Capítulo 94

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Ret

Entramos na boca e eu apontei para eles se sentarem nas cadeiras.

Cabelinho ficou em pé ao meu lado, com os braços cruzados, só esperando a minha ordem do que fazer.

Gringo: fala Ret, ninguém aguenta mais esse suspense não
Ret: ela fica viva, eu já tinha dado minha palavra
Gringo: você me faz fazer toda essa porra, pra no final ela sair ilesa?
Carla: seria muito mais fácil pra você se eu morresse não é?
Gringo: você não imagina o quanto

Parece que eu to vendo uma discussão de ex-namorados do ensino médio.

Ret: você vai morar aqui na Rocinha sob a minha supervisão, eu ainda vou precisar de você pra muita coisa
Carla: eu vou ser sua escrava, é isso então?
Ret: escrava é uma palavra muito forte, que tal empregada? - Sorri sínico. - vai ter gente na tua cola o tempo todo, teu celular vai ser clonado, cada passo que tu der eu vou saber Carla, então nem tenta me passar a perna, porque todos que tentaram não estão mais aqui pra te contar a história
Carla: e a minha vida?
Ret: essa é tua nova vida
Carla: mas a minha melhor amiga...
Cabelinho: a Renata?
Ret: vou deixar ela vir morar contigo só porque eu to de bom humor e porque meu parceiro tá comendo ela e eu gosto de deixar ele alegre
Cabelinho: qual foi filho da puta? - Deu risada me empurrando.
Carla: vocês são podres, nojentos, imundos, todos vocês

Virei um tapa forte na cara dela que fez sangrar o canto da boca. Segurei seu maxilar com força, forçando ela a me encarar.

Ret: tu agora vive na minha lei, então abaixa a bola, vai tomar uma surra pra ficar esperta, devia tá me agradecendo por ser tão bonzinho - Olhei pro Cabelinho. - pode levar
Carla: o que vocês vão fazer comigo?

Cabelinho pegou ela pelo braço, que saiu gritando como se fosse adiantar alguma coisa.

Gringo: e agora?
Ret: agora eu vou pra casa descansar e mostrar pra minha família que eu to vivo
Gringo: e eu?
Ret: você vai fazer o mesmo
Gringo: você me disse que assim que isso acabasse a Maria ia saber
Ret: o dia nem amanheceu ainda, a Maria deve tá no último sono, vai pra casa descansar e quando você acordar, a gente resolve isso
Gringo: eu não vou esperar mais do que isso
Ret: te dou minha palavra

O esquentadinho saiu batendo a porta e eu respirei fundo tendo em mente que tudo acabou. Finalmente paz.

Posso nem comemorar muito, alegria de pobre dura pouco.

[...]

Gringo

Acordei determinado, o Ret tá me enrolando, mas de hoje não passa.

Quase não consegui dormir a noite pensando na perigosa, poder falar com ela de novo, abraçar e beijar, tudo que eu queria po.

Gringo: grande dia coroa - Entrei na cozinha.
Lica: tá falando comigo agora?
Gringo: po mãe, já te expliquei o bagulho
Lica: uma coisa é você traficar Davi, outra completamente diferente é aquele homem achar que pode mandar no sentimento das pessoas, isso é completamente errado
Gringo: já passou po, acabou essa história
Lica: e aquela mulher?
Gringo: tá por ai
Lica: só espero que não volte a se relacionar com ela
Gringo: pode relaxar, to indo ver minha mulher agora
Lica: a Maria?
Gringo: a única po
Lica: e ela aceitou toda essa história?
Gringo: ela nunca soube, to indo contar
Lica: e você realmente acha que ela vai reagir bem com tudo isso?
Gringo: para de me botar neurose, ela vai entender, tenho certeza, agora eu vou lá
Lica: boa sorte meu filho

Saí de casa, entrei no carro e dirigi até onde eu queria. Deu até frio na barriga ver a frente dessa casa.

Desci do carro, falei com os caras da contenção que me deixaram passar numa boa e entrei na casa. Encontrei logo quem? Minha deusa descendo as escadas com a cara de sono, deve ter acabado de acordar.

Olhei pro lado vendo o Ret sentado no sofá, mas se virou pra trás assim que ouviu o barulho da porta.

Maria: o que esse cara tá fazendo aqui?
Ret: eu mandei esperar Gringo
Gringo: tá me enrolando Ret, o bagulho é resolver essa caô logo
Ret: sobe Maria
Ana: a Maria fica - Saiu falando da cozinha. - o assunto envolve ela e tá mais que na hora dela saber dessa palhaçada
Isa: que palhaçada gente? - Perguntou descendo as escadas com a Bruna. - o que esse encosto tá fazendo aqui?

Agora fudeu, virou até reunião de família.

Ret: a conversa aqui é só eu, o Gringo e a Maria
Bruna: ata que eu vou sair daqui sem saber o que tá acontecendo
Ret: Bruna...
Bruna: não vou Filipe
Maria: o que é pai? fala de uma vez
Ret: com toda essa pressão porra...
Gringo: eu falo
Maria: eu não quero ouvir sua voz, inclusive se você puder se retirar da minha casa, eu agradeço
Gringo: eu terminei com você porque o Ret me pediu - Ela me encarou confusa. - era tudo um plano pra tomar o morro da Carla, eu terminava com você, voltava a me relacionar com ela, descobria o que teu pai queria e ele tomava a favela, então eu podia ficar livre pra viver minha vida de novo

Todo mundo pareceu meio chocado com a informação, menos a Ana. Ela já sabia.

Maria Clara

Caminhei até meu pai e parei na frente dele, meus olhos marejados, mal conseguia enxergar direito.

Maria: é verdade pai? você manipulou a vida da sua própria filha dessa forma?
Ret: sim, foi tudo pela segurança de vocês, a Carla tava sendo uma ameaça e eu não sabia o que fazer até descobrir que o Gringo tinha tido um caso com ela, aí a ideia brotou na minha cabeça e eu só coloquei em prática
Maria: e eu? em algum momento você pensou em mim?
Ret: isso foi tudo por você, imagina se a Carla descobrisse que o Gringo tava no meu morro, namorando de novo? a bala ia cair em tu, e eu só quis deixar todo mundo em segurança

Olhei pro Gringo que se mantinha calado, apenas me observando e me virei indo até ele.

Maria: tudo que você falou...
Gringo: era tudo mentira porra - Me interrompeu. - tudo, tudo que eu falei foi só pra você se afastar e a merda não respingar em você, tu achou mesmo que eu ia te deixar sem razão nenhuma perigosa? - Encostei na mão dela que recuou na hora.
Maria: eu até entendo ele - Apontou pro Ret. - quis proteger a família, por mais absurdo que a ideia pareça, mas como eu conheço a mente do meu pai, eu sei que foi só pra me proteger, ele só não pensou em como isso me afetaria, como sempre
Gringo: po...
Maria: cala a boca - Interrompi. - você tinha a opção de dizer não, de me contar todo esse absurdo, de me pedir ajudar, eu podia fingir, sei lá, ia ser eu e você sempre, mas você preferiu apenas abaixar a cabeça pro Ret e desfilar com outra na minha cara
Ret: não é assim que fun...
Maria: e você não tá em direito de dar opinião - Cortei sua fala. - sai da minha casa Gringo
Gringo: o que?
Bruna: conversa com ele antes Maria
Gringo: me escuta po
Maria: eu não tenho mais nada com você e não quero ter, eu quero que você saia da minha casa e esqueça que um dia nós já tivemos alguma coisa, porque eu já esqueci faz tempo

Virei as costas pra todo mundo ali e subi as escadas voltando pro quarto, bati a porta com toda raiva que estou sentindo nesse momento e me joguei na cama.

Me permitindo chorar todo o ódio que eu to sentindo por ter sido usado com um peão de xadrez em jogo de gente grande.

Filha do TráficoOnde histórias criam vida. Descubra agora