Atenção: gatilho de drogas e agulha.
Cordélia
Abro meus olhos inchados e doloridos com dificuldade. Devagar começo a assimilar uma luz baixa, um quarto escuro, paredes vermelhas, chão cinza, lençóis de seda preto. É frio. Um frio cortante e úmido. O cheiro de pele, fumaça e excitação me causa náusea.
Uma música parece vir de cima de onde estou. Atrás das paredes, gritos de prazer e gemidos. Minhas costas e pernas doem e minha cabeça lateja tão forte que escuto o ritmo da pulsação.
Levanto-me lentamente e uma onda de vertigem me atinge, pontinhos fluorescentes voam no ar. Fecho os olhos. Meu vestido vermelho e justo está muito acima do meu quadril exibindo mais do que eu gostaria. Minha pele queima, sinto-me inchada e febril, uma completa estranha no meu próprio corpo. Não sei onde estou e nem como cheguei nesse lugar, seja onde for.
Começo a me levantar de novo, mais devagar dessa vez. Coloco meus pés no chão e os retraio imediatamente ao sentir o quão gelado está. Respiro fundo e me coloco de pé de uma vez por todas. O choque térmico me atravessa acordando meu cérebro ainda dormente. Me aproximo da porta preta a minha frente procurando uma saída deste lugar, um ar para respirar, mas sou impedida por um homem alto e jovem que abre a porta no momento em que eu toco a maçaneta. Ele entra com um sorriso descarado, seus olhos extremamente escuros e a pele marrom.
- Achei que demoraria mais para acordar, baby. - O tom de voz meloso me causa arrepios. Não gosto do modo como ele me olha, como se eu fosse uma deliciosa refeição.
- Nós... fizemos alguma coisa? - Pergunto sem me lembrar de nada e com medo da resposta.
Ele não responde e passeia os olhos pelo meu corpo. Abaixo o meu vestido, mas ele não vai muito além da minha bunda.
- Que dia é hoje? - Pergunto tentando desviar a atenção do homem das minhas pernas.
Ele não me responde. Sobe o olhar para o meu rosto e ergue uma sobrancelha grossa.
- Há quanto tempo estou aqui? - Tento mais uma vez.
- Você não se lembra mesmo? Nos conhecemos na madrugada de ontem e desde então... você sabe curtir a vida, garota. - Diz sorrindo e, minha nossa, os dentes dele são tão brancos que meus olhos doem.
Desvio o olhar sem jeito, desconfortável, me sentindo exposta demais.
- Gostou do que eu te dei? - Se aproxima e eu controlo o impulso de dar um passo para trás.
O cheiro dele me atinge e meu estômago revira. O que eu estou fazendo aqui? Quem é este homem? Que lugar é esse?
Forço minha memória. Não lembro de sair de casa, mas lembro de ruas e mais ruas. Eu estava no parque, próximo a queda de água do rio Serpentine com Griffiths... Tom.
A dor que eu sinto quando as lembranças me atingem é quase indescritível. Lágrimas brotam dos meus olhos. Drevon me beijou, Tom viu e... Não. Tom terminou comigo?
Lembro-me do último abraço que ele me deu, do aperto de seus braços ao meu redor e do cheiro dele. Parece que foi há uma vida atrás e mesmo assim dói como se tivesse acontecido agora. Sentir a perda dele é tão forte, amargo e profundo. É como mergulhar em areia movediça, tentar sair, mas continuar afundando e afundando cada vez mais.
Tom... eu não tenho mais Tom e a culpa é minha. Sinto o mundo girar à minha volta. Não sei quanto tempo vou aguentar se continuar sentindo isso. Não quero lembrar, não posso. Tenho medo do que vou fazer se continuar sentindo.
- O que me deu quando eu cheguei aqui? - Pergunto tentando manter o desespero longe da minha voz. Um aperto se forma em minha garganta. - Me dê de novo. Agora.
Olho determinada para os olhos negros do homem a minha frente. Ele sorri satisfeito, coloca a mão no bolso da calça e puxa um pedaço de papel.
O homem se aproxima de mim e me olha de cima como se eu fosse um pedaço de carne. Ele segura meu queixo com mãos suaves, sem textura alguma, mãos jovens. Totalmente diferente das mãos grossas de Tom que carregam uma vida inteira em suas linhas duras e firmes. Ele força minha boca para abri-la. Eu encaro os olhos escuros do homem enquanto ele coloca o pequeno papel na minha língua.
Sinto lágrimas apontarem em meus olhos, mas, em alguns instantes, logo antes delas se derramarem, tudo fica extremamente claro e a música invade meus ouvidos como se estivesse dentro do quarto, dentro de mim.
Ele me observa, mas tudo o que eu vejo é Sr. Griffiths. Fecho os olhos por um instante e tento esquecer aqueles malditos olhos azuis.
- O que mais você tem? - Pergunto de olhos fechados, saboreando o gosto que a droga deixou na minha boca. O homem passa os dedos pelos meus lábios. Por mais que essa onda tenha sido boa preciso de mais para esquecer completamente, para fazer parar de doer.
- Tenho uma mais pesada, baby. Não sei se você aguenta. - É cauteloso ao dizer.
Abro os olhos. O desejo estampado no rosto do homem, a luxúria... Meu estômago parece dar um salto e revirar. O que Tom pensaria ao me ver nessa situação? Me forço a empurrar esse pensamento para o fundo, muito abaixo daquela nuvem tempestuosa que protege toda a minha vida das lembranças do meu passado terrível.
- Estou esperando - afirmo.
Ele vai até um canto do quarto e dentro de uma gaveta pequena em uma estante pega uma agulha embrulhada em um pacotinho e um saquinho transparente com um pó branco.
Eu nunca usei heroína na veia. É demais para mim e eu tenho agonia de agulhas. O homem parece perceber meu olhar.
Eu coloco se você estiver com medo. A sensação compensa a agulha. - Sugere.
Continuo encarando a agulha. O que eu estou fazendo comigo mesma? Aonde vou parar se continuar deste jeito? Tom... o que ele pensaria de mim? Meu coração é sufocado, enterrado, cada vez que penso nele. Tenho medo de que não consiga mais alcançá-lo se continuar neste caminho.
O homem, que eu ainda não sei o nome e não sinto vontade de saber, deixa a agulha de lado, pega minha mão e a beija, subindo para o meu braço e depois pescoço.
- Se você não quiser - diz entre os beijos. - Não vou te obrigar. Mas só tenho isso aqui, baby.
O homem guia-me para deitar na cama segurando as minhas costas com aquelas mãos finas. Quando estamos deitados ele começa a descer os beijos pelo meu corpo. Lembro-me de Tom porque não chega nem aos pés do que o meu homem me faz sentir. Sento-me na cama fazendo com que os beijos parem e estendo meu braço.
Meu homem... Será que ainda posso me referir a ele desta forma?
- Com cuidado. Sou sensível com agulhas. - Afirmo.
Ele me olha e seus olhos brilham de uma forma quase doentia.
A picada dói, mas quando o líquido atinge meu sistema nervoso anula toda a dor que eu sinto, anula toda a dor que eu já senti na minha vida inteira. Tudo se esvai. E por hora basta.
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Com amor, Cordélia (Daddy!)
RomanceCordélia foge do passado perigoso para a cidade grande e conhece um bilionário vinte anos mais velho que ela. O relacionamento dos dois é intenso desde o começo, mas tudo parece conspirar contra o final feliz do casal. A relação é ameaçada por segr...