Capítulo 38

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Música: 13 beaches - Lana Del Rey

Drevon está jogado no sofá quando entro novamente em casa. Eu não chorei. Não senti vontade. Não sinto nada. Até o ódio por ver os dois juntos passou. Mas não me sinto leve. É como se eu estivesse afogada, inerte, como se eu fosse refém do peso morto que o meu corpo se tornou.

- Delia? - Drevon pergunta quando me vê. Ele levanta do sofá, alerta. - O que aconteceu? Achei que você demoraria mais para voltar. - Ele me olha apreensivo, seu tom de voz é cuidadoso demais.

Eu fecho a porta e me encosto nela, cansada demais para dar um passo se quer. 

- Você tinha razão. Eu deveria ter ficado em casa. - Em um instante Drevon está ao meu lado. Ele pega minha mão cautelosamente. Não sei se quero sentir o toque dele ou de qualquer outra pessoa. Não quero sentir nada.

- Delia... - Ele se aproxima e me abraça como se pudesse me quebrar. Mas eu não me sinto protegida, nem confortável. - O que ele fez com você?

Não consigo responder, não consigo falar nada.

- Eu estou aqui, Delia, estou aqui, sempre estarei... - Drevon fala como se estivesse acalmando um bebê.

Eu sei que as palavras dele são para me confortar, mas não me sinto dessa forma. Elas me irritam, me fazem lembrar de Tom mais do que tudo. De como ele cuidava de mim.

- Não, Drevon. Você não está comigo e você nunca vai estar. Não depois do que fez. Você causou tudo isso desde aquele dia em que me abandonou pela primeira vez e depois voltou estragando tudo, entrando na minha vida sem pedir licença, me beijando quando é conveniente para você. 

Sinto que essas palavras fizeram minha alma sangrar assim como a dele, mas é a mais pura verdade. E eu preciso de um pouco de verdade, por mais cruel e afiada que seja. Drevon não vai estar comigo, assim como todos os que vieram antes não estiveram. Eles sempre vão embora e levam consigo parte de mim.

No entanto, Drevon não me solta mesmo depois do que eu disse.

- Eu estou aqui agora, Delia. Isso não é suficiente?

Não. Não é o suficiente. Não quando sei que ele vai ser o próximo a sair pela minha porta sem olhar para trás. Como já fez uma vez antes.

Eu me desvencilho do abraço de Drevon e sento na poltrona de frente para a janela. Encolho minhas pernas no assento e apoio meu queixo no joelho. Apenas observo a rua silenciosa que agora já está coberta com a neblina espessa da noite.

Minhas mãos tremem e sinto meu corpo fraco e gelado. Minha mente não para um segundo revivendo a hora anterior. Me torturando. A mulher enrolada no lençol branco - da mesma forma que fiquei tantas vezes para ele, vindo da biblioteca onde eu e ele... sinto vontade de desaparecer. 

Eu fui tão estúpida ao acreditar que um homem como Tom Griffiths realmente iria me escolher entre tantas mulheres lindas como aquela caindo aos seus pés. 

Uma mistura tangível de humilhação e amargura parecem consumir minha alma que se quer um dia foi doce.

Eu toquei o céu, o senti e morei nele. E então fui jogada ao inferno com brutalidade pelo mesmo homem que me levou às nuvens.

É claro que foi um sonho. Ele não foi me buscar, ele me esqueceu no momento em que saiu da minha casa e me deixou com Drevon naquela noite. Talvez tivesse me esquecido até antes disso, ou talvez nem tenha me tido em sua mente para me esquecer.

- Delia, o que ele fez? - Drevon pergunta da cozinha.

Apenas balanço minha cabeça em negação e sinto se formar em minha garganta um nó que quase me faz engasgar.

Tento evitar ao máximo pensar em Sr. Griffiths, mas é algo quase impossível. Não consigo parar de lembrar de como éramos juntos, de como ele me fazia brilhar apenas para ele, de como falava comigo... minha Lolita. De como me olhava, como se eu fosse a coisa mais preciosa da vida dele, e de como ele se tornou meu refúgio.

Meus olhos ardem com lágrimas. Eu preciso dele. Preciso sentir o cheiro dele, o toque dele, a voz dele, o olhar dele em mim, preciso da forma como me segura, de como ele me percebe e me entende melhor do que eu mesma. Mas foi tudo uma mentira. Ele não existe mais e isso me enfraquece de uma forma que não achei possível. É como se eu estivesse adoecendo, como se algo estivesse sugando toda a minha vitalidade.

Olho para o céu e vejo o azul dos olhos de Griffiths. Olho para dentro de mim e vejo a cor exata que ele me pintou. Em tons de azul. Eu refletia seus olhos. Não sei como apagá-lo de mim sem me apagar por completo.

Observo Drevon na cozinha fazendo algo que cheira bem e por um instante ignoro todo o azul do céu. Não sou mais eu. É como se eu me observasse de cima, analisando esta casca vazia que se atrofia em uma poltrona pequena. 

Não sei escolher entre flutuar nesta escuridão profunda sem ele, sem sentir nada e desaparecer ou caminhar pelos cacos de vidro que restaram dentro de mim e sangrar sem parar apenas para tentar não deixar minha mente se apagar, para continuar sentindo algo. 

Tom se tornou meu universo. Se não tenho mais ele o que resta de mim?

Cada vez que penso nele, cada imagem que passa em minha mente, é como se eu pegasse um dos cacos do meu coração e mutilasse a ferida aberta no meu centro a deixando maior ainda.

- Aposto que você ainda não comeu? - Drevon diz cautelosamente, me arrastando para fora do meu devaneio enquanto me observa. Eu olho para os olhos dele e não respondo. Minha voz se nega a sair, não obedece meu cérebro.

Um momento depois, Drevon se aproxima de novo trazendo consigo torradas francesas e chá mate. Ao sentir o cheiro do líquido meu corpo reage antes de mim. Corro para o banheiro e vomito bile com pedaços pretos sentindo o resto das toxinas deixadas pelas drogas saírem de mim em um jato. Escuto o som de louça bater contra alguma superfície. Drevon aparece atrás de mim alguns segundos depois e segura meu cabelo.

- Então quer dizer que eu cozinho mal? - Ele brinca. Outra onda de vômito envolve minha garganta e jorra no vaso sanitário.

*

Acabo comendo as torradas que estavam muito boas. Bebo o chá também. Não deveria, mas o cheiro e o gosto me lembram avidamente de Tom, da boca dele mais do que tudo. É como se nós nunca tivéssemos saído da Ala Demetrificada ou da casa dele. 

É como se ele estivesse do meu lado, mesmo que nunca mais vá estar.

Drevon acaricia minha cabeça sentado ao meu lado no sofá. Eu a balanço em um pedido silencioso para que pare. Tudo me lembra Tom e a cada lembrança é como se minha alma fosse tangível e alguém estivesse torturando-a das piores formas possíveis.

Com amor, Cordélia (Daddy!)Onde histórias criam vida. Descubra agora