comprometedor. Não dormi com ele, mas isso não me ajuda a entender como vou terminar isso que mal começou sem fazer Drevon fugir de mim.
Tom não precisa saber. Eu só preciso me concentrar em como dizer que não quero Drevon, sem falar de Tom, nem perder meu amigo. E definitivamente preciso de Tom, ele pode me ajudar a pensar com clareza. Respiro fundo organizando os pensamentos.
Se Tom estivesse aqui, ele acalmaria toda essa confusão num piscar de olhos. Mas ele não está. Faz dias que eu não recebo nem uma carta, e-mail, ou ligação de Tom. E se ele me deixou? E se ele corre perigo por causa do trabalho e por isso não me dá notícias? Não. Tom não correria perigo. É impossível. E só de pensar nisso prefiro que ele realmente tenha me deixado. É melhor do que pensar em perdê-lo para sempre.
*
Por mais que eu tenha tentado me convencer de que Tom não me abandonou e também não está em perigo, não consegui evitar e fui procurar algum sinal dele. Segui para a casa de Tom e ela estava silenciosa, não aparentava ter ninguém. Aquela bela e gigantesca mansão convidativa sem um único sinal de vida por semanas.
No chão, na frente da porta gigantesca da casa dele estão as duas últimas cartas que enviei para Tom. Ninguém as enviou para onde quer que ele esteja. Mesmo sabendo que se ele encontrar essas cartas eu vou parecer desesperada demais, deixo mais uma que escrevi hoje depois que Drevon foi embora. Não quero encarar o fato de que Tom realmente foi embora, mas tudo em mim me diz o contrário. Ele realmente parece ter me abandonado e abandonado toda a vida dele em Londres. Dou as costas para a casa de Tom e vou para o único lugar que consigo realmente me sentir bem.
Eu apareço na porta imensa da biblioteca e chamo Vivi para fora. Preciso de privacidade e de um lugar onde eu posso falar sem sussurrar.
Vivi vem até mim.
- Vivi, Tom foi embora de vez, não foi? - Pergunto. - Você sabia disso, não sabia? Tinha que saber, porque você é funcionária dele. Por que não quis me contar? Por que não me disse que ele tinha ido para não voltar mais? - Conforme falo, o cenário parece fazer mais sentido e começo a sentir profunda indignação.
Vivi direciona um olhar julgador para mim, me avalia dos pés a cabeça e respira fundo.
- Cordélia, respira. - Ela diz, irritada. - Não sei do que você está falando.
Lágrimas saem dos meus olhos sem que eu perceba e um peso parece sair das minhas costas. Estava me segurando esse tempo todo para não perder a cabeça sem saber o que tinha acontecido com Tom. Agora que eu sei e me permiti sentir...
- Eu fui na casa dele, Vivi. Eu vi que está vazia, eu vi minhas cartas no chão. Ele não vai voltar.
Vivi segura meus dois braços com força e me dá um chacoalhão. Eu arregalo meus olhos de surpresa e junto com um soluço, minhas lágrimas cessam.
- Cordélia, fique quieta e respire, merda. - Vivi grita com a voz fina como um apito.
Minha cara se fecha, mas eu respiro fundo como ela sugeriu e fecho os olhos enquanto ela fala.
- Presta atenção, senhor Griffiths faz esse tipo de coisa o tempo todo - ela fala mais calma e relaxa a mão que apertava meus braços, mas continua os segurando. - Ele não tem só essa biblioteca em Londres, não tem só esse negócio na Europa, e as cartas dele provavelmente se perderam no correio.
- Cartas não se perdem - retruco.
- Mas podem se perder. Espere ao menos ele voltar ou dar as caras na biblioteca para tirar conclusões, está bem?
- Certo. - Fecho os olhos com força. Depois abro e respiro fundo. - Certo, você provavelmente está certa.
- Claro que estou. Agora relaxe e me deixe trabalhar, tudo bem?
VOCÊ ESTÁ LENDO
Com amor, Cordélia (Daddy!)
RomanceCordélia foge do passado perigoso para a cidade grande e conhece um bilionário vinte anos mais velho que ela. O relacionamento dos dois é intenso desde o começo, mas tudo parece conspirar contra o final feliz do casal. A relação é ameaçada por segr...